Anemia hemolítica autoimune

PorEvan M. Braunstein, MD, PhD, Johns Hopkins University School of Medicine
Revisado/Corrigido: jun 2022
Visão Educação para o paciente

É causada por anticorpos que reagem com os eritrócitos em temperaturas 37 C (anemia hemolítica de anticorpos quentes) ou 37 C (doença da aglutinina fria). A hemólise é extravascular. O teste direto da antiglobulina (Coombs direto) firma o diagnóstico e pode sugerir a causa. O tratamento depende da causa e pode incluir corticoides, esplenectomia, globulina imunitária IV imunossupressores e interrupção dos fármacos.

(Ver também Visão geral da anemia hemolítica.)

Etiologia da anemia hemolítica autoimune

A anemia hemolítica autoimune é causada por anomalias extrínsecas aos eritrócitos.

Anemia hemolítica por anticorpos quentes

É a forma mais comum de anemia hemolítica autoimune; é mais comum entre as mulheres. Os autoanticorpos nesse tipo de anemia, reagem a temperaturas 37° C. A anemia hemolítica autoimune pode ser classificada como

Alguns fármacos (p. ex., metildopa, levodopa — ver tabela Fármacos que causam anemia hemolítica de anticorpos quentes) estimulam a produção de anticorpos contra os antígenos Rh (anemia hemolítica autoimune do tipo metildopa). Outros fármacos estimulam a produção de autoanticorpos contra o complexo antibiótico-eritrócitos-membrana como parte de um mecanismo de hapteno transitório; o hapteno pode ser estável (p. ex., alta dose de penicilina, cefalosporinas) ou instável (p. ex., quinidina, sulfonamidas).

Na anemia hemolítica por anticorpos quentes, a hemólise é primariamente esplênica e não decorre de lise direta dos eritrócitos. É quase sempre grave e pode ser fatal. A maioria dos autoanticorpos na anemia hemolítica quente é IgG. A maioria é pan-aglutinina e tem especificidade limitada.

Doença da aglutinina fria

A doença da crioaglutinina (doença de anticorpos frios) é causada por autoanticorpos que reagem a temperaturas < 37° C. As causas incluem

  • Idiopática (geralmente associada a uma população de células B clonais)

  • Infecções, especialmente pneumonia por micoplasma ou mononucleose infecciosa [os anticorpos são direcionados contra os antígenos I (micoplasma) ou i (vírus de Epstein Barr)]

  • Distúrbios linfoproliferativos (anticorpos são geralmente direcionados contra o antígeno I)

As infecções podem causar doença aguda, ao passo que a doença idiopática (a forma comum em idosos) tende a ser crônica. A hemólise acontece, em sua maior parte, no sistema fagocítico mononuclear extravascular hepático e esplênico. A anemia é normalmente leve (hemoglobina > 7,5 g/dL [70,5 g/L]). Os autoanticorpos em doença da aglutinina fria são, geralmente, IgM. A amplitude térmica dos anticorpos é mais importante que seu título; quanto mais alta a temperatura (isto é, mais próxima da temperatura corporal normal) na qual esses anticorpos reagem com os eritrócitos, maior a hemólise.

Hemoglobinúria paroxística ao frio

A hemoglobinúria paroxística ao frio (HPF; síndrome de Donath-Landsteiner) é um tipo raro de doença da aglutinina fria. HPF é mais comum nas crianças. A hemólise resulta da exposição ao frio, podendo até ser localizada (p. ex., ao beber água fria, lavar as mãos em água fria). Um anticorpo IgG liga-se ao antígeno P nos eritrócitos em baixas temperaturas e causa hemólise intravascular e hemoglobinuria após o aquecimento. Isso ocorre, com mais frequência, em doenças virais não específicas ou sob outros aspectos em pacientes saudáveis, embora ocorra em pacientes com sífilis congênita ou adquirida. Gravidade e rapidez do desenvolvimento da anemia variam e podem ser fulminantes. Nas crianças, muitas vezes essa doença desaparece espontaneamente.

Tabela

Sinais e sintomas da anemia hemolítica autoimune

Os sintomas da anemia hemolítica por anticorpos quentes tendem a ser decorrentes da anemia. Se a doença é grave, pode ocorrer febre, dor torácica, síncope ou insuficiência cardíaca ou hepática. Esplenomegalia leve é típica. A AHAI raramente é complicada por insuficiência hepática decorrente de aglutinação de eritrócitos extensa.

A doença da aglutinina fria apresenta-se como anemia hemolítica aguda ou crônica. Outros sinais ou sintomas são acrocianose, síndrome de Raynaud e alterações oclusivas associadas ao frio.

Os sintomas de HPF podem incluir dor forte em costas e pernas, cefaleia, vômito, diarreia e urina de cor marrom-escura; pode haver hepatoesplenomegalia.

Diagnóstico da anemia hemolítica autoimune

  • Esfregaço de sangue periférico, contagem de reticulócitos, desidrogenase láctica (DHL)

  • Teste direto de antiglobulina

Suspeitar de anemia hemolítica autoimune em qualquer paciente com anemia hemolítica (como sugerido pela existência de anemia e reticulocitose). O esfregaço periférico de sangue geralmente mostra microesferócitos (ver foto Esferócitos) e contagem alta de reticulócitos com poucos ou nenhum esferócito, indicando hemólise extravascular. Exames laboratoriais tipicamente indicam hemólise (p. ex., LDH elevado e bilirrubina indireta). Volume corpuscular médio alto (VCM) pode ocorrer devido à reticulocitose extrema. A anemia hemolítica em casos de baixa contagem de reticulócitos é rara, mas pode ocorrer e é sugestiva de doença grave.

Diagnostica-se anemia a hemolítica autoimune pela detecção de autoanticorpos com o teste direto de antiglobulina (ver figura Teste direto de antiglobulina). A antiglobulina sérica é acrescentada aos eritrócitos lavados do paciente; a aglutinação indica a presença de imunoglobulina ou complemento (C) ligado aos eritrócitos. Na anemia hemolítica por anticorpos quentes, a IgG quase sempre está presente e C3 (C3b e C3d) também pode estar presente. Na doença por anticorpos frios, C3 está presente enquanto IgG geralmente está ausente. O teste é ≤ 98% sensível para anemia hemolítica autoimune; falso-negativos podem ocorrer se a densidade do anticorpo é muito baixa ou, raramente, se os autoanticorpos são IgA. Na maioria dos casos da anemia hemolítica autoimune quente, o anticorpo é uma IgG identificada apenas como panaglutinina, significando que não é possível determinar a especificidade do antígeno ao anticorpo. Na doença de anticorpos frios, o anticorpo geralmente é uma IgM direcionada contra o carboidrato I/i na superfície dos eritrócitos. Normalmente pode-se determinar as titulações dos anticorpos, mas estas nem sempre se correlacionam com a atividade da doença. O teste direto de antiglobulina (Coombs direto) pode ser positivo na ausência de anemia hemolítica autoimune e, portanto, deve-se solicitá-lo apenas no contexto clínico adequado. Um teste direto de antiglobulina falso-positivo pode resultar da presença de anticorpos clinicamente insignificantes.

O teste indireto da antiglobulina (Coombs indireto) é um exame complementar que consiste em misturar o plasma do paciente com eritrócitos normais para determinar se esses anticorpos estão livres no plasma (ver figura Teste direto de antiglobulina). Um teste de antiglobulina indireto positivo e um teste direto negativo geralmente indicam um anticorpo reagente causado por gestação, transfusões anteriores ou reação imunitária de lectina em vez da hemólise imunitária. Mesmo a identificação de anticorpos quentes não define a hemólise, pois 1/10.000 dos doadores normais de sangue apresentam exame com resultado positivo.

Depois de identificar a anemia hemolítica autoimune pelo teste de antiglobulina, o teste deve diferenciar entre anemia hemolítica de anticorpos quentes e doença da aglutinina fria, assim como os mecanismos responsáveis pela anemia hemolítica de anticorpos quentes. Essa determinação pode ser, muitas vezes, feita pelo padrão de reação direta da antiglobulina. Três padrões são possíveis:

  • A reação é positiva com anti-IgG e negativa com anti-C3. Esse padrão é comum na AHAI idiopática e na AHAI farmacológica ou do tipo metildopa, normalmente anemia hemolítica de anticorpos quentes.

  • A reação é positiva com anti-IgG e anti-C3. Esse padrão é comum em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) e AHAI idiopática, quase sempre anemia hemolítica de anticorpos quentes, e rara em alguns casos associados aos fármacos.

  • A reação é positiva com anti-C3 e negativa com anti-IgG. Esse padrão ocorre na doença da crioaglutinina (na qual os anticorpos mais comuns são IgM). Também pode ocorrer na anemia hemolítica de anticorpos quentes quando os anticorpos IgG têm baixa afinidade, em alguns casos medicamentosos e na HPF.

Outros estudos podem sugerir a causa da AHAI, mas não são conclusivos. Na doença da aglutinina fria com sangue não aquecido, os eritrócitos acumulam-se no esfregaço periférico e a contagem automatizada das células revela, com frequência, aumento de volume corpuscular médio e hemoglobina falsamente baixa em decorrência desse acúmulo; o aquecimento do tubo com as mãos e a recontagem resultam em valores significativamente mais próximos do normal. A anemia hemolítica de anticorpos quentes pode ser diferenciada da doença da aglutinina fria pela temperatura na qual o teste direto de antiglobulina seja positivo; teste positivo em temperatura 37° C indica anemia hemolítica de anticorpos quentes, assim como teste positivo a temperaturas menores indica doença de aglutinina fria.

Se houver suspeita de hemoglobinúria paroxística ao frio (HPF), deve-se fazer o teste de Donath-Landsteiner, específico para HPF. Nesse teste, incuba-se o soro do paciente com eritrócitos normais a 4° C por 30 minutos a fim de permitir a fixação do complemento que então é aquecido à temperatura corporal. A ocorrência de hemólise eritrocitária durante esse teste é indicativa de HPF. Como o anticorpo na HPF se fixa no complemento a baixas temperaturas, o teste direto de antiglobulina (Coombs direto) é positivo para C3 e negativo para IgG. Mas o anticorpo na HPF é uma IgG contra o antígeno P.

Tratamento da anemia hemolítica autoimune

  • Hemotransfusão na anemia grave potencialmente fatal (geralmente com reticulocitopenia).

  • Nas anemias hemolíticas de anticorpos quentes induzida por fármacos, suspensão do fármaco e algumas vezes imunoglobulina IV

  • Na anemia hemolítica de anticorpos quentes idiopática, corticoides e, nos casos refratários, rituximabe, imunoglobulina UV ou esplenectomia

  • Na doença de aglutininas frias, evitar o frio e tratar a doença subjacente

  • Na HPF, evitar o frio, imunossupressores e, em caso de sífilis, tratar. Nas crianças, muitas vezes essa doença desaparece espontaneamente.

A transfusão de sangue é o tratamento mais importante para os pacientes sintomáticos que evoluem rapidamente para anemia grave potencialmente fatal. Nesses casos, nunca se deve postegar a transfusão por falta de unidades "compatíveis". Em geral, os pacientes sem história de hemotransfusão, nem gestação têm baixo risco de hemólise com sangue com compatibilidade ABO. Mesmo que as células transfundidas sejam hemolisadas, sua hemólise será mais lenta do que as células do próprio paciente, assim a transfusão de sangue pode salvar vidas até que uma terapia mais definitiva possa ser feita.

Um tratamento mais específico depende do mecanismo da hemólise.

Anemias hemolíticas por anticorpos quentes

Nas anemias hemolíticas de anticorpos quentes induzidas por fármacos, a interrupção do uso do fármaco diminui a taxa de hemólise. Na AHAI tipo metildopa, a hemólise normalmente cessa em 3 semanas; no entanto, um teste positivo de antiglobulina pode persistir por > 1 ano. Na AHAI mediada por hapteno, a hemólise cessa quando o fármaco é retirado do plasma. Pode-se utilizar corticoides e/ou infusões de imunoglobulina como terapias de segunda linha.

Na AHAI idiopática por anticorpos quentes, os corticoides (p. ex., prednisona 1 mg/kg, por via oral uma vez ao dia) são o tratamento convencional de primeira linha. Ao estabilizar os níveis de eritrócitos, diminuir gradualmente os corticoides com monitoramento laboratorial da hemólise (p. ex., hemoglobina e contagem de reticulócitos). O objetivo é desmamar completamente o paciente dos corticoides ou manter a remissão com a menor dose possível de corticoides. Cerca de dois terços dos pacientes respondem ao tratamento com corticoides. Nos pacientes que recidivam após a suspensão dos corticoides ou que tem doença refratária aos corticoides, geralmente utilizar rituximabe como tratamento de segunda linha.

Outros tratamentos são feitos com imunossupressores, ácido fólico e/ou esplenectomia. Cerca de um terço a metade dos pacientes têm uma resposta sustentada após a esplenectomia.

Nos casos de hemólise fulminante, pode-se utilizar imunossupressão com pulsoterapia em altas doses de corticoides ou ciclofosfamida. Para hemólise menos grave, mas incontrolada, infusões de imunoglobulina são fornecidas para controle temporário.

O tratamento com imunossupressores a longo prazo (incluindo ciclosporina) tem sido efetivo após a falha com corticoides e esplenectomia.

Anticorpos pan-aglutinantes na anemia hemolítica por anticorpos quentes faz com que os testes de compatibilidade do sangue doado sejam difíceis. Além disso, as transfusões podem sobrepor um aloanticorpo sobre o autoanticorpo, acelerando a hemólise. Portanto, deve-se evitar as transfusões quando a anemia não apresenta risco de vida, mas estas não devem ser mantidas em pacientes com anemia hemolítica autoimune grave, principalmente quando a contagem de reticulócitos é baixa.

Doença da aglutinina fria

Em muitos casos, evitar ambientes frios e outros gatilhos da hemólise pode ser suficiente para prevenir um quadro de anemia sintomática.

Nos casos associados a doença linfoproliferativa, o tratamento é direcionado à causa subjacente. O rituximabe é comumente utilizado e os esquemas quimioterápicos utilizados para tratar as doenças linfoproliferativas podem ser eficazes. Em um pequeno ensaio clínico randomizado, o sutimlimabe, um inibidor da via clássica do complemento, mostrou aumentar os níveis de hemoglobina e diminuir as necessidades de transfusão em cerca de metade dos pacientes com doença da aglutinina fria (1). É uma opção de tratamento para pacientes com anemia grave.

Nos casos graves, a plasmaferese é um tratamento temporário eficaz. As transfusões devem ser feitas limitadamente, com o sangue aquecido por um aquecedor em linha.

A esplenectomia geralmente não tem valor nenhum, e os imunossupressores têm uma eficácia apenas modesta.

Hemoglobinúria paroxística ao frio

Na hemoglobinúria paroxística ao frio (HPF), a terapia consiste em evitar estritamente a exposição ao frio. Os imunossupressores foram eficazes, mas devem ser restritos aos pacientes com casos progressivos ou idiopáticos.

A esplenectomia não tem valor nenhum.

O tratamento concomitante de sífilis pode curar HPF.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Roth A, Barcellini W, D'Sa S, et al: Sutimlimab in cold agglutinin disease. N Engl J Med 384(14):1323–1334, 2021. doi: 10.1056/NEJMoa2027760

Pontos-chave

  • Divide-se a anemia hemolítica autoimune em anemia hemolítica de anticorpos quentes e doença da aglutinina fria com base na temperatura em que os autoanticorpos reagem aos eritrócitos.

  • A hemólise tende a ser mais grave na anemia hemolítica por anticorpos quentes e pode ser fatal se reticulocitopenia também está presente.

  • Demonstra-se imunoglobulina e/ou complemento ligado aos eritrócitos do paciente pela ocorrência de aglutinação depois que antiglobulina sérica é acrescentada aos eritrócitos lavados (teste direto de antiglobulina positivo).

  • O padrão da reação à antiglobulina direta pode ajudar a diferenciar anemia hemolítica por anticorpos quentes de doença da aglutinina fria e às vezes a identificar os mecanismos responsáveis pela anemia hemolítica por anticorpos quentes.

  • O tratamento é direcionado para a causa (como a suspensão dos fármacos, evitar a exposição ao frio e tratar a doença subjacente).

  • Corticoides continuam sendo o tratamento de primeira linha para doença hemolítica por anticorpos quentes de origem idiopática.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS