Como fazer lavagem peritoneal diagnóstica (LPD)

PorDorothy Habrat, DO, University of New Mexico School of Medicine
Revisado/Corrigido: mar 2021
Visão Educação para o paciente

A lavagem peritoneal diagnóstico (LPD) é um procedimento invasivo emergencial usado para detectar hemoperitônio e ajudar a determinar a necessidade de laparotomia após um trauma abdominal. Insere-se um catéter na cavidade peritoneal, seguido de aspiração do conteúdo intraperitoneal, frequentemente após sua diluição com cristaloides.

A LPD é raramente feita para detectar sangramento intra-abdominal nos países desenvolvidos porque foi substituída pela Extended Focused Assessment with Sonography in Trauma (Avaliação focada com ultrassonografia no trauma - protocolo estendido, FAST-Estendido). A LPD tem baixa especificidade, identifica muitas lesões que causam hemorragia, mas não exigem correção cirúrgica, e resulta em alta taxa de laparotomia negativa. A LPD é invasiva e apresenta risco de lesão iatrogênica nos órgãos abdominais durante o procedimento. A LPD também não detecta lesão retroperitoneal. Mas a LPD é mais sensível do que a E-FAST para lesão mesentérica, diafragmática e de víscera oca porque essas lesões (e o menor volume de hemorragia que produzem) são mais difíceis de visualizar nas imagens.

As técnicas mais comuns de LPD são

  • Fechada: inserção percutânea da agulha na cavidade peritoneal seguida de catéter sobre fio (técnica de Seldinger)

  • Semiaberta: dissecção até (e às vezes através) a fáscia do reto do abdome, seguida de técnica de catéter sobre agulha na cavidade peritoneal

A técnica aberta (minilaparotomia), na qual o operador disseca até a cavidade abdominal para visualizar diretamente o peritônio e incisá-lo para inserir o catéter de maneira mais direcionada, é menos frequentemente utilizada e não é discutida aqui.

Indicações

Indica-se a LPD se exames de imagem não estiverem disponíveis e se houver suspeita de lesão intra-abdominal que requer cirurgia, geralmente por

  • Trauma abdominal fechado com instabilidade hemodinâmica

  • Ferida por arma branca no abdome que penetra a fáscia (isto é, visto na exploração local da ferida) ou com outras preocupações quanto à entrada intra-abdominal (p. ex., a partir do instrumento utilizado, achados clínicos)

  • Traumatismo múltiplo com choque de etiologia incerta, especialmente em pacientes com exame físico não confiável do abdome (p. ex., devido a estado mental alterado por lesão na cabeça, intoxicação, lesão medular ou outras lesões dolorosas perturbadoras)

Raramente, indica-se LPD quando exames de imagem estão disponíveis, como na hipotensão associada a um resultado do exame E-FAST duvidoso ou exames de imagem que mostram líquido pélvico livre, mas nenhuma lesão aparente em órgão sólido (p. ex., ascite).

Contraindicações

Contraindicações absolutas

  • Indicações clínicas óbvias para laparotomia (p. ex., ferimento por arma de fogo no abdome ou no flanco, outra lesão abdominal penetrante com choque, evisceração, empalamento)

Contraindicações relativas

  • Disponibilidade de exames de imagem apropriados (p. ex., E-FAST, TC)

  • Fratura pélvica*

  • Incapacidade de inserir um catéter uretral*

  • Gestação (2º ou 3º trimestre)*

  • Cirurgia abdominal prévia†

  • Obesidade mórbida‡

* LPD aberta supraumbilical é necessária, para evitar sangramento retroperitoneal com propagação anterior, bexiga distendida ou fundo uterino gravídico, respectivamente.

† Aderências de cirurgias prévias dificultam a distribuição uniforme do líquido no abdome e aumentam o risco de víscera perfurada. Realiza-se LPD aberta, mantendo a incisão distante do local da incisão cirúrgica (em qualquer outro local na linha média, se possível, ou no quadrante inferior esquerdo).

‡ Realiza-se LPD infra-umbilical semiaberta ou aberta para acessar de forma mais segura e precisa o espaço peritoneal através da gordura subcutânea espessa.

Complicações

Complicações da LPD são

  • Herniação do intestino pela incisão

  • Lesão em órgãos e/ou vasos por agulha ou catéter

  • Infecção

  • Sangramento e/ou hematoma cutâneo

Problemas sem complicações incluem o retorno inadequado de líquido.

Equipamento

Procedimento estéril, proteção de contato

  • Solução antisséptica (p. ex., clorexidina, iodopovidona)

  • Campos estéreis (grandes), toalhas

  • Toucas, máscaras, aventais, luvas estéreis

  • Protetores faciais

Equipamentos gerais

  • Sonda nasogástrica

  • Catéter uretral

  • Envoltórios de gaze estéreis

  • Bolsa IV de 1 L de soro fisiológico comum ou Ringer lactato, idealmente aquecido à temperatura corporal, para infusão peritoneal

  • Conjunto de tubos IV, sem válvula unidirecional

  • Tubo de coleta de sangue para contagem de células sanguíneas

  • Sutura não absorvível (p. ex., nylon de tamanho 3-0 ou 4-0) ou grampos, para fechamento da pele

Técnica fechada (técnica de Seldinger, catéter sobre o fio-guia)

Kits pré-embalados ou bandejas cirúrgicas podem estar disponíveis, mas os equipamentos típicos são

  • Anestésico local (p. ex., lidocaína a 1% com adrenalina)

  • Agulha de calibre 25 e seringa de 5 a 10 mL para anestésico

  • Agulha introdutora de calibre 18 (cerca de 7,5 cm de comprimento) e seringa de 5 a 10 mL

  • Fio-guia flexível com a ponta em forma de J (cerca de 45 cm de comprimento)

  • Bisturi (com lâmina nº 11 ou nº 15)

  • Catéter de diálise peritoneal flexível

Técnica semiaberta

Equipamento como acima, mais

  • Bisturi

  • Retratores em ângulo reto

  • Tesouras, pinças hemostáticas e coletores

  • Aparelho de cauterização ou sutura absorvível para hemostasia

Considerações adicionais

  • Coagulopatia, seja terapêutica (isto é, devido ao uso de anticoagulantes) ou clínica (p. ex., decorrente de doença hepática grave), aumenta o risco de sangramento durante o procedimento, mas não é uma contraindicação; o diagnóstico de lesão intra-abdominal grave é uma preocupação mais premente.

  • Antes da LPD, inserir catéter uretral e sonda gástrica para descomprimir a bexiga e o estômago e, assim, evitar lesões por agulha, fio-guia ou inserções de catéter. Antes de tentar cateterismo uretral, deve-se excluir a suspeita de trauma uretral (p. ex., sugerido pela presença de sangue no meato, hematoma ou hematoma perineal) por uretrografia retrógrada.

  • Antibióticos profiláticos não são necessários para LPD.

Posicionamento

  • O paciente em decúbito dorsal.

Anatomia relevante

  • Insere-se o catéter na linha média longitudinal, 2 cm inferior ao umbigo. Esse local é distante do estômago e do omento, e a fáscia subjacente (linha alba) não é muito vascularizada.

Descrição passo a passo do procedimento

Normalmente, a técnica fechada é apropriada. A técnica semiaberta é uma alternativa (p. ex., em pacientes com gordura abdominal espessa).

Preparar o paciente

  • Como inserir uma sonda nasogástrica (ver Como inserir uma sonda nasogástrica)

  • Inserir um catéter urinário (ver Como fazer catéterismo uretral na mulher ou Como fazer catéterismo uretral no homem)

  • Se LPD semiaberta está prevista, depilar uma área ampla em torno do local previsto para a incisão.

  • Limpar uma ampla área de pele próximo ao local* com solução antisséptica e deixar secar.

  • Colocar toalhas estéreis ao redor do local.

  • Para a técnica semiaberta, colocar campos estéreis grandes para estabelecer uma área estéril maior.

  • Injetar anestésico no ponto de entrada da agulha e nos arredores, abrangendo o comprimento de qualquer incisão prevista (para técnica semiaberta) e até a fáscia.

* O local de entrada padrão é na linha média, 2 cm inferior ao umbigo.

Acessar a cavidade peritoneal

Técnica fechada

  • Inserir a agulha introdutora na linha média do abdome, 2 cm inferior ao umbigo, em um ângulo de 45 graus com a pele e direcionada inferoposteriormente à pelve.

  • Avançar a agulha até perceber que ela atravessa a fáscia e a membrana peritoneal e então continuar mais 2 a 3 mm.

  • Manter a agulha imóvel e aspirar delicadamente: se > 10 mL de sangue for aspirado, diagnostica-se hemoperitônio e o procedimento é encerrado. Esse resultado de teste também é positivo se há aspiração livre de conteúdo gastrointestinal ou bile.

  • Se nenhum sangue é aspirado, inserir a extremidade em J do fio-guia na agulha, com a curva apontada na mesma direção que o bisel da agulha, de modo a direcionar o fio-guia ao sulco pélvico direito ou esquerdo.

  • Avançar o fio-guia até ele parar ou até o comprimento do fio se projetar do canhão da agulha e permanecer ligeiramente mais longo que o catéter peritoneal. Se houver resistência ou o paciente sentir dor à medida que avança o fio-guia, interromper o procedimento e retirar a agulha e o fio-guia juntos como uma unidade (para evitar que a ponta da agulha avance com o fio-guia para dentro do paciente). Reinserir a agulha em um local ligeiramente diferente, mas ainda na linha média.

  • Segurar a ponta do fio-guia e retirar a agulha até a ponta sair da pele.

  • Segurar o fio-guia na superfície da pele e deslizar a agulha para fora do fio.

  • Usar o bisturi para fazer uma pequena incisão onde o fio-guia entra na epiderme, para possibilitar a passagem do catéter.

  • Rosquear o catéter sobre o fio-guia e deslizar o catéter para baixo até os dedos, segurando o fio-guia na pele. A extremidade do fio-guia agora deve estar saliente da extremidade do canhão do catéter; se não estiver, remover lentamente o fio-guia do abdome até a extremidade se projetar.

  • Segurar e controlar o fio-guia onde ele se projeta do canhão do catéter e avançar o catéter sobre o fio, usando um movimento de saca-rolhas conforme necessário, até que o catéter esteja totalmente inserido.

  • Retirar o fio-guia e iniciar a lavagem.

Técnica semiaberta (alternativa)

Um auxiliar é útil, particularmente se o paciente é obeso.

  • Fazer uma incisão vertical na linha média de 4 a 6 cm até a fáscia, começando logo abaixo do umbigo.

  • Interromper quaisquer sangramentos usando um eletrocautério ou suturas.

  • Segurar a fáscia com hemostatos para estabilizá-la e inserir a agulha introdutora diretamente através da fáscia.

  • Continuar conforme a técnica fechada.

Fazer lavagem peritoneal

  • Conectar a bolsa de solução de lavagem aquecida ao catéter com tubo IV e permitir que o líquido flua para a cavidade peritoneal.

  • Infundir 1 L em adultos, 10 mL/kg em crianças.

  • Depois que o líquido é instilado, abaixar a bolsa de solução quase vazia bem abaixo do nível do abdome e permitir que o líquido retorne à bolsa. Recuperar o máximo de líquido possível, mas apenas 250 mL é uma quantidade adequada.

  • Enviar o líquido para análise. A lavagem é positiva se há > 100.000 eritrócitos/mL, > 500 eritrócitos/mL ou teste de coloração de Gram positivo. Um teste negativo não exclui outra lesão em um órgão sólido, perfuração de víscera, ruptura diafragmática ou lesão retroperitoneal.

  • Remover o catéter.

  • Fechar qualquer incisão na pele com suturas ou grampos e cobrir o local.

Cuidados posteriores

  • Remover o catéter uretral e a sonda nasogástrica se eles não forem mais necessários.

  • Após uma LPD negativa, a maioria dos médicos considera fazer exames diagnósticos adicionais e internar o paciente para observação e exames abdominais seriados. Manter inicialmente o paciente em jejum, mas introduzir líquidos e, em seguida, alimentos, dependendo da condição clínica.

Alertas e erros comuns

  • Não alcançar a hemostasia cutânea durante um procedimento semiaberto incorre no risco de o sangue dos vasos cutâneos entrar no abdome e elevar falsamente a contagem de eritrócitos

  • Durante um procedimento semiaberto, dissecar inadvertidamente através da fáscia e entrar no abdome

Recomendações e sugestões

  • Se o fluxo de líquido é fraco, o omento pode estar bloqueando os orifícios do catéter. Palpação abdominal, reposicionamento do paciente para permitir que o líquido do lavado se mova, ou leve reposicionamento do catéter podem melhorar o fluxo.

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