Erros cognitivos na tomada de decisão clínica

PorBrian F. Mandell, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: mai 2021
Visão Educação para o paciente

Embora modelos matemáticos quantitativos possam orientar a tomada de decisão clínica, os médicos somente podem utilizar cálculos formais para tomar decisões quanto ao tratamento do paciente na prática cotidiana. Em vez disto, uma compreensão intuitiva de probabilidades é associada ao processo cognitivo denominado heurístico, para orientar o julgamento clínico.

Heurística é geralmente denominada regra geral (rules of thumb), palpite ou atalhos mentais. Heurística habitualmente envolve um padrão de reconhecimento e se baseia na integração subconsciente de informações do paciente reunidas a esmo, com experiência prévia, mais do que a geração consciente de um diagnóstico diferencial rigoroso, que é avaliado formalmente utilizando dados específicos da literatura.

Este raciocínio informal pode apresentar falhas, pois a heurística pode levar a vários tipos de erros inconscientes (erros cognitivos). Os estudos sugerem que há mais erros médicos envolvendo erros cognitivos do que falta de conhecimento ou de informação.

Tipos de erros cognitivos

Há vários tipos de erros cognitivos (raciocínio) e, embora seja obviamente mais importante evitar erros do que classificá-los apropriadamente uma vez cometidos, estar ciente dos tipos comuns de erros cognitivos pode ajudar os médicos a reconhecer e evitá-los.

Os erros cognitivos podem ser grosseiramente classificados como os que envolvem

  • Avaliação incorreta da probabilidade pré-teste (superestimar ou subestimar a probabilidade da doença)

  • Falha em considerar com seriedade todas as possibilidades relevantes

Dicas e conselhos

  • Há inúmeros tipos descritos de erros cognitivos, mas eles tendem a se dividir em 2 grupos: avaliação errônea da probabilidade pré-teste e falha em considerar seriamente todas as possibilidades relevantes.

Ambos os tipos de erros podem levar facilmente a testes impróprios (para mais ou para menos) e erros diagnósticos.

Erro de disponibilidade

O erro de disponibilidade é quando os médicos escolhem a primeira coisa que lhes vem à mente. Isso muitas vezes distorce a probabilidade pré-teste real de uma doença, pois uma experiência recente ou memorável torna um dado diagnóstico mais "fácil" de lembrar.

A experiência geralmente leva à superestimativa da probabilidade, quando há memória de um caso dramático ou que envolveu um paciente com mau resultado ou um processo judicial. Por exemplo, um médico que recentemente não diagnosticou uma embolia pulmonar em uma mulher jovem saudável que apresentava desconforto torácico vago, mas nenhum outro achado ou fator de risco aparente, poderia então superestimar o risco de embolia pulmonar em pacientes semelhantes e ter maior probabilidade de solicitar uma angiografia por TC de tórax para pacientes semelhantes, apesar da baixa probabilidade da doença.

A experiência também pode levar à subestimativa. Por exemplo, um médico residente júnior que só atendeu alguns pacientes com dor torácica, todos os quais revelaram ter causas benignas, pode fazer uma avaliação superficial à procura de doença cardiovascular ou tromboembólica, mesmo entre a população de pacientes em que a prevalência da doença é moderadamente alta.

Erro de representação

Erro de representação ocorre quando os médicos se concentram na presença ou ausência das manifestações clássicas de uma doença sem levar em consideração a prevalência da doença. Por exemplo, embora uma história de algumas horas de vago desconforto torácico em um homem de 60 anos, magro, de porte atlético, com aparência saudável, sem problemas clínicos conhecidos e que está se sentindo bem no momento não corresponda ao perfil típico de um infarto agudo do miocárdio, seria imprudente descartar essa possibilidade porque o infarto do miocárdio é comum entre os homens dessa faixa etária e tem manifestações muito variáveis. Inversamente, um homem saudável de 20 anos com início súbito de dor torácica aguda, intensa e dor nas costas pode ser suspeito de apresentar um aneurisma dissecante de aorta torácica, uma vez que essas características clínicas são comuns em dissecção de aorta. O erro cognitivo é não levar em consideração o fato de que dissecções aórticas são excepcionalmente raras em pacientes de 20 anos saudáveis sem história familiar desses eventos; de que a doença pode ser descartada e outras causas mais prováveis (p. ex., pneumotórax, pleurite) devem ser consideradas. O erro de representação também ocorre quando os médicos deixam de reconhecer que resultados positivos em um teste (em qualquer teste com especificidade inferior a 100%), em uma população na qual a doença testada é rara, tem mais probabilidade de ser um resultado falso-positivo do que um resultado positivo real.

Fechamento prematuro

Fechamento prematuro é tirar conclusões precipitadas. Esse é um dos erros mais comuns; os médicos fazem um diagnóstico rápido (geralmente com base no reconhecimento de padrões), não consideram outros possíveis diagnósticos e param de coletar dados prematuramente. A suspeita diagnóstica muitas vezes nem mesmo é confirmada por exames apropriados. Os erros de conclusão prematura podem ocorrer em qualquer caso, porém são particularmente comuns quando o paciente parece estar apresentando uma exacerbação de uma doença conhecida — p. ex., uma mulher com história de enxaqueca de longo prazo (e que, na verdade, tem uma nova hemorragia subaracnoidea) apresenta cefaleia que pode ser interpretada erroneamente como uma nova crise de enxaqueca. Uma variação de conclusão prematura ocorre quando os médicos subsequentes (p. ex., consultores em um caso complicado) aceitam sem questionar a abordagem diagnóstica anterior, sem coletar de forma independente e revisar os dados relevantes. Os prontuários médicos eletrônicos podem exacerbar os erros do fechamento prematuro de diagnósticos incorretos que podem se propagar até a sua remoção.

Erros de fundamento

Erros de fundamento ocorrem quando os médicos agarram-se firmemente a uma impressão inicial mesmo quando dados conflitantes e contraditórios se acumulam. Por exemplo, uma avaliação diagnóstica de pancreatite aguda é bastante razoável em um homem de 60 anos com dor epigástrica e náuseas, que permanece curvado para frente comprimindo seu abdome, com história de várias crises de pancreatite alcoólica e que declara que se sentia de forma semelhante ao que está sentindo atualmente. Entretanto, se o paciente declara que ele não ingere álcool há vários anos e apresenta níveis séricos normais de enzimas pancreáticas, os médicos que simplesmente ignoram ou desculpam estes resultados conflitantes (p. ex., o paciente está mentindo ou houve esgotamento do pâncreas ou o laboratório cometeu um erro) estão cometendo um erro de ancoragem. Os médicos devem avaliar os dados conflitantes como evidências de necessidade para continuar a buscar o diagnóstico verdadeiro (infarto do miocárdio agudo), mais do que como anomalias que devem ser ignoradas. Pode não haver evidências de suporte (isto é, erros diagnósticos) em alguns casos nos quais são cometidos erros de ancoragem.

Viés de confirmação

Viés de confirmação é a supressão de evidências, o que significa que os médicos aceitam seletivamente os dados clínicos que corroboram uma hipótese desejada e ignoram os dados que não o fazem. Predisposição à confirmação, geralmente, compõe um erro de ancoragem quando o médico utiliza dos dados de confirmação para sustentar a hipótese ancorada, mesmo quando evidências claramente contraditórias também estão disponíveis. Por exemplo, um médico pode se fixar firmemente em elementos da história do paciente que sugerem síndrome coronariana aguda (SCA) para confirmar a suspeita inicial de SCA, mesmo quando os ECG seriados e as enzimas cardíacas forem normais.

Erros de atribuição

Erros de atribuição dizem respeito à tomada de decisões de acordo com estereótipos negativos, o que pode levar os médicos a ignorar ou minimizar a possibilidade de uma doença grave. Por exemplo, os médicos podem supor que um homem inconsciente com odor de álcool seja apenas “outro bêbado” e não perceber hipoglicemia, cetose ou uma lesão intracraniana, ou podem supor que um conhecido usuário de drogas com lombalgia esteja simplesmente buscando drogas e ignorar um abscesso epidural. É provável que pacientes psiquiátricos que desenvolvem doenças físicas estão sujeitos a erros de atribuição porque não apenas podem estar sujeitos a estereótipos negativos, mas muitas vezes descrevem seus sintomas de maneira indistinta, inconsistente ou confusa, levando médicos descuidados a supor que as queixas deles sejam de natureza funcional.

Erro afetivo

O erro afetivo ocorre ao permitir que sentimentos pessoais (positivos ou negativos) sobre um paciente influenciem a tomada de decisão. Por exemplo, evitar exames ou testes desagradáveis, porém, necessários, por apego ou simpatia pelo paciente (p. ex., evitar um exame pélvico e teste de DST em uma paciente que é religiosa ou um alto executivo ou evitar hemoculturas em um paciente gravemente enfermo com veias difíceis de puncionar). Da mesma forma, o erro afetivo inclui não realizar uma avaliação padrão em um paciente desagradável (p. ex., minimizar o significado da dispneia em um paciente verbalmente agressivo ou em alguém com doença pulmonar obstrutiva crônica que continua fumando).

Fatores de risco de erros cognitivos

Fatores internos e externos podem aumentar o risco de erro cognitivo.

Os fatores de risco internos são

  • Conhecimento, treinamento e experiência médica

  • Fadiga e/ou privação de sono

  • Equilíbrio entre a aceitação do risco e a aversão ao risco

Os fatores de risco externos são

  • Carga de trabalho

  • Distrações

  • Gerenciamento dos recursos de equipe e pressão do grupo

Minimização de erros cognitivos

Algumas estratégias específicas podem ajudar a minimizar erros cognitivos. Tipicamente, após terem sido realizados história e exame físico, os médicos, geralmente, formam uma avaliação diagnóstica com base heurística. Neste ponto, é relativamente fácil inserir uma pausa formal para reflexão, levantando diversas questões:

  • Se não for o diagnóstico que está sendo avaliado, o que mais poderia ser?

  • Qual é o diagnóstico mais grave possível?

  • Há evidências que estão em desacordo com o diagnóstico que está sendo avaliado?

Estas questões podem ajudar a expandir o diagnóstico diferencial para incluir coisas que podem ter sido deixadas de lado devido a erros cognitivos e, assim, levar o médico a obter outras informações necessárias.

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