Hesitação vacinal

PorMichael J. Smith, MD, MSCE, Duke University School of Medicine
Revisado/Corrigido: jul 2023
Visão Educação para o paciente

Apesar dos rigorosos sistemas de segurança de vacinas em vigor nos Estados Unidos, alguns pais continuam preocupados com a segurança do uso e do cronograma das vacinas em crianças. Essas preocupações levaram alguns pais a não permitir que seus filhos recebam algumas ou todas as vacinas recomendadas. Nos Estados Unidos, a taxa de isenção de vacinas aumentou de 1% em 2006 para 2% em 2016 a 2017. Durante o ano letivo de 2021–2022, esse número aumentou para 2,6% do total, com um estado relatando 10% das crianças no jardim de infância com uma isenção vacinal (1). Estudos anteriores mostraram que as taxas de doenças evitáveis por vacina são mais altas em crianças cujos pais recusaram uma ou mais vacinas por razões não médicas. Durante um surto de sarampo em Ohio de novembro de 2022 a fevereiro de 2023, 85 crianças foram infectadas, 80 das quais não haviam sido vacinadas (2).

A decisão de adiar ou recusar as vacinas afeta a saúde pública. Quando a proporção da população geral que é imune a uma doença (imunidade de rebanho) diminui, a prevalência dessa doença é maior, aumentando a possibilidade da doença em pessoas em risco. As pessoas podem estar em risco porque

  • Foram previamente vacinadas, mas a vacina não induziu à imunidade (p. ex., 2 a 5% dos receptores não respondem à primeira dose da vacina contra o sarampo).

  • A imunidade pode diminuir ao longo do tempo (p. ex., para idosos).

  • Eles (isto é, alguns pacientes imunocomprometidos) não podem receber vacinas com vírus vivo (p. ex., sarampo, caxumba e rubeola, varicela) e dependem da imunidade de rebanho para proteção contra essas doenças.

As conversas com pais relutantes normalmente requerem que sejam feitas perguntas sobre preocupações específicas e que sejam dadas explicações sobre os riscos e benefícios das vacinas e as evidências de suporte, utilizando linguagem simples. Essas conversas fornecem oportunidades para esclarecer equívocos e envolver-se na tomada de decisão compartilhada (3). Particularmente, os médicos devem certificar-se de que os pais dos pacientes estão cientes dos possíveis efeitos graves (inclusive morte) das doenças infantis preveníveis pela vacinação como sarampo e coqueluche. Recursos para essas discussões incluem dos documentos dos CDC Talking with Parents about Vaccines for Infants e Parents' Guide to Childhood Immunizations.

Referências gerais

  1. 1. Seither R, Calhoun K, Yusuf OB, et al: Vaccination coverage with selected vaccines and exemption rates among children in kindergarten - United States, 2021-22 school year. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 72(2):26-32, 2023. doi:10.15585/mmwr.mm7202a2

  2. 2. Ohio Disease Reporting System (ODRS): Measles Public Report. Accessed June 28, 2023.

  3. 3. Edwards KM, Hackell JM, Committee on Infectious Diseases, Committee on Practices and Ambulatory Medicine: Countering vaccine hesitancy. Pediatrics 138(3):e20162146, 2016. doi: 10.1542/peds.2016-2146

Vacinas contra a covid-19

A pandemia da covid-19 trouxe de volta à discussão sobre a hesitação vacinal. A primeira vacina contra covid-19 recebeu a Autorização para Uso Emergencial (AUE) da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos em dezembro de 2020. Desde então, mais de 270 milhões de americanos receberam pelo menos uma dose da vacina contra covid, mas muitos adultos jovens e crianças não foram vacinados (ver CDC: COVID-19 Vaccinations in the United States). Eventos adversos graves associados à vacinação contra a covid-19 ocorrem, mas são extremamente raros. Por exemplo, as vacinas de mRNA, a vacina BNT162b2 para covid-19 (mRNA) produzida pela Pfizer-BioNTech e a vacina mRNA-1273 para covid-19 (mRNA) produzida pela Moderna foram associadas a miocardite e pericardite. Embora graves, esses eventos são extremamente raros em comparação com a infecção por covid-19 e suas complicações. Semelhantemente a outras doenças evitáveis por vacina, as hospitalizações e mortes por covid-19 são muito mais comuns em pessoas não vacinadas.

Alguns pais acham que a infecção por covid-19 não é perigosa para crianças, mas isso não é verídico. Embora a infecção por covid-19 seja tipicamente mais leve em crianças do que em adultos, pode causar morbidade e mortalidade significativas. Em maio de 2023, mais de 15 milhões de crianças nos Estados Unidos tiveram resultados positivos para covid-19 desde o início da pandemia (1), resultando em 1.839 mortes. Além disso, a covid-19 pode levar a síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C), uma condição rara, mas grave, diagnosticada em quase 10.000 crianças, resultando em 79 mortes até 31 de maio de 2023 (2). Como nos adultos, a hospitalização é mais frequente em adolescentes não vacinados do que em vacinados (3). Além disso, crianças e adolescentes são suscetíveis à covid longa, e pesquisas sugerem que pessoas que contraem covid-19 após a vacinação têm menor probabilidade de relatar covid longa, em comparação com pessoas que não foram vacinadas (ver CDC: Long COVID or Post-COVID Conditions).

Referências sobre as vacinas contra a covid-19

  1. 1. American Academy of Pediatrics and the Children’s Hospital Association: Children and COVID-19: State-level data report. Accessed June 23, 2023.

  2. 2. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Health department-reported cases of multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) in the United States. Accessed June 23, 2023.

  3. 3. Delahoy MJ, Ujamaa D, Whitaker M, et al: Hospitalizations associated with COVID-19 among children and adolescents—COVID-NET, 14 States, March 1, 2020–August 14, 2021. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 70(36):1255–1260, 2021. doi: 10.15585/mmwr.mm7036e2

Vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (SCR)

Em 1998, Wakefield e colaboradores publicaram um breve relatório na revista The Lancet em que postularam uma ligação entre o vírus do sarampo na vacina SCR e autismo e recebeu atenção significativa da mídia em todo o mundo; muitos pais começaram a duvidar da segurança da vacina SCR. Esse relatório era sobre 12 crianças com distúrbios de desenvolvimento e problemas gastrointestinais; 9 delas também tinham autismo. Segundo o relatório, os pais afirmaram que 8 das 12 crianças tinham recebido a vacina combinada contra sarampo, caxumba e rubeola (SCR) 1 mês antes do desenvolvimento dos sintomas. Wakefield postulou que o vírus do sarampo na vacina SCR se disseminou no intestino onde causou inflamação, possibilitando que proteínas do trato gastrointestinal entrassem na corrente sanguínea, chegassem ao encéfalo e causasse autismo. Em outro estudo, Wakefield afirmou ter encontrado o vírus do sarampo em amostras de biópsia intestinal em 75 das 90 crianças com autismo e em apenas 5 dos 70 pacientes no grupo controle, levando à especulação de que o vírus do sarampo vivo na vacina SCR de algum modo estava implicado no autismo.

Como a metodologia de Wakefield só conseguiu mostrar uma associação temporal, em vez de uma relação de causa e efeito, diversos outros pesquisadores estudaram uma possível conexão entre a vacina SCR e o autismo. Gerber e Offit revisaram pelo menos 13 grandes estudos epidemiológicos, todos os quais não conseguiram dar suporte a uma associação entre a vacina SCR (tríplice viral) e autismo (1). Muitos desses estudos demonstraram que as tendências nacionais da vacinação SCR não estavam diretamente associadas às tendências nacionais no diagnóstico de autismo. Por exemplo, no Reino Unido, entre 1988 e 1999, a taxa de vacinação com contra sarampo, caxumba e rubeola não mudou, mas a taxa de autismo aumentou.

Outros estudos compararam o risco de autismo em crianças individuais que receberam ou não a vacina SCR. Em um desses estudos mais extenso e mais convincente, Madsen et al avaliaram 537.303 crianças dinamarquesas nascidas entre 1991 e 1998, 82% das quais tinham recebido a vacina SCR (2). Após o controle de possíveis fatores de confusão, eles não encontraram nenhuma diferença no risco relativo de autismo ou outras doenças do espectro autista em crianças vacinadas e não vacinadas. A incidência geral de autismo ou de uma doença de espectro autista foi de 608 em 440.655 (0,138%) no grupo vacinado e 130 em 96.648 (0,135%) no grupo não vacinado. Um estudo de seguimento de todas as crianças nascidas na Dinamarca entre 1999 e 2010, totalizando 657.461 crianças, concluiu que primeiramente vacina SCR não causa autismo [índice de risco de 0,93 (IC 95%, 0,85 a 1,02)] de modo geral, nem aumenta a risco em crianças com alto risco de autismo por causa da história familiar (3). Outros estudos populacionais realizados em todo o mundo chegaram a conclusões semelhantes.

Em resposta ao aumento na detecção do vírus do sarampo em amostras de biópsia intestinal de crianças autistas pelo Dr Wakefield, Hornig et al procuraram o vírus do sarampo em amostras de biópsia coletadas de 38 crianças que tinham sintomas gastrointestinais e passavam por colonoscopia; 25 crianças tinham autismo, e 13 não (4). O vírus do sarampo não foi detectado em maior frequência nas crianças com autismo do que naquelas sem.

Em 2010, a revista The Lancet revogou completamente a publicação de 1998 com base nas conclusões do British General Medical Council (5). Três meses depois da revogação pela The Lancet, Wakefield foi removido do registro médico do Reino Unido, com uma declaração sobre sua falsificação intencional de sua pesquisa; como resultado, ele foi impedido de praticar medicina no Reino Unido.

Apesar das evidências esmagadoras que corroboram a segurança das vacinas contra sarampo, caxumba e rubeola e o descrédito da pesquisa de Wakefield, muitos pais ainda não estão convencidos. Como resultado, os Estados Unidos experimentaram o maior número de casos de sarampo em 2019 desde 1992. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a maioria das pessoas infectadas não está vacinada (6).

Referências sobre a vacina SCR

  1. 1. Gerber JS, Offit PA: Vaccines and autism: A tale of shifting hypotheses. Clin Infect Dis 48(4):456-461, 2009. doi: 10.1086/596476

  2. 2. Madsen KM, Hviid A, Vestergaard M, et al: A population-based study of measles, mumps, and rubella vaccination and autism. N Engl J Med 347(19):1477-1482, 2002. doi: 10.1056/NEJMoa021134

  3. 3. Hviid A, Hansen JV, Frisch M, Melbye M: Measles, mumps, rubella vaccination and autism: A nationwide cohort study. Ann Intern Med 170(8):513-520, 2019. doi: 10.7326/M18-2101

  4. 4. Hornig M, Briese T, Buie T, et al: Lack of association between measles virus vaccine and autism with enteropathy: A case-control study. PLoS ONE 3(9):e3140, 2008. doi: 10.1371/journal.pone.0003140

  5. 5. Eggertson L: Lancet retracts 12-year-old article linking autism to MMR vaccines. CMAJ 182(4):E199-E200, 2010. doi: 10.1503/cmaj.109-3179

  6. 6. Patel M, Lee AD, Clemons NS, et al: National update on measles cases and outbreaks—United States, January 1–October 1, 2019. MMWR 68(40);893–896. doi: 10.15585/mmwr.mm6840e2

Timerosal e autismo

O timerosal é um composto de mercúrio anteriormente utilizado como conservante em vários frascos de vacina multidose; os conservantes não são necessários em frascos de dose única e não podem ser utilizados em vacinas de vírus vivo. O timerosal é metabolizado e transformado em etilmercúrio, o qual é eliminado rapidamente do corpo. Como o metilmercúrio do ambiente (o qual é um composto diferente que não é eliminado do corpo rapidamente) é tóxico para os seres humanos, a preocupação é que as quantidades muito pequenas de timerosal utilizadas nas vacinas possam causar problemas neurológicos, particularmente o autismo, em crianças. Por causa dessas preocupações teóricas, embora nenhum estudo tenha mostrado evidências de danos, o timerosal foi removido das vacinas infantis de rotina nos Estados Unidos, na Europa e em vários outros países em 2001. Entretanto, nesses países, pequenas quantidades de timerosal continuam a ser utilizadas em certas vacinas contra influenza e em várias outras vacinas destinadas ao uso em adultos. Para informações sobre vacinas que contêm baixos níveis de timerosal, ver FDA: Thimerosal and Vaccines. O timerosal também é utilizado em muitas vacinas utilizadas em países com poucos recursos; a OMS não recomendou sua remoção porque não há evidências clínicas de toxicidade decorrentes do seu uso rotineiro.

Apesar da remoção do timerosal, as taxas de autismo continuaram aumentando, sugerindo fortemente que o timerosal das vacinas não causa autismo. Além disso, 2 estudos separados do Vaccine Safety Datalink (VSD) concluíram que não há nenhuma associação entre o timerosal e o autismo. Em um estudo de coorte com 124.170 crianças em 3 organizações de cuidados gerenciados (MCOs); Verstraeten et al não descobriram nenhuma associação entre o timerosal e o autismo ou outras alterações desenvolvimentais, embora associações inconsistentes (isto é, vistas em uma MCO mas não em outra) tenham sido encontradas entre o timerosal e certos distúrbios de linguagem (1). Em um estudo com 1.000 crianças (256 com transtorno do espectro autista e 752 controles pareados sem autismo), Price et al, utilizando análise de regressão, não encontraram nenhuma associação entre a exposição ao timerosal e autismo (2).

Profissionais que trabalham com pais que ainda estão preocupados com o timerosal na vacina contra influenza podem utilizar frascos de dose única da vacina injetável ou a vacina por spray nasal do vírus vivo atenuado, nenhuma das quais contêm timerosal.

Referências sobre timerosal e autismo

  1. 1. Verstraeten T, Davis RL, DeStefano F, et al: Safety of thimerosal-containing vaccines: A two-phased study of computerized health maintenance organization databases. Pediatrics 112:1039-1048, 2003. Clarification and additional information. Pediatrics 113(1):184, 2004.

  2. 2. Price CS, Thompson WW, Goodson B, et al: Prenatal and infant exposure to thimerosal from vaccines and immunoglobulins and risk of autism. Pediatrics 126(4):656-664, 2010. doi: 10.1542/peds.2010-0309

Uso de múltiplas vacinas simultâneas

Uma pesquisa nacional representativa feita no final de 1990 revelou que quase um quarto de todos os pais achavam que seus filhos recebiam mais imunizações do que deveriam. Desde então, outras vacinas foram acrescentadas ao programa de imunização de modo que, aos 6 anos de idade, recomenda-se que as crianças recebam múltiplas doses de vacinas para 10 ou mais infecções diferentes (ver Child and Adolescent Immunization Schedule by Age). Para minimizar a quantidade de injeções e visitas ao centro de saúde, os médicos administram muitas vacinas como produtos combinados (p. ex., difteria-tétano-coqueluche, sarampo-caxumba-rubeola). Mas alguns pais estão preocupados com fato de que o sistema imunitário dos filhos (particularmente dos recém-nascidos) não possa lidar simultaneamente com os múltiplos antígenos apresentados. Essa preocupação fez com que alguns pais solicitassem programações de imunização alternativas que atrasam e, às vezes, excluem completamente certas vacinas. Uma pesquisa norte-americana representativa de 2011 descobriu que 13% dos pais utilizam essa programação (1).

O uso de programações alternativas é arriscado e cientificamente infundado. O cronograma oficial é projetado para proteger as crianças contra doenças quando elas estão mais suscetíveis. O adiamento da vacinação aumenta a quantidade de tempo que as crianças têm o risco de contrair essas doenças. Além disso, embora os pais possam planejar somente o adiamento da vacinação, o aumento na quantidade de visitas a centro de saúde necessárias para as programações alternativas aumenta a dificuldade da adesão e, portanto, o risco de que as crianças não receberam a completa de vacinas. Em relação aos desafios imunológicos, os pais devem ser informados de que a quantidade e o número de antígenos contidos nas vacinas é minúsculo em comparação àqueles encontrados na vida cotidiana. Mesmo ao nascimento, o sistema imunitário de uma criança está preparado para responder às centenas de antígenos aos quais a criança é exposta durante o parto e sendo manipulada pela mãe (não esterilizada). As crianças normalmente se deparam com, e responder imunologicamente a, dezenas e talvez centenas de antígenos ao longo de um dia normal, sem dificuldades. Uma infecção típica por um único organismo estimula uma resposta imunitária a múltiplos antígenos desse organismo (talvez 4 a 10 em uma típica infecção das vias respiratórias superiores). Além disso, como as vacinas atuais contêm menos antígenos (isto é, porque os principais antígenos foram mais bem identificados e purificados), hoje as crianças são expostas a menos antígenos de vacina do que eram expostas na maior parte do século 20.

Em resumo, programas alternativos de vacinação não se baseiam em evidências e colocam as crianças em maior risco de doenças infecciosas. Mais importante, eles não oferecem nenhuma vantagem. Utilizando dados do VSD, um estudo comparou os resultados do desenvolvimento neurológico em um grupo de crianças que receberam todas as vacinas no prazo com aquelas que não as receberam (2). As crianças do último grupo não tiveram desempenho melhor em nenhum dos 42 desfechos testados. Esses resultados devem tranquilizar os pais que estão preocupados com o fato de que as crianças recebem muitas vacinas prematuramente.

Referências sobre o uso de múltiplas vacinas simultâneas

  1. 1. Dempsey AF, Schaffer S, Singer D, et al: Alternative vaccination schedule preferences among parents of young children. Pediatrics 128(5):848-856, 2011. doi:10.1542/peds.2011-0400

  2. 2. Smith MJ, Woods CR: On-time vaccine receipt in the first year does not adversely affect neuropsychologic outcomes. Pediatrics 125(6)1134-1141, 2010. doi: 10.1542/peds.2009-2489

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. U.S. Food and Drug Administration (FDA): Thimerosal and Vaccines

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