Sarcoidose cardíaca

PorL. Brent Mitchell, MD, Libin Cardiovascular Institute of Alberta, University of Calgary
Revisado/Corrigido: jan 2023
Visão Educação para o paciente

A sarcoidose é uma doença inflamatória/granulomatosa crônica multissistêmica que costuma afetar o coração, causando distúrbios de condução, bradiarritmias, taquiarritmias e, às vezes, cardiomiopatia. Suspeita-se do diagnóstico em pacientes com sarcoidose conhecida ou em pacientes jovens com bloqueio cardíaco inexplicável, arritmias ou cardiomiopatia. O tratamento consiste em corticoides e, às vezes, um cardioversor desfibrilador implantável (CDI).

(Ver também Visão geral das cardiomiopatias arritmogênicas e Visão geral das arritmias.)

Sarcoidose sistêmica é revisada em outras partes do Manual. Esse tópico foca nos efeitos cardíacos da sarcoidose.

O processo inflamatório na sarcoidose resulta em formação de granulomas sem caseificação e fibrose em qualquer tecido. Na sarcoidose cardíaca clinicamente aparente, o sistema de condução e/ou miocárdio costumam estar envolvidos, mas também pode haver envolvimento de valvas, músculo papilar e pericárdio. Quase todos os pacientes com sarcoidose cardíaca apresentam envolvimento de outros órgãos (geralmente os pulmões), mas, em casos raros, pode ocorrer isoladamente. Cerca de 25% dos pacientes com sarcoidose sistêmica têm envolvimento cardíaco identificável utilizando técnicas de imagem, mas o envolvimento cardíaco é sintomático em apenas cerca de 20% destes (5% de todos os pacientes com sarcoidose). A doença mostra variação regional acentuada na incidência, sendo particularmente alta em pessoas de ascendência europeia e africana, e especialmente alta em mulheres afro-americanas.

O envolvimento cardíaco na sarcoidose tem predileção pelo septo interventricular, o que causa bloqueios do sistema de condução atrioventricular (AV) em muitos pacientes com sarcoidose cardíaca. O envolvimento do sistema de condução pode causar bloqueio AV de primeiro, segundo ou terceiro grau, hemibloqueio anterior esquerdo ou bloqueio do ramo posterior esquerdo ou direito. O envolvimento da artéria do nó sinusal pode produzir as bradiarritmias da disfunção nodal sinusal.

Envolvimento miocárdico pode produzir taquiarritmias, predominantemente taquicardia ventricular (TV), mas também podem ocorrer taquicardias atriais, flutter atrial e fibrilação atrial.

A infiltração do miocárdio pode causar uma cardiomiopatia ventricular esquerda isolada, ventricular direita isolada, biventricular, dilatada ou restritiva. O envolvimento pericárdico pode causar derrame pericárdico ou contribuir para uma fisiologia restritiva. Hipertensão pulmonar multifatorial também é comum.

A maioria dos pacientes com sarcoidose cardíaca é assintomática, mas as bradiarritmias e taquiarritmias associadas podem causar palpitações, síncope e, às vezes, parada cardíaca ou morte súbita. Na maioria dos pacientes, a doença se manifesta aos 25 a 60 anos de idade. Uma proporção significativa das mortes resultantes da sarcoidose sistêmica é decorrente de morte súbita cardíaca, incluindo muitos pacientes que não tiveram nenhuma indicação prévia de envolvimento cardíaco. A cardiomiopatia pode causar qualquer sintoma de insuficiência cardíaca, como dispneia aos esforços, fadiga e edema periférico.

Diagnóstico da sarcoidose cardíaca

  • Suspeita clínica

  • ECG, ecocardiografia e, às vezes, RM cardíaca com realce tardio por gadolínio e/ou tomografia por emissão de pósitrons com fluorodeoxiglicose (FDG)

  • Biópsia de tecido não cardíaco que parece afetado pela sarcoidose sistêmica

  • Raramente, biópsia cardíaca

Cerca de metade dos pacientes com manifestações clínicas sugestivas de sarcoidose cardíaca já têm diagnóstico de sarcoidose sistêmica. Pacientes com diagnóstico de sarcoidose e sem sintomas cardíacos normalmente devem passar periodicamente por ECG e ecocardiografia para monitorar se há envolvimento cardíaco. Se houver sintomas, sinais ou anormalidades cardíacas, deve-se realizar RM cardíaca com gadolínio e também monitoramento ambulatorial do ECG se os sintomas sugerirem distúrbio de ritmo ou condução. Um exame de FDG-PET fornece informações adicionais sobre inflamação ativa e, em geral, também é realizado.

Em pacientes ainda não diagnosticados com sarcoidose, o diagnóstico de sarcoidose cardíaca frequentemente é difícil. Deve-se suspeitar de sarcoidose cardíaca em pacientes jovens com bloqueio cardíaco, taquiarritmias ventriculares e/ou insuficiência cardíaca que não têm uma causa óbvia. Todos esses pacientes devem passar por ECG e ecocardiograma. Pacientes com cardiomiopatia inexplicável também devem realizar RM cardíaca.

Quando os resultados desses exames sugerem sarcoidose cardíaca ou quando há alta suspeita deste diagnóstico (p. ex., em pacientes jovens com bloqueio AV inexplicável), são necessários testes adicionais para sarcoidose cardíaca (monitoramento ambulatorial do ECG, FDG-PET) e extracardíaca (radiografia de tórax, TC de tórax, FDG-PET de corpo inteiro). Depois de realizados exames aprofundados, a maioria dos pacientes com sarcoidose cardíaca também terá diagnóstico de sarcoidose extracardíaca.

Um documento de consenso internacional (1) indicou que o diagnóstico de sarcoidose cardíaca requer biópsia cardíaca mostrando granuloma sem caseificação e nenhuma explicação alternativa ou biópsia de tecido extracardíaco mostrando granuloma sem caseificação e nenhuma explicação alternativa, mais um ou mais dos seguintes e nenhuma explicação alternativa:

  • Cardiomiopatia ou bloqueio cardíaco que responde a corticoides

  • Fração de ejeção ventricular esquerda inexplicavelmente reduzida < 40%

  • Taquicardia ventricular induzida espontânea ou inexplicável

  • Bloqueio AV de segundo grau Mobitz tipo II ou bloqueio AV de terceiro grau

  • PET cardíaca mostrando captação irregular

  • RM cardíaca mostrando realce tardio por gadolínio

  • Captação positiva de gálio na cintilografia

Mais comumente, determina-se o diagnóstico por biópsia extracardíaca em conjunto com anormalidades cardíacas sugestivas em exames não invasivos. A biópsia cardíaca tem baixa sensibilidade porque o processo de doença é irregular e a amostra coletada pode não incluir tecido patológico. Contudo, a sensibilidade da biópsia cardíaca é melhor se o exame for guiado por técnicas avançadas de imagem do coração ou direcionado a áreas de baixa voltagem.

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Birnie DH, Sauer WH, Gogun F, et al: HRS Expert Consensus Statement on the Diagnosis and Management of Arrhythmias Associated with Cardiac Sarcoidosis. Heart Rhythm 11:1304–1323, 2014. doi: 10.1016/j.hrthm.2014.03.043

Tratamento da sarcoidose cardíaca

  • Corticoides

  • Às vezes, outros imunossupressores

  • Marcapasso permanente e/ou cardioversor desfibrilador implantável (CDI)

  • Às vezes, antiarrítmicos (evitando fármacos da classe I)

  • Às vezes, ablação transcatéter

  • Tratamento para a insuficiência cardíaca (incluindo transplante) conforme necessário

Administra-se o tratamento padrão para sarcoidose, como corticoides e, às vezes, imunossupressores (p. ex., metotrexato). Frequentemente, essas modalidades também melhoram as anormalidades cardíacas e devem ser otimizadas.

O tratamento cardíaco focaliza o tratamento e prevenção das arritmias. As recomendações para o tratamento de bradiarritmias ou taquiarritmias são as mesmas que para outras miocardiopatias arritmogênicas, como um CDI para prevenção de morte súbita (ver também tabela Indicações para um CDI). Recomenda-se um CDI para pacientes com TV sustentada prévia ou reanimação por parada cardíaca ou disfunção sistólica ventricular direita ou esquerda grave. Um CDI também pode ser útil (indicação de classe IIa) para pacientes com qualquer fator de risco importante para morte súbita, como síncope prévia, taquicardia ventricular não sustentada ou disfunção sistólica ventricular direita ou esquerda moderada.

Especificamente em relação à sarcoidose cardíaca, recomenda-se um marca-passo para qualificar o bloqueio AV, mesmo que este se reverta espontaneamente; quando um marca-passo permanente é indicado (ver também tabela Indicações para marca-passos permanentes), uma plataforma de CDI é preferível (ambos uma recomendação de classe IIa). O documento de consenso sobre a sarcoide cardíaca da Heart Rhythm Society também sugere que deve-se considerar o uso de um CDI (recomendação de classe IIb) em pacientes com sarcoidose cardíaca que têm fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre 35% e 49% e/ou fração de ejeção do ventrículo direito < 40% apesar de tratamento farmacológico ideal da insuficiência cardíaca e uso de imunossupressores em pacientes com inflamação ativa (1).

Pode-se administrar fármacos antiarrítmicos, como amiodarona e sotalol, conforme necessário para controlar taquicardias ventriculares frequentemente recorrentes e/ou outras taquiarritmias. Se fármacos (e terapia anti-inflamatória adequada) não controlarem a TV, pode-se realizar estudos eletrofisiológicos para identificar a origem da arritmia (muitas vezes um local de reentrada) que pode então ser tratada utilizando ablação transcatéter.

O tratamento para insuficiência cardíaca normalmente inclui um betabloqueador (observe a possibilidade de agravamento da condução AV), um inibidor da enzima conversora da angiotensina ou um bloqueador do receptor da angiotensina e um antagonista do receptor de mineralocorticoides. Os novos tratamentos farmacológicos para a cardiomiopatia dilatada, como inibidores do receptor da angiotensina neprilisina e inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2, foram menos bem estudados em pacientes com sarcoidose. A frequente coexistência de bloqueio de ramo esquerdo em pacientes com cardiomiopatia dilatada por sarcoidose torna a terapia de ressincronização cardíaca atraente. Pode-se considerar transplante de coração.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Birnie DH, Sauer WH, Gogun F, et al: HRS Expert Consensus Statement on the Diagnosis and Management of Arrhythmias Associated with Cardiac Sarcoidosis. Heart Rhythm 11:1304–1323, 2014. doi: 10.1016/j.hrthm.2014.03.043

Pontos-chave

  • Cerca de 25% dos pacientes com sarcoidose sistêmica apresentam envolvimento cardíaco, mas apenas 5% têm sintomas cardíacos.

  • O envolvimento cardíaco provoca uma porcentagem desproporcional de mortes em pacientes com sarcoidose.

  • O diagnóstico requer uma combinação de achados clínicos, eletrocardiográficos e de imagem; a biópsia cardíaca pode ser diagnóstica, mas geralmente não é realizada.

  • As manifestações cardíacas muitas vezes exigem um marcapasso/cardioversor desfibrilador implantável (CDI) e, às vezes, fármacos antiarrítmicos.

  • Trata-se a própria sarcoidose com corticoides e, às vezes, imunossupressores.

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