O ECG convencional fornece 12 diferentes incidências vetoriais da atividade elétrica do coração, refletidas pelas diferenças de potencial elétrico entre eletrodos negativos e positivos colocados nos membros e parede torácica. Seis dessas incidências são verticais (derivações frontais D1, D2 e D3 e derivações dos membros aVR, aVL e aVF) e 6 são horizontais (derivações precordiais V1, V2, V3, V4, V5 e V6). O ECG de 12 derivações é essencial para fechar muitos diagnósticos cardíacos (ver tabela Interpretação das alterações no ECG), como
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Arritmias
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Isquemia do miocárdio
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Aumento atrial
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Hipertrofia ventricular (ver tabela Critérios de diagnóstico eletrocardiográfico da hipertrofia ventricular esquerda)
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Condições que predispõem à síncope ou morte súbita (p. ex., síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndrome do QT longo e síndrome de Brugada)
Para informações adicionais sobre a interpretação do ECG, ver Visão geral das arritmias e ECG nas síndromes coronarianas agudas. Um useful ECG tutorial (bom tutorial de ECG) está disponível pela Universidade de Utah.
Interpretação de ECGs anormais
Componente anormal |
Descrição |
Possíveis causas |
Ondas P |
Anormais |
Sobrecarga atrial esquerda ou direita, batimentos (ectópicos) de escape atrial |
Ondas P |
Ausente |
Fibrilação atrial, bloqueio sinoatrial de saída, hiperpotassemia (grave) |
Intervalo P-P |
Variável |
Arritmia sinusal |
Intervalo P-R |
Longo |
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Intervalo P-R |
Variável |
Bloqueio atrioventricular Mobitz I, taquicardia atrial multifocal |
Complexo QRS |
Aumentado |
Bloqueio de ramo direito ou esquerdo, flutter ventricular, fibrilação ventricular, hiperpotassemia |
Intervalo QT |
Longo |
Infarto do miocárdio, miocardite, miocardiopatia por estresse, hipocalcemia, hipopotassemia, hipomagnesemia, hipotireoidismo, hemorragia subaracnoidea ou intracerebral, acidente vascular encefálico, síndrome do QT longo congênita, antiarrítmicos (p. ex., sotalol, amiodarona, quinidina), antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas e outros fármacos |
Intervalo QT |
Curto |
Hipercalcemia, hipermagnesemia, doença de Graves, digoxina |
Segmento ST |
Infradesnível |
Isquemia miocárdica; infarto do miocárdio posterior agudo; digoxina, hipertrofia ventricular; embolia pulmonar; BRE (nas derivações V5–V6 e possivelmente em I e aVL; BRD nas derivações V1−V3 e possivelmente em II, III e aVF); hiperventilação; hipopotassemia |
Segmento ST |
Elevação |
Isquemia miocárdica, infarto do miocárdio, BRE nas derivações V1−V3 e possivelmente em II, III e aVF, pericardite aguda, hipertrofia ventricular esquerda, hiperpotassemia, embolia pulmonar, digoxina, variação normal (p. ex., síndrome do coração do atleta), hipotermia |
Onda T |
Ampla |
Hiperpotassemia, infarto do miocárdio, BRE, acidente vascular encefálico e hipertrofia ventricular |
Onda T |
Baixa amplitude, retificada ou negativa |
Isquemia miocárdica, miocardite, idade, etnia, hiperventilação, ansiedade, uso de bebidas quentes ou frias, sobrecarga ventricular esquerda, certos fármacos (p. ex., digoxina), pericardite, embolia pulmonar, distúrbios de condução (p. ex., BRD), distúrbios eletrolíticos (p. ex., hipopotassemia), miocardiopatia por estresse |
Onda U |
Proeminente |
Hipopotassemia, hipomagnesemia, isquemia |
Critérios para o diagnóstico ECG da hipertrofia ventricular esquerda
Componentes do eletrocardiograma padrão
Por convenção, o traçado do ECG é dividido em onda P, intervalo PR, complexo QRS, intervalo QT, segmento ST , onda T e onda U (ver figura Ondas do ECG).
Ondas de eletrocardiografia (ECG)
Onda P
A onda P representa a despolarização atrial. Ela é positiva na maioria das derivações, com exceção de aVR. Pode ser bifásica na derivações II e V1; o componente inicial representa a atividade atrial direita e o 2º componente representa a atividade atrial esquerda.
O aumento da amplitude de um ou ambos os componentes ocorre na sobrecarga atrial. A sobrecarga atrial direita produz onda P > 2 mm em D2, D3 e aVF (P pulmonale) e a sobrecarga atrial esquerda produz onda P mais larga e com duplo pico em D2 (P mitrale). Normalmente, o eixo da onda P situa-se entre 0° e 75°.
Intervalo P-R
Complexo QRS
O complexo QRS representa a despolarização ventricular.
A onda Q é a deflexão negativa inicial e tem duração < 0,05 segundos em todas as derivações, com exceção de V1–3, em que qualquer onda Q é considerada anormal, indicando infarto antigo ou atual.
A onda R é a primeira deflexão positiva e os critérios normais de amplitude e duração não são absolutos, mas ondas R mais amplas podem ser causadas por sobrecarga ventricular. Uma 2ª deflexão positiva do complexo QRS é designada R′.
A onda S é a 2ª deflexão negativa; se houver onda Q ou se não houver onda Q é a primeira deflexão negativa.
O complexo QRS pode ter onda R isolada, QS (sem R), QR (sem S), RS (sem Q) ou RSR′, dependendo da derivação eletrocardiográfica, vetor e existência de cardiopatias.
Normalmente, o intervalo QRS é de 0,07 a 0,10 segundos. Um intervalo de 0,10 a 0,11 segundos é considerado bloqueio incompleto de ramo ou atraso da condução intraventricular inespecífico, dependendo da morfologia do QRS. Um intervalo de ≥ 0,12 segundos é considerado bloqueio completo de ramo ou um atraso na condução intraventricular.
Normalmente, o eixo de QRS varia de 90° a —30°. O eixo de —30° a —90° é considerado desvio do eixo para a esquerda e ocorre no BFAE (—60°) e no infarto do miocárdio inferior.
O eixo de 90° a 180° é considerado desvio do eixo para a direita e ocorre em qualquer condição que aumente a pressão pulmonar, provocando sobrecarga ventricular direita (cor pulmonale, embolia pulmonar aguda e hipertensão pulmonar) e, às vezes, ocorre no bloqueio do ramo direito ou no bloqueio do BFPE.
Intervalo QT
O intervalo Q-T é o período entre o início da despolarização ventricular e o fim da repolarização ventricular. Sua correção para a frequência cardíaca deve ser feita com a seguinte fórmula:
em que QTc é o intervalo Q-T corrigido e R-R é o intervalo entre 2 complexos QRS. Todos os intervalos são registrados em segundos. O prolongamento do QTc está fortemente relacionado com o desenvolvimento de taquicardia ventricular do tipo torsades de pointes. Geralmente, existe dificuldade no cálculo do QTc porque o final da onda T é, muitas vezes, pouco nítido ou seguido de onda U com a qual se funde. Diversos fármacos estão envolvidos no prolongamento do intervalo QT (ver CredibleMeds).
Segmento ST
Onda T
A onda T reflete a repolarização ventricular. Normalmente, tem a mesma direção do complexo QRS (concordância) e a polaridade oposta (discordância) pode indicar infarto anterior ou atual. Em geral, a onda T é suave e arredondada, mas pode ter baixa amplitude na hipopotassemia e hipomagnesemia e ser pontiaguda em hiperpotassemia, hipocalcemia e sobrecarga ventricular esquerda.
Onda U
Exames ECG especializados
O ECG padrão de 12 derivações representa apenas um breve período da atividade cardíaca; técnicas aprimoradas podem fornecer informações adicionais.
Derivações precordiais adicionais
Utilizam-se derivações precordiais adicionais para auxiliar no diagnóstico de infarto do miocárdio da parede posterior e do ventrículo direito.
As derivações precordiais direitas são posicionadas do lado direito do tórax como uma imagem em espelho das derivações padrões do lado esquerdo. São rotuladas de V1R a V6R, porém, às vezes, utiliza-se apenas V4R, pois é a mais sensível para o infarto do miocárdio do ventrículo direito.
Derivações precordiais esquerdas adicionais podem ser posicionadas no 5º espaço intercostal, com V7 na linha axilar posterior, V8 na linha média escapular e V9 na borda esquerda da coluna. Estas derivações são pouco utilizadas, mas podem auxiliar no diagnóstico de infarto do miocárdio posterior.
Derivação esofágica
Uma derivação esofágica encontra-se muito mais próxima dos átrios do que das derivações superficiais; ela é uma opção quando não há certeza da existência de ondas P no registro padrão e quando é importante a detecção de atividade elétrica atrial, como quando a origem atrial ou ventricular da taquicardia complexa ampla precisa ser diferenciada ou quando há suspeita de dissociação atrioventricular. Também se pode usar a derivação esofágica para monitorar isquemia miocárdica intraoperatória ou para detectar atividade atrial durante a cardioplegia. A derivação é posicionada solicitando ao paciente que engula um eletrodo que é então conectado ao aparelho convencional de ECG, geralmente em D2.
Nivelador de sinal
A média do sinal das ondas do QRS cria uma combinação digital de várias centenas de ciclos cardíacos para detectar microcorrentes e potenciais de baixa amplitude e alta frequência na porção terminal do complexo QRS. Estes achados representam áreas de condução lenta através do miocárdio anormal, indicando maior risco de taquicardia ventricular reentrante.
ECG de sinal médio continua a ser predominantemente uma técnica de pesquisa, mas é às vezes usada para avaliar o risco de morte cardíaca súbita (p. ex., em pacientes com doença cardíaca significativa conhecida). Ela parece mais útil para identificar pacientes com baixo risco de morte súbita. Seu valor para identificar pacientes com alto risco de morte súbita ainda não foi estabelecido.
A média de sinal também está sendo investigada em várias outras doenças cardíacas, variando do estado pós-infarto do miocárdio e miocardiopatias à síndrome de Brugada e aneurismas ventriculares, e para avaliar a eficácia da cirurgia a fim corrigir arritmias. Essa técnica também pode ser útil para avaliar os efeitos pró-arrítmicos de fármacos antiarrítmicos e detectar a rejeição de transplantes cardíacos.
A promediação dos sinais da onda P está sendo estudada como uma maneira de identificar pacientes com risco de fibrilação atrial.
Monitoramento contínuo do segmento ST
Este tipo de monitoramento é utilizado para detecção precoce de isquemia e arritmia graves. O monitoramento pode ser automatizado (existem unidades específicas de monitoramento eletrônico) ou usando ECG seriados. As aplicações envolvem o monitoramento de pacientes com angina instável no setor de emergência, avaliação após intervenção percutânea, monitoramento intraoperatório e cuidados pós-operatórios.
Dispersão do QT
A dispersão do QT (diferença entre os intervalos Q-T mais longo e mais curto do ECG de 12 derivações) foi proposta como uma medida da heterogeneidade da repolarização miocárdica. O aumento da dispersão (≥ 100 milissegundos) sugere a existência de miocárdio eletricamente heterogêneo decorrente de isquemia ou fibrose, com risco elevado de arritmias reentrantes e morte súbita. A dispersão do QT prediz a taxa de mortalidade, mas não é amplamente utilizada porque os erros de medida são comuns, os valores em pacientes com e sem doença sobrepõem-se substancialmente, não há padrões de referência e existem outros fatores de risco preditivos já validados.
Variabilidade da frequência cardíaca
Esta medida reflete o equilíbrio entre estimulações simpática e parassimpática (vagal) do coração. A diminuição da variabilidade sugere a redução da estimulação vagal e o aumento da estimulação simpática, o que prediz aumento do risco de arritmias e mortalidade. A medida mais comum da variabilidade é a média dos desvios padrão de todos os intervalos R-R normais em um registro eletrocardiográfico de 24 horas.
A variabilidade da frequência cardíaca é utilizada principalmente em pesquisa, mas evidências sugerem que é capaz de dar informações úteis sobre disfunção ventricular esquerda após infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e miocardiopatia hipertrófica. A maioria dos monitores de Holter tem suporte de programação para avaliação e análise da variabilidade da frequência cardíaca.
Monitoramento com Holter
Monitoramento com Holter é o monitoramento e registro contínuos da ECG por 24 ou 48 horas. É útil para avaliação de arritmias intermitentes e, secundariamente, para detecção de hipertensão. O monitor Holter é portátil, permitindo que os pacientes participem das atividades diárias normais; também pode ser usado para pacientes hospitalizados sedentários se o monitoramento automatizado não estiver disponível. Solicita-se aos pacientes que registrem os sintomas e as atividades para que possam ser correlacionados com os eventos do monitor. O monitor de Holter não analisa automaticamente os dados do ECG, de maneira que um médico deve fazer isso posteriormente.
Gravador de eventos
Os gravadores de eventos são usados por até 30 dias e podem detectar alterações de ritmo infrequentes que o monitoramento com Holter de 24 horas pode deixar de registrar. O gravador pode operar continuamente e também pode ser ativado pelo paciente quando os sintomas ocorrem. Um circuito da memória permite o armazenamento da informação por segundos ou minutos, antes e depois da ativação. O paciente pode transmitir os dados do ECG por satélite para que possam ser analisados por um médico; alguns gravadores transmitem automaticamente os eventos graves. Se o paciente desenvolver eventos graves (p. ex., síncope) a intervalos > 30 dias, o gravador de eventos pode ser inserido de maneira subcutânea (gravador de eventos implantável); ele pode ser ativado por um pequeno ímã. A duração da bateria dos gravadores subcutâneos é de vários anos.
Monitor adesivo sem fio
Uma nova opção para monitorar o ritmo de um canal único é um pequeno dispositivo adesivo sem fio e descartável resistente à água usado no peito. Um dos tipos desse dispositivo registra continuamente os ritmos cardíacos por até 2 semanas. Outro dispositivo semelhante funciona como um gravador de eventos; um paciente pressiona um botão no dispositivo ao experimentar qualquer sintoma que possa estar relacionado com arritmia (p. ex., palpitação, tonturas) para gravar os dados armazenados do ECG 45 segundos antes do evento, mais 15 segundos após o evento. Entretanto, diferentemente dos gravadores de eventos, relatórios automatizados em tempo real não estão disponíveis.