Manifestações neuropsiquiátricas relacionadas à covid

PorJuebin Huang, MD, PhD, Department of Neurology, University of Mississippi Medical Center
Reviewed ByMichael C. Levin, MD, College of Medicine, University of Saskatchewan
Revisado/Corrigido: modificado set. 2025
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Visão Educação para o paciente

A covid-19 é primordialmente uma síndrome respiratória aguda, mas também pode causar disfunção em múltiplos órgãos e sistemas corporais, incluindo o encéfalo e o sistema nervoso periférico.

Pode-se classificar a covid-19 como

  • Covid-19 aguda: as primeiras 4 semanas após o início da doença

  • Covid-19 subaguda: sintomas e anormalidades presentes entre 4 e 12 semanas após o início da covid-19 aguda

  • Covid-19 crônica (pós- covid-19): sintomas e anormalidades que persistem ≥ 12 semanas após o início da covid-19 aguda e não são explicados por um diagnóstico alternativo

Covid longa é um termo comumente utilizado e amplamente definido como sintomas, sinais e condições que continuam ou se desenvolvem ≥ 4 semanas após a fase inicial, geralmente leve, da infecção.

Manifestações neurológicas e neuropsiquiátricas da covid-19 foram amplamente relatadas e podem ocorrer durante a fase aguda e/ou durante o período de recuperação, que pode ser prolongado.

Fisiopatologia das manifestações neuropsiquiátricas relacionadas à covid

Fase aguda

SARS-CoV-2, o coronavírus que causa a covid-19, invade os bulbos olfatórios. Essa invasão pode ser a causa das alterações no olfato e no paladar; entretanto, não está claro se o vírus infecta diretamente outras partes do sistema nervoso central (SNC).

As manifestações neuropsiquiátricas da covid-19 podem ser um fenômeno secundário em vez de resultado de infecção encefálica direta; os possíveis mecanismos incluem

  • Encefalopatia secundária a fatores comuns em doenças graves e a complicações que ocorrem durante o tratamento intensivo (p. ex., hipóxia, anormalidades eletrolíticas, disfunção hepática e renal)

  • Reação imune e autoimunidade induzidas pelo vírus

  • Possivelmente certas complicações específicas à covid, como lesão vascular endotelial, estado hiperinflamatório e/ou coagulopatia

A covid-19 aguda grave muitas vezes causa hipoxemia sistêmica e, às vezes, encefalopatia hipóxica, que tem inúmeras manifestações e sequelas neuropsiquiátricas bem conhecidas, incluindo déficits de cognição e memória, alterações de personalidade e comprometimento motor. Algumas vezes a encefalopatia residual persiste e, às vezes, as manifestações nunca desaparecem completamente.

Independentemente da causa, a doença crítica coloca os pacientes em risco de complicações neuropsiquiátricas, incluindo delirium e agitação. O risco é maior particularmente em pacientes idosos que estão em uma unidade de terapia intensiva (UTI) e que têm doença cerebrovascular, insuficiência cardíaca ou hipertensão subjacente. O risco decorre de fatores comuns à doença crítica e do tratamento na UTI em vez de fatores específicos à doença, incluindo a covid-19. Esses fatores incluem hipoperfusão sistêmica, uso prolongado de sedativos e outros fármacos, interrupção do ritmo circadiano e ciclos de sono-vigília, distúrbios metabólicos (p. ex., anormalidades eletrolíticas) e sepse. Quando removidos de seu ambiente típico e sem o apoio da família e amigos, pacientes idosos, com ou sem demência evidente, são particularmente vulneráveis.

Reação imune e autoimunidade induzidas por vírus também podem influenciar na patogênese da covid-19. Muitos pacientes com covid-19 grave apresentam um estado hiperinflamatório, com aumento de citocinas pró-inflamatórias (tempestade de citocinas). A imitação molecular, na qual um antígeno estranho pode lembrar um autoantígeno, pode desencadear a reação autoimune, um mecanismo potencial para complicações neuropsiquiátricas associadas à covid-19.

As complicações específicas da covid-19 podem estar relacionadas com vários fatores, incluindo:

  • Interação entre os receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-II) e a SARS-CoV-2: a SARS-CoV-2 entra nas células por meio dessa interação; é possível que essa interação danifique as células endoteliais vasculares, levando a problemas microvasculares que podem afetar o encéfalo. Os receptores da ECA-II estão também disseminados nos neurônios periféricos e no SNC.

  • Alterações no parênquima e vasos encefálicos pela SARS-CoV-2: essas alterações podem danificar a barreira hematencefálica e a barreira sangue-líquido cefalorraquidiano, resultando em inflamação dos neurônios, das células de suporte e da vasculatura do encéfalo.

  • Um estado inflamatório grave e generalizado que afeta múltiplos órgãos, incluindo o encéfalo: esse estado muitas vezes resulta da covid-19 grave.

  • Efeitos trombogênicos da covid-19: esses efeitos podem levar à trombose da vasculatura cerebral e causar acidente vascular cerebral isquêmico agudo.

Fase crônica

Após a recuperação da doença aguda, alguns pacientes relatam uma ampla variedade de sintomas neuropsiquiátricos que persistem ou se manifestam inicialmente meses depois da infecção inicial (1). Problemas de pensamento, memória e concentração (o chamado nevoeiro cerebral) após doença crítica em pacientes com covid-19 podem resultar de hipóxia, descondicionamento ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Mas também relatou-se nevoeiro cerebral após covid-19 leve, sugerindo que outros fatores também podem contribuir (2).

Pacientes com covid-19 prévia também apresentam maior risco de demência, incluindo doença de Alzheimer (3). A neuroinflamação induzida pelo SARS-CoV-2 pode provocar a ativação microglial, prejudicar a neurogênese e levar à perda de oligodendrócitos e morte neuronal. Níveis de beta-amiloide no LCR, cadeia leve de neurofilamento, neurogranina, proteína ácida fibrilar glial e tau apresentam-se alterados em pacientes após covid-19 (4).

Referências sobre fisiopatologia

  1. 1. Gonzalez‑Fernandez E and Huang J. Cognitive Aspects of COVID‑19. Curr Neurol Neurosci Rep. 2023;23(9):531–538. doi:10.1007/s11910-023-01286-y

  2. 2. Graham EL, Clark JR, Orban ZS, et al. Persistent neurologic symptoms and cognitive dysfunction in non-hospitalized Covid-19 “long haulers.” Ann Clin Transl Neurol. 2021;8(5):1073–1085. doi: 10.1002/acn3.51350

  3. 3. Ocampo FF, Holroyd KB. Updates on the neurological manifestations of SARS-CoV-2 infection. Curr Opin Infect Dis. 2025;38(3):234-241. doi:10.1097/QCO.0000000000001110

  4. 4. Maliha ST, Fatemi R, Araf Y. COVID-19 and the brain: understanding the pathogenesis and consequences of neurological damage. Mol Biol Rep. 2024;51(1):318. Publicado em 2024 Fev 22. doi:10.1007/s11033-024-09279-x

Sinais e sintomas de manifestações neuropsiquiátricas relacionadas à covid

Manifestações neurológicas foram relatadas em cerca de 80% dos pacientes hospitalizados com covid-19 durante a pandemia (1). Um grande estudo de coorte retrospectivo relatou uma incidência substancial de morbidade neurológica e psiquiátrica durante os 6 meses após a hospitalização por covid-19, especialmente em pacientes com doença grave (2). A desregulação autonômica (disautonomia, como a hipotensão ortostática postural) também pode se desenvolver na covid-19, mais comumente na fase crônica.

Sintomas neuropsiquiátricos agudos

As complicações neurológicas agudas da covid-19 podem se manifestar com sintomas neurológicos inespecíficos como cefaleia, tontura, mialgia e fadiga. Sintomas mais específicos da covid-19 incluem perda do olfato (anosmia) e paladar (ageusia). Em pacientes criticamente enfermos, o delirium é comum, causando flutuações na atenção, na cognição e no nível de consciência; agitação ou sonolência podem predominar.

Complicações neurológicas raras, mas mais graves, da covid-19 podem incluir AVC isquêmico agudo, hemorragia intracraniana, meningite, encefalite e convulsões. Relataram-se distúrbios neuromusculares como a síndrome de Guillain-Barré (SGB), mas a incidência geral de SGB durante a pandemia da COVID-19 parece ter sido igual à taxa basal. Entretanto, o número de outras infecções que poderiam ter desencadeado essas doenças (p. ex., influenza) diminuiu durante a pandemia, de modo que a covid-19 pode ter aumentado o risco mais do que outras infecções.

Complicações mais graves da covid-19 aguda, como acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico, lesão hipóxica-anóxica, síndrome da leucoencefalopatia posterior reversível (SEPR) e mielite aguda disseminada, podem levar a déficits neurológicos permanentes ou persistentes que exigem reabilitação extensa (1). (A SEPR é uma síndrome clínico-radiológica aguda ou subaguda caracterizada por sintomas neurológicos variados, incluindo cefaleia, estado mental alterado, convulsões e distúrbios visuais e por um padrão distinto de alteração de sinal na área parieto-occipital que reflete edema vasogênico [mostrado na RM].) Além disso, a miopatia por doença aguda crítica e neuropatias periféricas resultantes da covid-19 aguda ou do uso de bloqueadores neuromusculares podem causar sintomas residuais que persistem por semanas a meses.

Pós-recuperação e sintomas neuropsiquiátricos crônicos

Durante a recuperação e como parte da síndrome pós-covid (também chamada de covid longa), alguns pacientes apresentam sintomas neuropsiquiátricos persistentes, incluindo mal-estar crônico, mialgia difusa e sono não reparador (3).

O comprometimento cognitivo ocorre com ou sem flutuações, incluindo nevoeiro cerebral, que pode se manifestar como problemas de concentração, memória, linguagem receptiva e/ou função executiva. Esses sintomas neurológicos e cognitivos são as principais características da covid longa e muitas vezes afetam significativamente as atividades da vida diária.

Cefaleias semelhantes a enxaqueca (muitas vezes refratárias aos analgésicos tradicionais), dormência e formigamento também são comuns. A perda do paladar e do olfato pode persistir após a resolução de outros sintomas.

Os sintomas dos transtornos de humor, principalmente ansiedade e depressão, são comuns e são mais prováveis em pacientes que se recuperam da covid-19 do que naqueles que se recuperam de infecções por influenza ou outras infecções graves do trato respiratório (2).

Os pacientes também têm maior risco de transtorno de estresse pós-traumático, com memórias recorrentes e intrusivas repetindo o evento e, muitas vezes, pesadelos; quando presente, o transtorno de estresse pós-traumático complica o diagnóstico de qualquer transtorno de humor e ansiedade coexistente (4).

Em uma revisão sistemática e metanálise, a prevalência combinada de sintomas neuropsiquiátricos persistentes em pacientes com covid-19 longa foi (5):

  • Distúrbios do sono: 27,4%

  • Fadiga: 24,4%

  • Comprometimento cognitivo objetivo: 20,2%

  • Ansiedade, 19,1%

  • TEPT: 15,7%

  • Comprometimento cognitivo subjetivo: 15,3%

  • Depressão: 12,9%

  • Disosmia: 11,4%

  • Disgeusia: 7,4%

  • Dor de cabeça: 6,6%

  • Distúrbios sensório-motores: 5,5%

  • Tontura: 2,9%

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Liotta EM, Batra A, Clark JR, et al. Frequent neurologic manifestations and encephalopathy-associated morbidity in Covid-19 patients. Ann Clin Transl Neurol.  2020;7(11):2221-2230. doi:10.1002/acn3.51210

  2. 2. Taquet M, Geddes JR, Husain M, et al. 6-Month neurological and psychiatric outcomes in 236379 survivors of COVID-19: A retrospective cohort study using electronic health records. Lancet Psychiatry. 2021;8(5):416-427. doi:10.1016/S2215-0366(21)00084-5

  3. 3. Graham EL, Clark JR, Orban ZS, et al. Persistent neurologic symptoms and cognitive dysfunction in non-hospitalized Covid-19 “long haulers.” Ann Clin Transl Neurol.  2021;8(5):1073-1085. doi:10.1002/acn3.51350

  4. 4. Kubota T, Kuroda N, Sone D. Neuropsychiatric aspects of long COVID: A comprehensive review. Psychiatry Clin Neurosci. 2023;77(2):84-93. doi:10.1111/pcn.13508

  5. 5. Badenoch JB, Rengasamy ER, Watson C et al. Persistent neuropsychiatric symptoms after COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Brain Commun. 2021;4(1):fcab297. Publicado em 2021 Dez 17. doi:10.1093/braincomms/fcab297

Diagnóstico das manifestações neuropsiquiátricas relacionadas com a covid

  • Avaliação clínica

  • Testes para outras doenças causadoras

Indica-se RM do encéfalo se os pacientes têm déficits neurológicos focais.

Se os pacientes têm sintomas neuropsiquiátricos durante ou após covid aguda, deve-se realizar RM do encéfalo e exames laboratoriais apropriados para excluir diagnósticos alternativos (p. ex., distúrbios metabólicos, infecções e distúrbios estruturais do SNC, transtornos psiquiátricos).

Os critérios para o diagnóstico de transtornos de humor específicos (p. ex., transtorno depressivo maior) e transtornos de ansiedade em pacientes com covid são os mesmos que para outras pessoas. Se os pacientes têm comprometimento cognitivo após covid aguda, testes neuropsicológicos podem ajudar a definir déficits cognitivos e medir sua gravidade. Deve-se utilizar ferramentas de triagem padrão para identificar pacientes com ansiedade, depressão, distúrbios do sono, transtorno de estresse pós-traumático, disautonomia e fadiga.

Tratamento das manifestações neuropsiquiátricas relacionadas à covid

  • Cuidados de suporte

  • Às vezes, antidepressivos

Para a maioria das sequelas neuropsiquiátricas da covid-19, o tratamento de suporte é a principal intervenção. Uma abordagem multidisciplinar abrangente que visa o tratamento ideal de comorbidades em pacientes com covid longa é importante.

Embora os dados sejam limitados, o tratamento da depressão relacionada à pós-covid-19 com um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) pode ser eficaz (1, 2). Como os ISRSs e os inibidores da recaptação da serotonina-noradrenalina (IRSNs) têm propriedades anti-inflamatórias, supõe-se que esses medicamentos possam melhorar o estado inflamatório associado à covid-19, bem como o transtorno depressivo concomitante.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Mazza MG, Palladini M, Poletti S, Benedetti F. Post-COVID-19 Depressive Symptoms: Epidemiology, Pathophysiology, and Pharmacological Treatment. CNS Drugs. 2022;36(7):681-702. doi:10.1007/s40263-022-00931-3

  2. 2. Mazza MG, Zanardi R, Palladini M, Rovere-Querini P, Benedetti F. Rapid response to selective serotonin reuptake inhibitors in post-COVID depression. Eur Neuropsychopharmacol. 2022;54:1-6. doi:10.1016/j.euroneuro.2021.09.009

Prognóstico para manifestações neuropsiquiátricas relacionadas com a covid

A duração e o grau de recuperação das sequelas neuropsiquiátricas da covid-19 são desconhecidos. São necessários estudos prospectivos com acompanhamento mais longo.

Pontos-chave

  • Pacientes hospitalizados com covid-19 são propensos a ter sintomas neuropsiquiátricos durante a fase aguda e o período de recuperação.

  • Durante a fase aguda da covid-19, pacientes criticamente enfermos podem ter delirium e agitação ou sonolência.

  • Após a recuperação do covid-19, muitos pacientes relatam sintomas neuropsiquiátricos persistentes (covid longa); esses sintomas podem incluir distúrbios do sono, fadiga, memória e cognição prejudicadas, cefaleia, dormência e parestesia ou anosmia.

  • Testes neuropsicológicos podem ser úteis para definir déficits cognitivos e medir sua gravidade.

  • Em pacientes com sintomas neuropsiquiátricos agudos ou que se recuperaram da covid-19, excluir diagnósticos alternativos com exames de imagem e laboratoriais apropriados.

  • Tratar os pacientes com tratamento de suporte e antidepressivos, conforme necessário, e utilizar uma abordagem abrangente e multidisciplinar para tratar as condições comórbidas em pacientes com covid longa. 

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