Dismenorreia é a dor uterina por volta do período menstrual. A dor pode ocorrer com a menstruação ou precedê-la em 1 a 3 dias. A dor tende a alcançar a intensidade máxima 24 horas após o início da menstruação e diminuir após 2 a 3 dias. Muitas vezes, pode haver cólica ou dor difusa constante, mas a dor pode ser aguda ou latejante; pode irradiar para as costas ou pernas.
Cefaleia, náuseas, obstipação ou diarreia, dor lombar e frequência urinária são comumente associadas a dismenorreia; vômitos ocorrem ocasionalmente.
Às vezes, a dismenorreia é acompanhada de sintomas de síndrome pré-menstrual ou sangramento menstrual intenso e passagem de coágulos sanguíneos.
A dismenorreia interfere nas atividades diárias em 30% ou mais das mulheres e pode resultar em absenteísmo escolar ou laboral (1). Mulheres com dismenorreia têm maior probabilidade de ter dor pélvica crônica ou outras condições de dor crônica (2).
Referências gerais
1. Schoep ME, Nieboer TE, van der Zanden M, Braat DDM, Nap AW. The impact of menstrual symptoms on everyday life: a survey among 42,879 women. Am J Obstet Gynecol. 2019;220(6):569.e1-569.e7. doi:10.1016/j.ajog.2019.02.048
2. Li R, Li B, Kreher DA, Benjamin AR, Gubbels A, Smith SM. Association between dysmenorrhea and chronic pain: a systematic review and meta-analysis of population-based studies. Am J Obstet Gynecol. 2020;223(3):350-371. doi:10.1016/j.ajog.2020.03.002
Etiologia da dismenorreia
A dismenorreia pode ser
Primária (ausência de causa orgânica, mais comum)
Secundária (devido a outra patologia pélvica subjacente)
Dismenorreia primária
Dismenorreia primária é idiopática e não pode ser explicada por outras doenças ginecológicas (1). Admite-se que a dor resulte de isquemia e contrações uterinas, provavelmente mediadas por prostaglandinas (p. ex., prostaglandina F2-alfa, um potente estimulante e vasoconstritor do miométrio) e outros mediadores inflamatórios produzidos no endométrio secretório e, possivelmente, associadas a contrações uterinas prolongadas e à diminuição do fluxo sanguíneo para o miométrio (2).
Os fatores que contribuem podem incluir:
Níveis altos de prostaglandina F2-alfa no líquido menstrual
Flexão ou ângulo uterino; anteflexão, retroflexão e retroversão podem estar associadas à dismenorreia (útero antefletido ou retrofletido) (3, 4)
Ansiedade
A dismenorreia primária tipicamente começa em um ano após a menarca e ocorre quase sempre em ciclos ovulatórios. A dor geralmente ocorre quando a menstruação inicia (ou pouco antes) e persiste durante os primeiros 1 a 2 dias; essa dor, descrita como espasmódica, sobrepõem-se à dor abdominal inferior constante, que pode se irradiar para as costas ou coxas. As pacientes também podem ter mal-estar, fadiga, náuseas, vômitos, diarreia, dor lombar ou cefaleia.
Fatores de risco de sintomas graves incluem:
Idade precoce da menarca
Períodos menstruais longos ou intensos
Nuliparidade
Idade < 30
Depressão, ansiedade ou altos níveis de estresse
Tabagismo
Uso excessivo de álcool
História familiar de dismenorreia
Os sintomas tendem a diminuir à medida que a idade aumenta e após a primeira gestação.
Dismenorreia secundária
Os sintomas da dismenorreia secundária são decorrentes de anomalias pélvicas. Quase qualquer anormalidade ou processo que pode afetar as vísceras pélvicas pode causar dismenorreia.
As causas comuns da dismenorreia secundária incluem
Endometriose (a causa mais comum)
Causas menos comuns incluem malformações congênitas (p. ex., útero bicorno, útero septado, septo vaginal transverso), cistos e tumores ovarianos, história de doença inflamatória pélvica, congestão pélvica, aderências intrauterinas, e dispositivos intrauterinos (DIUs), particularmente DIUs de cobre.
Em algumas mulheres, a dor ocorre quando o útero tenta expelir tecido em decorrência de óstio do útero extremamente estreito [secundário a conização, procedimento de excisão elétrica por alça (PEEA) ou crioterapia]. Raramente, a dor resulta de mioma submucoso pediculado ou de pólipo endometrial saliente ao longo do colo uterino.
Fatores de risco para a dismenorreia secundária grave são os mesmos que os para a primária.
Em geral, a dismenorreia secundária inicia-se na idade adulta, a menos que seja provocada por malformações congênitas.
Referências sobre etiologia
1. Iacovides S, Avidon I, Baker FC. What we know about primary dysmenorrhea today: A critical review. Hum Reprod Update 21 (6):762–778, 2015. doi: 10.1093/humupd/dmv039. Epub 2015 Sep 7.
2. Bernardi M, Lazzeri L, Perelli F, Reis FM, Petraglia F. Dysmenorrhea and related disorders. F1000Res. 2017;6:1645. Publicado em 2017 Set 5. doi:10.12688/f1000research.11682.1
3. Cagnacci A, Grandi G, Cannoletta M, Xholli A, Piacenti I, Volpe A. Intensity of menstrual pain and estimated angle of uterine flexion. Acta Obstet Gynecol Scand. 2014;93(1):58-63. doi:10.1111/aogs.12266
4. Fauconnier A, Dubuisson JB, Foulot H, et al. Mobile uterine retroversion is associated with dyspareunia and dysmenorrhea in an unselected population of women. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2006;127(2):252-256. doi:10.1016/j.ejogrb.2005.11.026
Avaliação da dismenorreia
Os médicos podem identificar a dismenorreia com base nos sintomas. Eles então determinam se a dismenorreia é primária ou secundária.
História
A história da doença atual deve abranger a história clínica menstrual completa, incluindo a idade de início da menstruação, a duração e a magnitude do fluxo, o período entre as menstruações, a variabilidade do período e a relação das menstruações com os sintomas.
O médico também deve perguntar sobre:
A idade em que os sintomas começaram
Sua natureza e gravidade
Fatores que aliviam ou pioram os sintomas (incluindo os efeitos dos contraceptivos)
Grau de perturbação da vida diária
Efeito sobre a atividade sexual
Presença de dor pélvica não relacionada à menstruação
Resposta a anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
História de dispareunia ou infertilidade (associada à endometriose)
A revisão dos sistemas deve incluir os sintomas concomitantes como náuseas cíclicas, vômitos, distensão abdominal, diarreia e fadiga.
A história clínica deve identificar causas estabelecidas, envolvendo endometriose, adenomiose uterina ou mioma. Deve-se questionar sobre os métodos de contracepção, perguntando, especificamente, sobre o uso de DIU.
A história cirúrgica anterior deve identificar procedimentos que aumentem o risco de dismenorreia, como conização do colo do útero e ablação endometrial.
Exame físico
O exame pélvico deve concentrar-se na detecção das causas de dismenorreia secundária. Examina-se o colo do útero à procura de dor à palpação, secreção, estenose do colo do útero ou prolapso de pólipo, ou mioma. Realiza-se o exame bimanual para verificar massas uterinas e consistência uterina (um útero lodoso ocorre na adenomiose), massas anexiais, espessamento do septo retovaginal, induração do fundo de saco e nodularidade do ligamento uterossacral.
Examina-se o abdome procurando evidências de achados anormais, como sinais de peritonite.
Sinais de alerta
Os achados a seguir são especialmente preocupantes em pacientes com dismenorreia:
Dor nova ou de início recente
Dor intermitente
Febre
Corrimento do colo do útero purulento
Evidências de peritonite
Interpretação dos achados
Os achados preocupantes sugerem uma causa de dor pélvica diferente da dismenorreia.
Suspeita-se de dismenorreia primária se:
Os sintomas começam logo após a menarca ou durante a adolescência.
Suspeita-se de dismenorreia secundária se:
Os sintomas começam após a adolescência.
A dor é difusa, constante e nem sempre em sincronia com o início da menstruação (1).
Pacientes têm causas conhecidas, incluindo adenomiose uterina, mioma, óstio do útero estreito, massa que provoca protrusão pelo óstio do útero ou, particularmente, endometriose.
A endometriose é considerada em pacientes com massas nos anexos, espessamento do septo retovaginal, induração de fundo de saco, nodulação do ligamento uterossacral ou, ocasionalmente, lesões inespecíficas da vagina, da vulva ou do colo uterino.
Exames
Têm o objetivo de excluir doenças ginecológicas estruturais. A maioria das pacientes deve ser submetida a:
Teste de gravidez
Ultrassonografia pélvica
Deve-se fazer testes de gravidez em todas as mulheres em idade reprodutiva que apresentam dor pélvica. Se houver suspeita de doença inflamatória pélvica, efetuam-se culturas do colo do útero.
Ultrassonografia pélvica é altamente sensível para massas pélvicas (p. ex., cistos ovarianos, miomas, endometriose, adenomiose uterina) e pode localizar DIUs anormalmente localizados.
Se esses testes forem inconclusivos e os sintomas persistirem, pode-se fazer histerossalpingografia e sono-histerografia para identificar pólipos endometriais, miomas submucosos ou anormalidades congênitas. Pode ser necessário realizar uma RM para caracterizar completamente as anomalias congênitas.
Se os resultados de todos os outros testes forem inconclusivos, pode-se fazer laparoscopia, sobretudo se houver suspeita de endometriose.
Referência sobre avaliação
1. Bernardi M, Lazzeri L, Perelli F, Reis FM, Petraglia F. Dysmenorrhea and related disorders. F1000Res. 2017;6:1645. Publicado em 2017 Set 5. doi:10.12688/f1000research.11682.1
Tratamento da dismenorreia
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são considerados terapia de primeira linha, pois a liberação de prostaglandina está envolvida na fisiopatologia da dismenorreia
Frequentemente, contraceptivos hormonais
Tratamento das doenças subjacentes
Se identificadas, tratam-se as doenças que causam a dismenorreia (p. ex., cirurgia para remover miomas).
Medidas gerais
Medidas para melhorar o bem-estar geral da paciente (p. ex., repouso e sono adequados, exercícios regulares) podem ser úteis. Algumas pacientes acham que uma compressa quente (utilizada com segurança para evitar queimaduras) aplicada ao abdome inferior ou massagem abdominal alivia a dor.
Sugeriram-se outras intervenções como sendo potencialmente eficazes. Consistem em dieta pobre em gordura e suplementos nutricionais como ácidos graxos ômega-3, linhaça, magnésio, vitamina B1, vitamina E e zinco. Poucos dados corroboram a utilidade dessas intervenções; entretanto, elas são de baixo risco.
Mulheres com dismenorreia primária são tranquilizadas sobre a ausência de outros distúrbios ginecológicos.
Medicamentos
Se a dor é incômoda, AINEs (que aliviam a dor e inibem as prostaglandinas) são geralmente tentados. Em geral, iniciam-se os AINEs 24 a 48 horas antes, sendo mantidos por 1 a 2 dias após o início da menstruação. Há poucas evidências de superioridade de qualquer AINE individual para alívio da dor ou segurança e nenhuma evidência de que inibidores específicos da COX-2 sejam mais eficazes (1).
O contraceptivo de estrogênio/progestina geralmente é eficaz (2). O estrogênio inibe a ovulação, e a progestina reduz a espessura do endométrio, resultando em menor disponibilidade de ácido araquidônico para a síntese de prostaglandinas, o que diminui tanto o fluxo menstrual quanto as contrações uterinas (3).
Outras terapias hormonais também podem ser eficazes para dismenorreia primária ou como tratamento de dismenorreia secundária devido à endometriose. Opções de terapia com progestina incluem progestinas orais (p. ex., contraceptivos orais contendo somente progestina, dienogeste oral), dispositivo intrauterino de levonorgestrel, implante de etonogestrel ou acetato de medroxiprogesterona de depósito. Agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) foram eficazes na redução da dismenorreia, mas podem ter efeitos colaterais devido aos baixos níveis de estrogênio (4). Danazol também é uma opção, mas é raramente utilizado devido aos efeitos adversos androgênicos.
Medicamentos tocolíticos (p. ex., adesivos transdérmicos de nitroglicerina, bloqueadores dos canais de cálcio), que inibem as contrações uterinas, não foram bem estudados, mas podem beneficiar algumas pacientes (5).
Outros tratamentos
Procedimentos cirúrgicos são opções para tratar as causas ginecológicas da dismenorreia secundária. A endometriose pode ser tratada cirurgicamente com fulguração das lesões. Leiomiomas uterinos podem ser tratados com embolização da artéria uterina ou miomectomia. A estenose cervical pode ser tratada com dilatação cervical mecânica. A ablação endometrial pode ser eficaz quando a dismenorreia está associada a sangramento menstrual intenso. A histerectomia é a terapia definitiva para dismenorreia.
Tratamentos baseados na modulação ou ablação das vias nervosas são opções para alguns pacientes. Estimulação elétrica nervosa transcutânea mostrou-se eficaz (6). Para dor intratável de origem desconhecida, neurectomia pré-sacral laparoscópica ou ablação do nervo uterossacral foi eficaz em algumas pacientes por até 12 meses (7).
Abordagens de cuidados complementares ou de estilo de vida que foram avaliadas incluem exercício, ioga, hipnose, acupuntura, acupressão, terapia quiroprática e termoterapia.
O uso de suplementos dietéticos (p. ex., gengibre, vitamina E) e canabinoides também foi proposto, mas requer mais estudos.
Referências sobre tratamento
1. Marjoribanks J, Ayeleke RO, Farquhar C, Proctor M. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs for dysmenorrhoea. Cochrane Database Syst Rev. 2015;2015(7):CD001751. Publicado em 2015 Jul 30. doi:10.1002/14651858.CD001751.pub3
2. Ferries-Rowe E, Corey E, Archer JS. Primary dysmenorrhea: Diagnosis and therapy. Obstet Gynecol 136 (5):1047–1058, 2020. doi: 10.1097/AOG.0000000000004096
3. Schroll JB, Black AY, Farquhar C, Chen I. Combined oral contraceptive pill for primary dysmenorrhoea. Cochrane Database Syst Rev. 2023;7(7):CD002120. Publicado em 2023 Jul 31. doi:10.1002/14651858.CD002120.pub4
4. Yan H, Shi J, Li X, et al. Oral gonadotropin-releasing hormone antagonists for treating endometriosis-associated pain: a systematic review and network meta-analysis. Fertil Steril. 2022;118(6):1102-1116. doi:10.1016/j.fertnstert.2022.08.856
5. Kirsch E, Rahman S, Kerolus K, et al. Dysmenorrhea, a Narrative Review of Therapeutic Options. J Pain Res. 2024;17:2657-2666. Publicado em 2024 Ago 15. doi:10.2147/JPR.S459584
6. Proctor ML, Smith CA, Farquhar CM, Stones RW. Transcutaneous electrical nerve stimulation and acupuncture for primary dysmenorrhoea. Cochrane Database Syst Rev. 2002;2002(1):CD002123. doi:10.1002/14651858.CD002123
7. Daniels J, Gray R, Hills RK, et al. Laparoscopic uterosacral nerve ablation for alleviating chronic pelvic pain: a randomized controlled trial. JAMA. 2009;302(9):955-961. doi:10.1001/jama.2009.1268
Diretrizes para dismenorreia
A seguir, é fornecida uma lista de diretrizes clínicas publicadas por sociedades médicas profissionais e órgãos governamentais sobre esta condição (lista não exaustiva).
American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) Practice Bulletin. Dysmenorrhea and Endometriosis in the Adolescent. 2018 (reaffirmed 2021).
ACOG Committee Opinion. Management of Acute Obstructive Uterovaginal Anomalies. 2019 (reaffirmed 2021).
Pontos-chave
Dismenorreia é a dor uterina por volta do período menstrual. A dor pode ocorrer com a menstruação ou precedê-la em 1 a 3 dias.
A maioria dos casos de dismenorreia é primária (idiopática).
Causas comuns de dismenorreia secundária incluem endometriose, adenomiose uterina, leiomiomas e estenose cervical.
Avaliar com história, exame pélvico e, geralmente, ultrassonografia transvaginal.
Tratar com AINE e/ou contraceptivo de estrogênio/progestina. Outras terapias hormonais que suprimem a ovulação e/ou reduzem o fluxo menstrual também podem ser eficazes.
Abordagens de cuidados complementares ou de estilo de vida não foram comprovadas, mas são de baixo risco (p. ex., exercício, hipnose).
A intervenção cirúrgica ou a ablação nervosa deve ser reservada para pacientes refratários ao tratamento clínico ou que desejam tratamento definitivo.
