Hipotireoidismo em lactentes e crianças

PorAndrew Calabria, MD, The Children's Hospital of Philadelphia
Revisado/Corrigido: ago 2022
Visão Educação para o paciente

Hipotireoidismo é causado pela deficiência do hormônio tireoidiano. Em lactentes, os sintomas incluem alimentação deficiente e atraso de crescimento. Os sintomas em crianças maiores e adolescentes são semelhantes aos dos adultos, porém também incluem deficit de crescimento, retardo puberal ou ambos. O diagnóstico é feito com testes de função tireoidiana (p. ex., tiroxina sérica, hormônio tireoide-estimulante). O tratamento é feito pela reposição dos hormônios tireoidianos.

(Ver também Visão geral da função tireoidiana.)

Etiologia

O hipotireoidismo na lactância e na infância pode ser congênito ou adquirido.

Hipotireoidismo congênito

Hipotireoidismo congênito ocorre em cerca de 1/1700 a 1/3500 nascidos vivos (1). A maioria dos casos congênitos é esporádica, mas cerca de 10 a 20% são herdados. As causas incluem

  • Disgenesia da glândula (50 a 60% dos casos)

  • Disormonogênese (produção anormal de hormônios tireoidianos, 30 a 40% dos casos)

Disgenesia pode envolver ectopia (dois terços dos casos), ausência (agenesia) ou hipodesenvolvimento (hipoplasia) da glândula da tireoide. A causa costuma ser desconhecida, mas estima-se que 2 a 5% dos casos sejam hereditários, muitas vezes em genes associados à formação da glândula tireoide (TSHR) ou fatores de transcrição (PAX8, NKX2-1).

Disormonogênese tem vários tipos, que podem resultar de um defeito em alguma das fases da biossíntese dos hormônios tireoidianos ( see page Bócio congênito).

Raramente nos Estados Unidos, mas comum em países onde o iodo não é adicionado rotineiramente ao sal de cozinha, o hipotireoidismo resulta de deficiência de iodo. O hipotireoidismo transitório pode, raramente, resultar da transferência placentária de anticorpos, agentes bocígenos (p. ex., amiodarona) ou fármacos antitireoidianos (p. ex., propiltiouracila, metimazol). Outra causa rara é o hipotireoidismo central, que é causado por anomalias estruturais no desenvolvimento da hipófise; os pacientes geralmente também têm outras deficiências hormonais hipofisárias. Crianças com trissomia do 21 têm maior risco de hipotireoidismo congênito.

Hipotireoidismo adquirido

Nos Estados Unidos, a causa mais comum do hipotireoidismo adquirido é

A tireoidite autoimune ocorre mais comumente durante a adolescência, mas também em crianças mais novas, geralmente depois dos primeiros anos de vida. Cerca de 50% das crianças afetadas têm história familiar significativa de doença tireoidiana autoimune. Crianças com trissomia do 21 têm maior risco de doença autoimune da tireoide.

Menos comumente, o hipotireoidismo pode ocorrer após radioterapia da cabeça e pescoço para certos cânceres, após irradiação total do corpo na preparação para transplante de medula óssea e secundária a certos fármacos (p. ex., anticonvulsivantes, lítio, amiodarona, inibidores da tirosina quinase). O hipotireoidismo permanente também é o objetivo do tratamento para pacientes submetidos à terapia definitiva para doença de Graves (ver tratamento do hipertireoidismo em lactentes e crianças) ou câncer de tireoide.

A deficiência de iodo permanece sendo a causa mais comum de hipotireoidismo em crianças em todo o mundo, mas é rara nos Estados Unidos. A deficiência de iodo pode ocorrer em crianças cuja dieta é restrita por causa de múltiplas alergias alimentares ou naquelas que requerem nutrição parenteral de longo prazo.

Referência sobre etiologia

  1. 1. Ford G, LaFranchi SH: Screening for congenital hypothyroidism: A worldwide view of strategies. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab 28(2):175–187, 2014. doi: 10.1016/j.beem.2013.05.008

Sinais e sintomas

Os sinais e sintomas do hipotireoidismo em lactantes e crianças menores diferem daqueles em crianças maiores e adultos. Se a deficiência fetal de iodo ocorrer precocemente durante a gestação, os lactentes podem apresentar deficit grave de crescimento, aspectos faciais grosseiros, deficiência intelectual e espasticidade.

No início, alguns lactentes hipotireoideos apresentam nenhum ou poucos sinais ou sintomas e são detectados por meio de triagem neonatal.

Os sintomas que ocorrem podem ser insidiosos ou se desenvolver lentamente, porque algum hormônio tireoidiano materno cruza a placenta. Entretanto, após o hormônio materno ser metabolizado, se a causa de base do hipotireoidismo persistir e o hipotireoidismo não for diagnosticado e tratado, o desenvolvimento do sistema nervoso central usualmente diminui de maneira moderada ou grave e pode ser acompanhado de hipotonicidade, perda auditiva neurossensorial, hiperbilirrubinemia prolongada, hérnia umbilical, desconforto respiratório, macroglossia, fontanelas amplas, alimentação deficiente e choro rouco. Raramente o atraso no diagnóstico e o tratamento do hipotireoidismo grave levam a retardo mental e baixa estatura.

Alguns sinais e sintomas do hipotireoidismo em crianças maiores e adolescentes são semelhantes aos dos adultos (p. ex., ganho de peso, fadiga, constipação, cabelo áspero e seco, palidez, pele áspera e manchada— see page Sinais e sintomas). Nas crianças, os sinais específicos são retardo de crescimento, atraso da idade óssea e usualmente atraso puberal.

Diagnóstico

  • Triagem neonatal de rotina

  • Testes de função da tireoide

  • Às vezes, ultrassonografia ou cintilografia da tireoide

(Ver também the European Society for Paediatric Endocrinology's 2014 consensus guidelines on screening, diagnosis, and management of congenital hypothyroidism.)

Nos recém-nascidos, a triagem de rotina detecta o hipotireoidismo antes do aparecimento dos sinais clínicos (1). Se a triagem é positiva, indica-se a realização dos testes de função tireoidiana, incluindo medição da tiroxina sérica livre (T4 livre) e hormônio estimulador da tireoide (TSH). Esses testes também são realizados em crianças maiores e adolescentes com suspeita de hipotireoidismo. T4 livre é uma medição melhor da função tireoidiana do que o T4 total nesses pacientes porque os níveis de proteínas de ligação à tireoide (globulina de ligação à tireoide, transtirretina e albumina) afetam os níveis de T4. Medição dos níveis de tri-iodotironina (T3) raramente é útil no diagnóstico do hipotireoidismo porque é o último exame que mostra resultados anormais e não deve ser feito na maioria dos pacientes. Os níveis de T3 reversa medem a forma metabolicamente inativa da T3; T3 reversa aumenta durante períodos de doença ou inanição e não devem ser medidos para diagnosticar hipotireoidismo.

O hipotireoidismo grave congênito, mesmo quando tratado de imediato, pode causar problemas sutis de desenvolvimento e perda neurossensorial da audição. A perda da audição pode ser tão leve que nem é avaliada na triagem inicial, mas pode interferir na aquisição da linguagem. É aconselhável reavaliar a criança para o diagnóstico de perda sutil da audição.

Quando o hipotireoidismo congênito é diagnosticado, cintilografia (technetium-99m pertecnetato ou Iodo-123) ou ultrassonografia pode ser feita para avaliar o tamanho e a localização da glândula tireoide e, assim, ajudar a distinguir uma anormalidade estrutural (isto é, disgenesia tireoidiana) da disormonogênese e de alterações transitórias.

Em crianças e adolescentes com suspeita de hipotireoidismo (TSH elevado e baixo T4/T4 livre), deve-se medir os títulos para anticorpos da tireoide (para peroxidase e tireoglobulina da tireoide) para avaliar a tireoidite autoimune. Deve-se interromper a biotina, um suplemento comum de venda livre, pelo menos 2 dias antes dos exames laboratoriais porque ela pode interferir em vários testes da função tireoidiana. Mais comumente, a biotina pode resultar em níveis falsamente altos de T4 e T3, níveis falsamente baixos de TSH e pode levar a um diagnóstico inapropriado de hipertireoidismo. Ultrassonografia da tireoide não é necessária para estabelecer o diagnóstico da tireoidite autoimune e deve limitar-se a crianças com assimetria da glândula tireoide ou nódulos tireoidianos palpáveis.

O hipotireoidismo central manifesta-se com um padrão de baixos níveis de T4 e níveis não elevados de TSH. Crianças em que confirmou-se a presença do hipotireoidismo central devem ser submetidas à RM do cérebro e hipófise para descartar lesões do sistema nervoso central.

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Wassner AJ: Congenital hypothyroidism. Clin Perinatol 45(1):1–18, 2018. doi: 10.1016/j.clp.2017.10.004

Tratamento

  • Reposição dos hormônios tireoidianos

A maioria dos lactentes tratada apresenta desenvolvimento mental e motor normal.

(Ver também the American Thyroid Association Task Force on Thyroid Hormone Replacement's 2014 guidelines for the treatment of hypothyroidism.)

Quando tratar

A maioria dos casos de hipotireoidismo congênito necessita de reposição dos hormônios tireoidianos durante toda a vida. Entretanto, se o nível de TSH inicial é < 40 mU/L, uma base orgânica não é estabelecida, e considera-se que a doença é transitória (com base na ausência de aumento da dose desde a infância), os médicos podem tentar interromper o tratamento depois dos 3 anos de idade, momento em que a tentativa de interrupção não representa nenhum perigo para o desenvolvimento do sistema nervoso central. Se o TSH aumenta depois de o tratamento ser interrompido (tipicamente com interrupção do tratamento por 6-8 semanas) e o T4 ou T4 livre está baixo, hipotireoidismo congênito permanente é confirmado e o tratamento deve ser reiniciado. Deficiência da globulina ligante da tiroxina, detectada pela triagem que se baseia primariamente na no T4 total no soro não necessita de tratamento porque os recém-nascidos têm níveis de T4 e TSH totais e são, portanto, eutireoidianos.

Indica-se o tratamento com levotiroxina para crianças com níveis de TSH > 10 mU/L. Crianças maiores com apenas pequenas elevações no TSH (tipicamente entre 5 mU/L e 10 mU/L) e níveis normais de T4 são consideradas como tendo hipotireoidismo subclínico. Há controvérsias quanto ao tratamento de pacientes com hipotireoidismo subclínico. O hipotireoidismo subclínico normalmente não causa nenhum sintoma. Pode-se considerar o tratamento se os pacientes apresentarem bócio, anticorpos antitireoidianos positivos ou hiperlipidemia. Se não tratada, deve-se monitorar a função da tireoide a cada 6 a 12 meses por um tempo para assegurar que a função não piore.

Esquemas de tratamento

No hipotireoidismo congênito, o tratamento com 10 a 15 mcg/kg por via oral uma vez ao dia com levotiroxina deve ser iniciado imediatamente com cuidadoso monitoramento. O objetivo dessa dosagem é elevar rapidamente (em 2 semanas) o nível sérico de T4 até a metade superior do intervalo normal para a idade (entre 10 mcg/dL [129 nmol/L] e 15 mcg/dL [193 nmol/L]) e reduzir imediatamente (em 4 semanas) o nível de TSH.

Nohipotireoidismo adquirido, a dose inicial habitual de levotiroxina a baseia-se na área de superfície corporal (100 mcg/m2 por via oral uma vez ao dia) ou na idade e no peso como a seguir:

  • Para 1 a 3 anos de idade: 4 a 6 mcg/kg, uma vez ao dia

  • Para 3 a 10 anos de idade: 3 a 5 mcg/kg, uma vez ao dia

  • Para 10 a 16 anos de idade: 2 a 4 mcg/kg, uma vez ao dia

  • Para ≥ 17 anos de idade: 1,6 mcg/kg uma vez ao dia

Para as duas formas de hipotireoidismo, a dose é escalonada para manter os níveis séricos de T4 e TSH dentro do intervalo normal para a idade.

Em geral, administra-se levotiroxina em comprimidos por causa da distribuição inconsistente de formulações líquidas compostas preparadas por farmacêuticos individuais. Os comprimidos podem ser esmagados, misturados com uma pequena quantidade (1 a 2 mL) de água, leite materno ou formulações não à base de soja e administrados por via oral por seringa. A absorção da levotiroxina pode diminuir se administrada com formulações à base de soja, ferro ou cálcio. Formulações comerciais de líquidos orais estão disponíveis para crianças de qualquer idade e disponibilizadas em ampolas de dose única em diferentes potências ou em frascos de 100 mL com a dose selecionada de acordo com o volume da seringa. Até o momento, há poucos experimentos com essas novas formulações líquidas para o hipotireoidismo congênito; não está claro se a dose é a mesma que a de comprimidos esmagados. Se for necessário administrar a levotiroxina por via intravenosa, deve-se utilizar 75% da dose oral. Embora T3 seja o hormônio tireoidiano biologicamente ativo, a levotiroxina (T4), é geralmente administrada; não é necessário o uso de T3 porque a maioria do T3 do encéfalo surge pela conversão enzimática de T4 em T3.

Monitoramento

As crianças são monitoradas com mais frequência durante ou primeiros poucos anos de vida:

  • A cada 1 a 2 meses durante os 1ºs 6 meses

  • A cada 3 a 4 meses entre os 6 meses e 3 anos de idade

  • A cada 6 a 12 meses dos 3 anos de idade até o final do crescimento

Crianças maiores podem ser monitoradas mais frequentemente se há preocupações em relação à adesão. Após um ajuste da dose em crianças maiores, os níveis de TSH e T4 livre são medidos em 6 a 8 semanas.

Pontos-chave

  • Hipotireoidismo em crianças é geralmente congênito; as causas adquiridas se tornam mais comuns com a idade.

  • A maioria das causas congênitas envolve disgenesia da glândula, mas podem ocorrer doenças genéticas que afetam a síntese de hormônios da tireoide.

  • O hipotireoidismo é detectado na maioria das crianças por meio da triagem neonatal de rotina.

  • Confirmar o diagnóstico com mensuração dos níveis séricos de tiroxina (T4 livre) e tireotropina; se confirmado, fazer exames de imagem para detectar distúrbios estruturais da tireoide.

  • Tratar com levotiroxina, ajustando a dose para manter os níveis séricos de T4 e TSH dentro do intervalo normal para a idade.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. European Society for Paediatric Endocrinology: Consensus guidelines on screening, diagnosis, and management of congenital hypothyroidism (2014)

  2. American Thyroid Association Task Force on Thyroid Hormone Replacement: Guidelines for the treatment of hypothyroidism (2014)

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