A dor escrotal pode ocorrer em homens de qualquer idade, desde recém-nascidos até idosos.
Etiologia
As causas mais comuns de dor escrotal incluem
Há algumas causas menos comuns (ver tabela Algumas causas de dor escrotal). A idade, o início dos sintomas e outros achados podem auxiliar a determinar a causa.
Algumas causas de dor escrotal
Causa |
Achados sugestivos |
Abordagem diagnóstica |
Início súbito de dor constante, grave e unilateral Ausência de reflexo cremastérico Testículo assimétrico, orientado em sentido transverso, em posição alta no lado afetado Ocorre tipicamente em neonatos e meninos pós-púberes, mas pode ocorrer em adultos |
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Torção de apêndice testicular (estrutura vesicular não pediculada ligada ao polo cefálico do testículo) |
Início subagudo da dor ao longo de vários dias Dor no polo superior do testículo Reflexo cremastérico presente Possivelmente hidrocele reativa, sinal do ponto azul (mancha azul ou escura sob a pele na parte superior do testículo ou epidídimo) Ocorre tipicamente em meninos de 7–14 anos de idade |
Ultrassonografia com Doppler colorido |
Epididimite ou orquiepididimite geralmente infecciosa, por organismos Gram-negativos em meninos pré-púberes ou homens mais velhos ou em homens sexualmente ativos, com doenças sexualmente transmissíveis Pode ser não infecciosa, resultante de refluxo de urina para os ductos ejaculadores |
Início agudo ou subagudo da dor no epidídimo e, algumas vezes, também do testículo Possivelmente frequência urinária, disúria, retenção ou esforço recente Reflexo cremastérico presente Geralmente endurecimento na bolsa escrotal, edema e eritema Algumas vezes corrimento uretral Ocorre tipicamente em meninos pós-púberes e homens |
Exame de urina e cultura de urina Testes de amplificação do DNA para Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis |
Pós-vasectomia, aguda e crônica (síndrome da dor pós-vasectomia) |
História de vasectomia Dor durante a relação sexual, ejaculação ou ambas Dor durante o esforço físico Epidídimo engurgitado ou doloroso |
Avaliação clínica |
Trauma |
História evidente de trauma dos genitais Geralmente edema, possível hematoma intratesticular ou hematocele |
Ultrassonografia com Doppler colorido |
Hérnia inguinal (estrangulada) |
História de edema indolor de longa data (geralmente diagnóstico conhecido de hérnia) com dor aguda ou subaguda Massa escrotal geralmente grande, compressível, possivelmente com ruídos hidroaéreos audíveis Não redutível |
Avaliação clínica |
Vasculite associada à imunoglobulina A (púrpura de Henoch-Schönlein) |
Púrpura palpável (tipicamente dos membros inferiores e região glútea), artralgia, artrite, dor abdominal, doença renal Ocorre tipicamente em meninos com 3–15 anos de idade |
Avaliação clínica Algumas vezes, biópsia de lesões de pele |
Febre, perda ponderal, dor abdominal, hipertensão, edema Lesões cutâneas incluindo púrpura palpável e nódulos subcutâneos Pode ser aguda ou crônica Pode causar isquemia testicular e infarto Mais comum em homens entre 40 e 50 anos de idade |
Algumas vezes, biópsia do órgão afetado |
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Dor referida (aneurisma de aorta abdominal, urolitíase, pinçamento de raiz nervosa lombar inferior ou sacral, apendicite retrocecal, tumor retroperitoneal, dor pós-herniorrafia) |
Exame normal do escroto Algumas vezes, dolorimento abdominal dependendo da causa |
Dirigida pelos achados do exame e causa suspeita |
Orquite (geralmente viral — p. ex., infecção por caxumba, rubéola, vírus coxsackie, ecovírus ou parvovírus) |
Dores abdominal e escrotal, náuseas, febre Edema unilateral ou bilateral, eritema de bolsa escrotal |
Títulos virais agudos e convalescentes |
Gangrena de Fournier (fasciite necrosante do períneo) |
Dor grave, febre, aspecto toxemiado, eritema, lesões bolhosas ou necróticas Algumas vezes, enfisema subcutâneo palpável Algumas vezes, história de cirurgia abdominal recente Mais comum em homens mais velhos com diabetes, doença vascular periférica ou ambos |
Avaliação clínica |
Avaliação
Imediata avaliação, diagnóstico e tratamento são necessários porque a torção testicular não tratada pode causar a perda de um testículo.
História
História da doença atual deve determinar localização (unilateral ou bilateral), início (aguda ou subaguda) e duração da dor. Sintomas importantes associados incluem febre, disúria, corrimento uretral e presença de massa escrotal. Deve-se solicitar ao paciente que indique os eventos predecessores, incluindo lesão, esforço ou retenção, além de contato sexual.
Revisão dos sistemas deve-se buscar sinais e sintomas das doenças subjacentes, como: exantema purpúrico, dor abdominal e artralgia [vasculite associada à imunoglobulina A (púrpura de Henoch-Schönlein)]; massas escrotais intermitentes, edema na região inguinal ou ambos (hérnia inguinal); febre e edema de parótida (orquite por caxumba); e dor no flanco e hematúria (litíase renal).
A história clínica deve identificar doenças conhecidas que possam causar dor referida, incluindo hérnias, aneurisma de aorta abdominal, cálculos renais e fatores de risco de doenças graves, incluindo diabetes e doença vascular periférica (gangrena de Fournier).
Exame físico
O exame físico inicia-se com a revisão dos sinais vitais e a avaliação do grau da dor. O exame é dirigido ao abdome, à região inguinal e aos genitais.
Examina-se o abdome quanto à presença de dolorimentos e massas (incluindo distensão vesical). Os flancos são percutidos no ângulo costovertebral quanto à presença de dor.
Os exames inguinal e genital devem ser realizados com o paciente deitado e em pé. A região inguinal é inspecionada e palpada para avaliar adenopatia, edema ou eritema. O exame do pênis busca a presença de úlceras, corrimento uretral e piercings ou tatuagens (fontes de infecção bacteriana). O exame da bolsa escrotal deve observar assimetria, edema, eritema ou pigmentação, além da posição dos testículos (horizontal ou vertical, alta ou baixa). O reflexo cremastérico deve ser testado bilateralmente. Os testículos, epidídimos e cordões espermáticos devem ser palpados para avaliar edema ou dor à palpação. Se houver edema, a área deve ser transiluminada para auxiliar a detectar se o aumento é cístico ou sólido.
Sinais de alerta
Os achados a seguir são particularmente preocupantes:
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Início súbido de dor; dolorimento atípico; posição alta e horizontalizada do testículo (torção de testículo)
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Massa inguinal ou escrotal não redutível com dor grave, vômitos e constipação intestinal (hérnia encarcerada)
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Eritema escrotal ou perineal, lesões bolhosas ou necróticas da pele e aparência tóxica (gangrena de Fournier)
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Início súbito de dor, hipotensão, pulso fraco, palidez, tontura e confusão (ruptura de aneurisma de aorta abdominal)
Interpretação dos achados
Devem-se distinguir as causas que necessitam de tratamento imediato das outras. Os achados clínicos fornecem pistas importantes (ver tabela Algumas causas de dor escrotal).
As roturas aórticas e a gangrena de Fournier ocorrem primariamente em pacientes > 50 anos de idade; as outras condições que exigem tratamento imediato podem ocorrer em qualquer idade. Entretanto, a torção de testículo é a causa mais comum em neonatos e meninos pós-púberes; a torção de apêndice testicular é mais comum em meninos pré-púberes (7 a 14 anos); a epididimite é mais comum em adolescentes e adultos.
Dor intensa de início abrupto sugere torção de testículo ou cálculo renal. Dor da epididimite, hérnia encarcerada ou apendicite tem início mais gradual. Os pacientes com torção de apêndice testicular apresentam dor moderada, que se desenvolve ao longo de alguns dias; a dor é localizada no polo superior. Dor bilateral sugere infecção (p. ex., orquite, particularmente se acompanhada de febre e sintomas virais) ou causa referida. Dor no flanco que se irradia para o escroto sugere cálculo renal ou, em homens > 55 anos, aneurisma de aorta abdominal.
Achados normais no exame do escroto e períneo sugerem dor referida. Deve-se, então, dirigir a atenção para causas extraescrotais, particularmente, apendicite, cálculos renais e, em homens > 55 anos, aneurisma de aorta abdominal.
Exame escrotal ou perineal anormal geralmente sugere uma causa. Algumas vezes, no início da epididimite, pode-se sentir dolorimento e endurecimento localizados no epidídimo; no início do episódio de torção, pode-se verificar a horizontalização do testículo e o epidídimo não muito doloroso. Entretanto, frequentemente, o testículo e o epidímo estão inchados e dolorosos; observa-se edema escrotal e não é possível diferenciar epididimite de torção pela palpação. Entretanto, o reflexo cremastérico está ausente na torção, assim como achados de doenças sexualmente transmitidas (p. ex., corrimento uretral); a presença de ambos os achados sugere epididimite.
Algumas vezes, pode-se palpar uma massa escrotal por hérnia no canal inguinal; em outros casos, pode ser difícil diferenciar a hérnia do edema de testículo.
Eritema doloroso do escroto sem dolorimento dos testículos ou epidídimos deve levantar a hipótese de infecção, tanto celulite como gangrena de Fournier, na fase inicial.
Exantema vasculítica, dor abdominal e artralgias são consistentes com síndrome sistêmica de vasculite como vasculite associada à imunoglobulina A ou poliarterite nodosa.
Exames
São tipicamente realizados.
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Exame de urina e cultura (para todos os pacientes)
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Exames para doenças sexualmente transmissíveis (para todos os pacientes com exame de urina positivo, corrimento ou disúria)
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Ultrassonografia com Doppler colorido para descartar torção (sem causa clara alternativa)
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Outros exames de acordo com os achados (ver tabela Algumas causas de dor escrotal)
O exame de urina e cultura sempre são realizados. Os achados de infecção do trato urinário (ITU — p. ex., piúria, bacteriúria) sugerem epididimite. Pacientes com achados que sugerem ITU e pacientes com corrimento uretral e disúria devem ser submetidos a exames para DST, assim como para outras causas bacterianas de ITU.
O tempo é crucial para o diagnóstico de torção de testículo. Se os achados forem altamente sugestivos, deve-se indicar exploração cirúrgica imediata, ao invés de exames subsidiários. Se os achados forem equivocados e não existirem alternativas de diagnóstico evidentes de dor escrotal aguda, realiza-se ultrassonografia com Doppler colorido. Caso não se disponha da ultrassonografia com Doppler colorido, pode-se realizar mapeamento com radioisótopos, mas ele é menos sensível e específico.
Tratamento
O tratamento é dirigido à causa e pode variar desde cirurgia de emergência (torção de testículo) até repouso no leito (torção de apêndice testicular). Caso haja torção de testículo, geralmente recomenda-se cirurgia imediata (< 12 horas após apresentação). O retardo na realização da cirurgia pode levar ao infarto do testículo, à lesão do testículo a longo prazo ou à perda do testículo. A cirurgia alivia imediatamente a dor e a orquipexia bilateral simultânea previne a recidiva da torção.
Analgésicos como morfina e outros opioides são indicados para alívio da dor aguda. São indicados antibióticos para casos de epididimite ou orquite bacteriana.
Fundamentos de geriatria
A torção de testículo é incomum em homens mais velhos e, quando presente, as manifestações são atípicas; portanto, o diagnóstico é tardio. Epididimite, orquite e trauma são mais comuns em homens mais velhos. Ocasionalmente, hérnia inguinal, perfuração do cólon ou cólica renal podem causar dor escrotal em homens idosos.
Pontos-chave
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Sempre considerar torção de testículo em pacientes com dor escrotal aguda, particularmente crianças e adolescentes; é essencial um diagnóstico rápido e preciso.
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Outras causas comuns de dor escrotal incluem torção de apêndice testicular e epididimite.
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A ultrassonografia com Doppler colorido geralmente é realizada quando o diagnóstico é incerto.
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Achados normais no exame do escroto e períneo sugerem dor referida.