Hipotireoidismo é causado pela deficiência do hormônio tireoidiano. Em lactentes, os sintomas incluem alimentação deficiente e atraso de crescimento. Os sintomas em crianças maiores e adolescentes são semelhantes aos dos adultos, porém também incluem deficit de crescimento, retardo puberal ou ambos. O diagnóstico é feito com testes de função tireoidiana (p. ex., tiroxina sérica, hormônio tireoide-estimulante). O tratamento é feito pela reposição dos hormônios tireoidianos.
(Ver também Visão geral da função tireoidiana.)
Etiologia
O hipotireoidismo na lactância e na infância pode ser congênito ou adquirido.
Hipotireoidismo congênito
Hipotireoidismo congênito ocorre em cerca de 1/1700 a 1/3500 nascidos vivos (1). A maioria dos casos congênitos é esporádica, mas cerca de 10 a 20% são herdados. As causas incluem
Disgenesia da glândula (50 a 60% dos casos)
Disormonogênese (produção anormal de hormônios tireoidianos, 30 a 40% dos casos)
Disgenesia pode envolver ectopia (dois terços dos casos), ausência (agenesia) ou hipodesenvolvimento (hipoplasia) da glândula da tireoide. A causa costuma ser desconhecida, mas estima-se que 2 a 5% dos casos sejam hereditários, muitas vezes em genes associados à formação da glândula tireoide (TSHR) ou fatores de transcrição (PAX8, NKX2-1).
Disormonogênese tem vários tipos, que podem resultar de um defeito em alguma das fases da biossíntese dos hormônios tireoidianos ( see page Bócio congênito).
Raramente nos Estados Unidos, mas comum em países onde o iodo não é adicionado rotineiramente ao sal de cozinha, o hipotireoidismo resulta de deficiência de iodo. O hipotireoidismo transitório pode, raramente, resultar da transferência placentária de anticorpos, agentes bocígenos (p. ex., amiodarona) ou fármacos antitireoidianos (p. ex., propiltiouracila, metimazol). Outra causa rara é o hipotireoidismo central, que é causado por anomalias estruturais no desenvolvimento da hipófise; os pacientes geralmente também têm outras deficiências hormonais hipofisárias. Crianças com trissomia do 21 têm maior risco de hipotireoidismo congênito.
Hipotireoidismo adquirido
Nos Estados Unidos, a causa mais comum do hipotireoidismo adquirido é
Tireoidite autoimune (tireoidite de Hashimoto)
A tireoidite autoimune ocorre mais comumente durante a adolescência, mas também em crianças mais novas, geralmente depois dos primeiros anos de vida. Cerca de 50% das crianças afetadas têm história familiar significativa de doença tireoidiana autoimune. Crianças com trissomia do 21 têm maior risco de doença autoimune da tireoide.
Menos comumente, o hipotireoidismo pode ocorrer após radioterapia da cabeça e pescoço para certos cânceres, após irradiação total do corpo na preparação para transplante de medula óssea e secundária a certos fármacos (p. ex., anticonvulsivantes, lítio, amiodarona, inibidores da tirosina quinase). O hipotireoidismo permanente também é o objetivo do tratamento para pacientes submetidos à terapia definitiva para doença de Graves (ver tratamento do hipertireoidismo em lactentes e crianças) ou câncer de tireoide.
A deficiência de iodo permanece sendo a causa mais comum de hipotireoidismo em crianças em todo o mundo, mas é rara nos Estados Unidos. A deficiência de iodo pode ocorrer em crianças cuja dieta é restrita por causa de múltiplas alergias alimentares ou naquelas que requerem nutrição parenteral de longo prazo.
Referência sobre etiologia
1. Ford G, LaFranchi SH: Screening for congenital hypothyroidism: A worldwide view of strategies. Best Pract Res Clin Endocrinol Metab 28(2):175–187, 2014. doi: 10.1016/j.beem.2013.05.008
Sinais e sintomas
Os sinais e sintomas do hipotireoidismo em lactantes e crianças menores diferem daqueles em crianças maiores e adultos. Se a deficiência fetal de iodo ocorrer precocemente durante a gestação, os lactentes podem apresentar deficit grave de crescimento, aspectos faciais grosseiros, deficiência intelectual e espasticidade.
No início, alguns lactentes hipotireoideos apresentam nenhum ou poucos sinais ou sintomas e são detectados por meio de triagem neonatal.
Os sintomas que ocorrem podem ser insidiosos ou se desenvolver lentamente, porque algum hormônio tireoidiano materno cruza a placenta. Entretanto, após o hormônio materno ser metabolizado, se a causa de base do hipotireoidismo persistir e o hipotireoidismo não for diagnosticado e tratado, o desenvolvimento do sistema nervoso central usualmente diminui de maneira moderada ou grave e pode ser acompanhado de hipotonicidade, perda auditiva neurossensorial, hiperbilirrubinemia prolongada, hérnia umbilical, desconforto respiratório, macroglossia, fontanelas amplas, alimentação deficiente e choro rouco. Raramente o atraso no diagnóstico e o tratamento do hipotireoidismo grave levam a retardo mental e baixa estatura.
Alguns sinais e sintomas do hipotireoidismo em crianças maiores e adolescentes são semelhantes aos dos adultos (p. ex., ganho de peso, fadiga, constipação, cabelo áspero e seco, palidez, pele áspera e manchada— see page Sinais e sintomas). Nas crianças, os sinais específicos são retardo de crescimento, atraso da idade óssea e usualmente atraso puberal.
Diagnóstico
Triagem neonatal de rotina
Testes de função da tireoide
Às vezes, ultrassonografia ou cintilografia da tireoide
(Ver também the European Society for Paediatric Endocrinology's 2014 consensus guidelines on screening, diagnosis, and management of congenital hypothyroidism.)
Nos recém-nascidos, a triagem de rotina detecta o hipotireoidismo antes do aparecimento dos sinais clínicos (1). Se a triagem é positiva, indica-se a realização dos testes de função tireoidiana, incluindo medição da tiroxina sérica livre (T4 livre) e hormônio estimulador da tireoide (TSH). Esses testes também são realizados em crianças maiores e adolescentes com suspeita de hipotireoidismo. T4 livre é uma medição melhor da função tireoidiana do que o T4 total nesses pacientes porque os níveis de proteínas de ligação à tireoide (globulina de ligação à tireoide, transtirretina e albumina) afetam os níveis de T4. Medição dos níveis de tri-iodotironina (T3) raramente é útil no diagnóstico do hipotireoidismo porque é o último exame que mostra resultados anormais e não deve ser feito na maioria dos pacientes. Os níveis de T3 reversa medem a forma metabolicamente inativa da T3; T3 reversa aumenta durante períodos de doença ou inanição e não devem ser medidos para diagnosticar hipotireoidismo.
O hipotireoidismo grave congênito, mesmo quando tratado de imediato, pode causar problemas sutis de desenvolvimento e perda neurossensorial da audição. A perda da audição pode ser tão leve que nem é avaliada na triagem inicial, mas pode interferir na aquisição da linguagem. É aconselhável reavaliar a criança para o diagnóstico de perda sutil da audição.
Quando o hipotireoidismo congênito é diagnosticado, cintilografia (technetium-99m pertecnetato ou Iodo-123) ou ultrassonografia pode ser feita para avaliar o tamanho e a localização da glândula tireoide e, assim, ajudar a distinguir uma anormalidade estrutural (isto é, disgenesia tireoidiana) da disormonogênese e de alterações transitórias.
Em crianças e adolescentes com suspeita de hipotireoidismo (TSH elevado e baixo T4/T4 livre), deve-se medir os títulos para anticorpos da tireoide (para peroxidase e tireoglobulina da tireoide) para avaliar a tireoidite autoimune. Deve-se interromper a biotina, um suplemento comum de venda livre, pelo menos 2 dias antes dos exames laboratoriais porque ela pode interferir em vários testes da função tireoidiana. Mais comumente, a biotina pode resultar em níveis falsamente altos de T4 e T3, níveis falsamente baixos de TSH e pode levar a um diagnóstico inapropriado de hipertireoidismo. Ultrassonografia da tireoide não é necessária para estabelecer o diagnóstico da tireoidite autoimune e deve limitar-se a crianças com assimetria da glândula tireoide ou nódulos tireoidianos palpáveis.
O hipotireoidismo central manifesta-se com um padrão de baixos níveis de T4 e níveis não elevados de TSH. Crianças em que confirmou-se a presença do hipotireoidismo central devem ser submetidas à RM do cérebro e hipófise para descartar lesões do sistema nervoso central.
Referência sobre diagnóstico
1. Wassner AJ: Congenital hypothyroidism. Clin Perinatol 45(1):1–18, 2018. doi: 10.1016/j.clp.2017.10.004
Tratamento
Reposição dos hormônios tireoidianos
A maioria dos lactentes tratada apresenta desenvolvimento mental e motor normal.
(Ver também the American Thyroid Association Task Force on Thyroid Hormone Replacement's 2014 guidelines for the treatment of hypothyroidism.)
Quando tratar
A maioria dos casos de hipotireoidismo congênito necessita de reposição dos hormônios tireoidianos durante toda a vida. Entretanto, se o nível de TSH inicial é < 40 mU/L, uma base orgânica não é estabelecida, e considera-se que a doença é transitória (com base na ausência de aumento da dose desde a infância), os médicos podem tentar interromper o tratamento depois dos 3 anos de idade, momento em que a tentativa de interrupção não representa nenhum perigo para o desenvolvimento do sistema nervoso central. Se o TSH aumenta depois de o tratamento ser interrompido (tipicamente com interrupção do tratamento por 6-8 semanas) e o T4 ou T4 livre está baixo, hipotireoidismo congênito permanente é confirmado e o tratamento deve ser reiniciado. Deficiência da globulina ligante da tiroxina, detectada pela triagem que se baseia primariamente na no T4 total no soro não necessita de tratamento porque os recém-nascidos têm níveis de T4 e TSH totais e são, portanto, eutireoidianos.
Indica-se o tratamento com levotiroxina para crianças com níveis de TSH > 10 mU/L. Crianças maiores com apenas pequenas elevações no TSH (tipicamente entre 5 mU/L e 10 mU/L) e níveis normais de T4 são consideradas como tendo hipotireoidismo subclínico. Há controvérsias quanto ao tratamento de pacientes com hipotireoidismo subclínico. O hipotireoidismo subclínico normalmente não causa nenhum sintoma. Pode-se considerar o tratamento se os pacientes apresentarem bócio, anticorpos antitireoidianos positivos ou hiperlipidemia. Se não tratada, deve-se monitorar a função da tireoide a cada 6 a 12 meses por um tempo para assegurar que a função não piore.
Esquemas de tratamento
No hipotireoidismo congênito, o tratamento com 10 a 15 mcg/kg por via oral uma vez ao dia com levotiroxina deve ser iniciado imediatamente com cuidadoso monitoramento. O objetivo dessa dosagem é elevar rapidamente (em 2 semanas) o nível sérico de T4 até a metade superior do intervalo normal para a idade (entre 10 mcg/dL [129 nmol/L] e 15 mcg/dL [193 nmol/L]) e reduzir imediatamente (em 4 semanas) o nível de TSH.
Nohipotireoidismo adquirido, a dose inicial habitual de levotiroxina a baseia-se na área de superfície corporal (100 mcg/m2 por via oral uma vez ao dia) ou na idade e no peso como a seguir:
Para 1 a 3 anos de idade: 4 a 6 mcg/kg, uma vez ao dia
Para 3 a 10 anos de idade: 3 a 5 mcg/kg, uma vez ao dia
Para 10 a 16 anos de idade: 2 a 4 mcg/kg, uma vez ao dia
Para ≥ 17 anos de idade: 1,6 mcg/kg uma vez ao dia
Para as duas formas de hipotireoidismo, a dose é escalonada para manter os níveis séricos de T4 e TSH dentro do intervalo normal para a idade.
Em geral, administra-se levotiroxina em comprimidos por causa da distribuição inconsistente de formulações líquidas compostas preparadas por farmacêuticos individuais. Os comprimidos podem ser esmagados, misturados com uma pequena quantidade (1 a 2 mL) de água, leite materno ou formulações não à base de soja e administrados por via oral por seringa. A absorção da levotiroxina pode diminuir se administrada com formulações à base de soja, ferro ou cálcio. Formulações comerciais de líquidos orais estão disponíveis para crianças de qualquer idade e disponibilizadas em ampolas de dose única em diferentes potências ou em frascos de 100 mL com a dose selecionada de acordo com o volume da seringa. Até o momento, há poucos experimentos com essas novas formulações líquidas para o hipotireoidismo congênito; não está claro se a dose é a mesma que a de comprimidos esmagados. Se for necessário administrar a levotiroxina por via intravenosa, deve-se utilizar 75% da dose oral. Embora T3 seja o hormônio tireoidiano biologicamente ativo, a levotiroxina (T4), é geralmente administrada; não é necessário o uso de T3 porque a maioria do T3 do encéfalo surge pela conversão enzimática de T4 em T3.
Monitoramento
As crianças são monitoradas com mais frequência durante ou primeiros poucos anos de vida:
A cada 1 a 2 meses durante os 1ºs 6 meses
A cada 3 a 4 meses entre os 6 meses e 3 anos de idade
A cada 6 a 12 meses dos 3 anos de idade até o final do crescimento
Crianças maiores podem ser monitoradas mais frequentemente se há preocupações em relação à adesão. Após um ajuste da dose em crianças maiores, os níveis de TSH e T4 livre são medidos em 6 a 8 semanas.
Pontos-chave
Hipotireoidismo em crianças é geralmente congênito; as causas adquiridas se tornam mais comuns com a idade.
A maioria das causas congênitas envolve disgenesia da glândula, mas podem ocorrer doenças genéticas que afetam a síntese de hormônios da tireoide.
O hipotireoidismo é detectado na maioria das crianças por meio da triagem neonatal de rotina.
Confirmar o diagnóstico com mensuração dos níveis séricos de tiroxina (T4 livre) e tireotropina; se confirmado, fazer exames de imagem para detectar distúrbios estruturais da tireoide.
Tratar com levotiroxina, ajustando a dose para manter os níveis séricos de T4 e TSH dentro do intervalo normal para a idade.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
European Society for Paediatric Endocrinology: Consensus guidelines on screening, diagnosis, and management of congenital hypothyroidism (2014)
American Thyroid Association Task Force on Thyroid Hormone Replacement: Guidelines for the treatment of hypothyroidism (2014)