Visão geral da dor

PorMeredith Barad, MD, Stanford Health Care;
Anuj Aggarwal, MD, Stanford University School of Medicine
Reviewed ByMichael C. Levin, MD, College of Medicine, University of Saskatchewan
Revisado/Corrigido: modificado abr. 2025
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Visão Educação para o paciente

Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP), a dor é definida como uma “experiência sensorial e emocional desagradável associada ou semelhante àquela associada a danos teciduais reais ou potenciais (1).

Há vários conceitos-chave para entender a dor:

  • A experiência da dor é sempre subjetiva.

  • Os indivíduos aprendem o conceito de dor por meio de experiências.

  • Os contextos biomédico, psicológico e social dos indivíduos influenciam sua experiência de dor.

A IASP enfatizou que o relato de dor de um indivíduo deve ser sempre respeitado, e que a descrição verbal da dor é apenas uma das maneiras de comunicar a dor. De fato, a incapacidade de se comunicar não anula a possibilidade de sentir dor.

Apresenta componentes sensoriais e emocionais e, geralmente, é classificada como aguda ou crônica. Em geral, a dor aguda está frequentemente associada a ansiedade e hiperatividade do sistema nervoso simpático (p. ex., taquicardia, aumento de frequência respiratória e pressão arterial, sudorese, dilatação das pupilas). A dor crônica geralmente não envolve hiperatividade simpática, mas pode estar associada a outras comorbidades (p. ex., fadiga, distúrbios do sono, insatisfação com os papéis sociais, mudanças de humor, ansiedade).

A dor é a razão mais comum pela qual os pacientes procuram atendimento médico, e a dor crônica, definida como dor que dura mais de 3 meses, afeta uma grande parte da população. Em 2023, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças estimou que quase 25% dos adultos nos Estados Unidos tinham dor crônica e aproximadamente 7% tinham dor crônica de alto impacto (2), o que significa que sua dor crônica restringia significativamente as atividades diárias. Estudos populacionais mostram consistentemente maior incidência de dor crônica em mulheres e idosos. As localizações mais comuns de dor são a extremidade inferior, seguida pelas costas, extremidades superiores e cabeça (3).

Referências

  1. 1. Raja SN, Carr DB, Cohen M, et al. The revised International Association for the Study of Pain definition of pain: concepts, challenges, and compromises. Pain. 2020;161(9):1976-1982. doi:10.1097/j.pain.0000000000001939

  2. 2. Lucas JW, Sohi I. Chronic Pain and High-Impact Chronic Pain in U.S, Adults, 2023. National Center for Health Statistics. NCHS Data Brief No. 518, November 2024.

  3. 3. Yong RJ, Mullins PM, Bhattacharyya N. Prevalence of chronic pain among adults in the United States. Pain. 2022;163(2):e328-e332. doi:10.1097/j.pain.0000000000002291

Fisiopatologia e classificação da dor

Embora não existam formas universalmente aceitas de classificar a dor, existem várias estruturas que podem ser usadas. 

O tempo da dor (ou seja, seu início, persistência, flutuação e duração) é a base para classificá-la como aguda ou crônica.

A dor aguda, que geralmente ocorre em resposta à lesão tecidual, resulta da ativação de receptores periféricos de dor (nociceptores) e suas fibras nervosas sensoriais específicas (fibras A delta e fibras C). A dor aguda é geralmente de início súbito e é limitada no tempo, durando menos de 1 mês, mas às vezes até 3 a 6 meses.

A dor crônica relacionada com lesão tecidual contínua é provavelmente causada pela ativação persistente dessas fibras. Mas a gravidade da lesão tecidual nem sempre prediz a intensidade da dor crônica ou aguda, e a dor crônica pode ocorrer na ausência de lesão tecidual. A dor crônica pode ser secundária a uma doença subjacente (p. ex., câncer) ou primária (ou seja, pode ser uma doença em si) (1). A dor crônica também pode resultar de lesão contínua ou disfunção do sistema nervoso central ou periférico (que causa dor neuropática). A dor é classificada como crônica se persistir por mais de 3 a 6 meses (1).

A dor crônica também pode ser compreendida utilizando um modelo fisiopatológico, que a classifica como nociceptiva, neuropática ou nociplástica com base em mecanismos conhecidos ou hipotetizados (2).

A dor nociceptiva (dor causada por lesão tecidual) pode ser somática ou visceral; deve-se à ativação de nociceptores periféricos e inclui a dor inflamatória. Os receptores da dor somática estão localizados na pele, tela subcutânea, fáscia, outros tecidos conjuntivos, periósteo, endósteo e cápsulas articulares. A estimulação desses receptores produz dor localizada aguda ou leve, mas a dor em queimação não é rara se os tecidos cutâneos ou subcutâneos estiverem envolvidos. Os receptores da dor visceral estão localizados na maioria das vísceras e no tecido conjuntivo circundante. A dor visceral decorrente de obstrução de um órgão oco é mal localizada, profunda e algumas vezes espasmódica, podendo ser referida a locais cutâneos distantes. A dor visceral decorrente de lesão em cápsulas de órgãos ou outros tecidos conjuntivos profundos pode ser mais localizada e aguda. Exemplos de causas de dor nociceptiva incluem osteoartrite e dor devido a trauma agudo, câncer e condições reumatológicas. 

A dor neuropática refere-se à dor causada por lesão no sistema nervoso central ou periférico e é frequentemente caracterizada por dor em um dermátomo, um território controlado por uma área do cérebro ou um nervo periférico. A dor neuropática às vezes está associada a parestesias e é frequentemente descrita como pontada, queimação ou formigamento. As condições de dor neuropática podem ser acompanhadas de déficit neurológico. Exemplos de dor neuropática incluem neuropatia diabética, neuralgia do trigêmeo e neuralgia pós-herpética

A dor nociplástica é uma terceira categoria mais recentemente descrita, distinta da dor nociceptiva e da dor neuropática, e ainda é pouco compreendida. Acredita-se que seja causada por uma disfunção do sistema nervoso central, a qual altera o processamento dos sinais de dor. A dor nociplástica tende a ser mais difusa, generalizada e pode estar associada a fadiga, sintomas gastrointestinais, distúrbios do sono e disfunção cognitiva. A fibromialgia é um exemplo de dor nociplástica. A dor nociplástica também é considerada importante em condições como distúrbio temporomandibular e síndrome da covid longa

Muitas síndromes de dor são multifatoriais e podem ser consideradas estados mistos. Por exemplo, a dor lombar crônica e a maior parte das síndromes de dor oncológica têm um componente nociceptivo significativo, mas também podem envolver um componente neuropático (decorrente de lesão de nervos). Estima-se que a prevalência de dor mista entre pacientes com dor crônica em contextos de atenção primária e ortopédicos possa ser superior a 50% (3). No entanto, a dor crônica como um todo é melhor compreendida no contexto do modelo biopsicossocial. De acordo com esse modelo, a intensidade da dor crônica experimentada — independentemente do tipo — é modulada em grau altamente variável por fatores psicológicos. Pensamentos e emoções desempenham um papel importante na percepção da dor. Muitos pacientes com dor crônica também têm aflição psicológica, especialmente depressão e ansiedade. Como certas síndromes são caracterizadas como transtornos psiquiátricos (p. ex., alguns transtornos com sintomas somáticos) e são definidas pela dor referida pelos próprios pacientes, os pacientes que sentem dor inexplicável muitas vezes são diagnosticados incorretamente com um transtorno psiquiátrico e, assim, são privados de um tratamento adequado.

A dor compromete múltiplos domínios cognitivos incluindo atenção, memória, concentração e conteúdo do pensamento, possivelmente exigindo recursos cognitivos. (Para uma descrição concisa das 3 principais categorias de dor, consulte Figure 2. Illustrative drawing showing the various manifestations of neuropathic, nociceptive, and nociplastic pain, along with treatment considerations, 2.)

Processamento da dor: transdução, transmissão, modulação e percepção

O processamento normal da dor envolve um processo de transdução, transmissão, modulação e, finalmente, percepção. Quando a dor aguda se torna crônica, ocorrem alterações anormais na via de processamento da dor, que são contribuídas por fatores de risco pré-mórbidos e genética.

A transdução é o processo de ativação, por estimulação nociva, do subtipo de neurônio aferente primário, conhecido como nociceptor. Essa ativação pode ocorrer haja ou não dano tecidual real ou potencial, pois mediadores inflamatórios podem ser produzidos em ambas as situações. Os nociceptores estão localizados em todo o corpo, exceto no cérebro. Os nociceptores são fibras A delta grandes e mielinizadas, responsáveis pela dor aguda e intensa, ou fibras C pequenas e não mielinizadas, que causam uma dor de início lento, surda, persistente ou do tipo incômodo. Os nociceptores são geralmente polimodais e capazes de responder a diferentes estímulos (térmicos, mecânicos ou químicos), dependendo de sua localização no corpo.

Há muitos receptores envolvidos na nocicepção. Talvez a família de receptores mais conhecida seja a dos canais iônicos de potencial receptor transitório (TRP), localizados na membrana plasmática. Esses receptores e outros ajudam a ativar e sensibilizar outros nociceptores. Os mediadores inflamatórios podem estimular diretamente os nociceptores ou sensibilizá-los para responder mais prontamente a estímulos nocivos e aumentar a excitabilidade neuronal. A sensibilização reduz o limiar de ativação e aumenta a taxa de resposta à estimulação prejudicial causada por lesão tecidual e inflamação. A lesão tecidual também pode estimular diretamente os nociceptores. 

Transmissão é o processo de transmissão do sinal ao sistema nervoso central (SNC). Tanto as fibras C quanto as fibras A delta podem transmitir sinais. Este sinal entra na medula espinal nos gânglios da raiz dorsal e faz sinapse no corno dorsal. Os neurônios de segunda ordem então levam a transmissão ao sistema nervoso central através do trato espinotalâmico lateral e do trato espinotalâmico medial. Esses tratos se projetam para o tálamo. O trato espinotalâmico lateral projeta-se para o núcleo posterolateral ventral do tálamo, e o trato espinotalâmico medial projeta-se para o tálamo medial. O trato lateral transporta informações sobre a intensidade e a localização da dor. O trato medial transporta a percepção emocional desagradável da dor e informações autonômicas. Por fim, os neurônios de terceira ordem transmitem sinais do tálamo para regiões corticais que processam a localização, a percepção e os componentes emocionais da dor.

Modulação é um processo endógeno que aumenta ou diminui a transmissão de sinais de dor na periferia, na medula espinal e no cérebro. Os mecanismos considerados responsáveis por esse fenômeno incluem a inibição segmentar, o sistema opioide endógeno e os sinais nervosos inibitórios descendentes. Além disso, estratégias cognitivas e de enfrentamento também desempenham um papel na alteração da percepção da dor. A inibição segmentar, originalmente parte da "teoria do portão" descrita por Melzack e Wall, é o processo pelo qual neurônios sensoriais próximos que carregam sinais não dolorosos estimulam neurônios inibitórios que reduzem a transmissão da dor (4). Isso explica por que esfregar uma lesão reduz a sensação de dor. Estímulos nocivos transmitidos pelas fibras A delta e C, bem como por neurônios situados no corno dorsal da medula espinal, podem ser inibidos quando fibras nervosas de grande calibre e mielinizadas (A beta), que conduzem estímulos não dolorosos, ativam vias inibitórias na medula espinal, as quais suprimem a transmissão dos sinais de dor provenientes de aferências das pequenas fibras C amielínicas. Opioides endógenos (encefalinas, endorfinas e dinorfinas) ligam-se aos receptores opioides na via da dor e modulam o sinal da dor. Por fim, a via inibitória descendente controla a transmissão da sinalização nociva estimulando a liberação de serotonina e noradrenalina para atenuar o sinal da dor no corno dorsal.

A percepção é a experiência consciente da dor, moldada por processos sensoriais, emocionais e cognitivos. O tálamo atua como um relé central, distribuindo sinais de dor para as principais regiões cerebrais:

  • O córtex somatossensorial processa o aspecto sensorial-discriminativo, codificando a localização, intensidade e qualidade da dor.

  • O córtex insular integra a percepção da dor com respostas autonômicas e emocionais, moldando a experiência subjetiva da dor.

  • O córtex cingulado anterior (CCA) medeia o sofrimento emocional, a dor e a motivação relacionada à dor.

  • O córtex pré-frontal (CPF) influencia a percepção da dor através da atenção, expectativas e modulação cognitiva.

  • O sistema límbico, incluindo a amígdala e o hipocampo, liga a dor ao medo, ansiedade e memória, afetando as respostas de dor a longo prazo.

A percepção da dor é altamente variável, influenciada pelo estado psicológico, atenção, experiências prévias e contexto social. Fatores como ansiedade ou catastrofização podem amplificar a dor, enquanto a distração ou o controle cognitivo podem diminuí-la. Condições de dor crônica, como a sensibilização central, envolvem mudanças neuroplásticas mal-adaptativas, levando à percepção persistente da dor mesmo na ausência de entrada nociceptiva contínua.

Via de processamento da dor

O processamento normal da dor envolve um processo de transdução, transmissão, modulação e, finalmente, percepção.

GABA = ácido gama-aminobutírico.

Referências sobre fisiopatologia e classificação

  1. 1. Raja SN, Carr DB, Cohen M, et al. The revised International Association for the Study of Pain definition of pain: concepts, challenges, and compromises. Pain. 2020;161(9):1976-1982. doi:10.1097/j.pain.0000000000001939

  2. 2. Cohen SP, Vase L, Hooten WM. Chronic pain: an update on burden, best practices, and new advances. Lancet. 2021;397(10289):2082-2097. doi:10.1016/S0140-6736(21)00393-7

  3. 3. Ibor PJ, Sánchez-Magro I, Villoria J, Leal A, Esquivias A. Mixed Pain Can Be Discerned in the Primary Care and Orthopedics Settings in Spain: A Large Cross-Sectional Study. Clin J Pain. 2017;33(12):1100-1108. doi:10.1097/AJP.0000000000000491

  4. 4. Jabbur SJ, Saadé NE. From electrical wiring to plastic neurons: evolving approaches to the study of pain. Pain. 1999;Suppl 6:S87-S92. doi:10.1016/S0304-3959(99)00141-4

Pontos-chave

  • A dor pode ser definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ou semelhante àquela associada a lesão tecidual real ou potencial.

  • A dor é uma experiência subjetiva que é influenciada por fatores biomédicos, psicológicos e sociais.

  • A dor aguda é uma resposta de curto prazo a uma lesão tecidual com duração inferior a 3 meses, enquanto a dor crônica persiste por mais de 3 meses e pode ocorrer sem lesão tecidual contínua.

  • As três principais categorias de mecanismos de dor são nociceptiva (decorrente de lesão tecidual), neuropática (decorrente de lesão nervosa) e nociplástica (relacionados à disfunção do sistema nervoso central).

  • Muitas síndromes de dor podem ser multifatoriais e são consideradas estados mistos.

  • O processamento normal da dor envolve um processo de transdução, transmissão, modulação e, finalmente, percepção.

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