Farmacocinética em crianças

PorErin Tibbetts, PharmD, Boston Children's Hospital
Reviewed ByMichael SD Agus, MD, Harvard Medical School
Revisado/Corrigido: modificado jul. 2025
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Visão Educação para o paciente

A farmacocinética refere-se aos processos de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos fármacos. Há variações importantes relacionadas à idade na farmacocinética.

Absorção

A absorção no trato gastrointestinal é afetada por:

  • Secreção ácida do estômago

  • Formação de sais biliares

  • Tempo de esvaziamento gástrico

  • Motilidade intestinal

  • Extensão e superfície de absorção efetiva intestinal

  • Flora microbiana intestinal

  • Doença

Todos os fatores acima variam de acordo com a idade (1).

Secreção reduzida do ácido gástrico aumenta a biodisponibilidade dos fármacos ácido-lábeis (p. ex., penicilina) e diminui a biodisponibilidade de fármacos fracamente ácidos (p. ex., fenobarbital) (2). A formação reduzida de sais biliares diminui a biodisponibilidade de fármacos lipofílicos (p. ex., diazepam).

Esvaziamento gástrico reduzido e motilidade intestinal aumentam o tempo necessário para alcançar concentrações terapêuticas quando fármacos enterais são administrados a crianças < 3 meses. Drogas que metabolizam as enzimas presentes no intestino de lactentes são outra causa de absorção reduzida dos fármacos. Lactentes com atresia congênita ou remoção cirúrgica do intestino ou com sonda jejunal para alimentação podem apresentar defeitos de absorção específicos dependendo do comprimento perdido ou anastomosado do intestino e da localização do segmento perdido. Também deve-se considerar como o tipo de alimento consumido pode alterar o esvaziamento gástrico (p. ex., sólido versus líquido).

A flora intestinal pode auxiliar no metabolismo de alguns medicamentos como a digoxina. Mudanças no tipo ou quantidade da flora intestinal podem afetar a absorção e eficácia (2).

Medicamentos injetados são frequentemente absorvidos de forma irregular devido a:

  • Variabilidade de suas características químicas

  • Diferenças de absorção relativas ao local da injeção (IM ou por via subcutânea)

  • Variabilidade da massa muscular entre as crianças

  • Enfermidades (p. ex., comprometimento das condições circulatórias)

  • Variabilidade na profundidade da injeção (muito profunda ou muito superficial)

  • Fluxo sanguíneo do músculo esquelético e contrações musculares

Nas crianças, as injeções IM são evitadas por causa da dor e da possibilidade de lesão tecidual, mas, quando necessárias, os fármacos hidrossolúveis são melhores porque não formam precipitados no local da injeção.

A absorção transdérmica pode estar acentuada em neonatos e crianças menores porque a camada córnea é fina e a razão da área de superfície em relação ao peso é muito maior do que nas crianças maiores e nos adultos. Lesões de pele (p. ex., escoriações, eczema, queimaduras) aumentam a absorção em crianças de quaisquer idades. Deve-se ter cuidado com medicamentos aplicados topicamente, como glicocorticoides, pois pode haver aumento da exposição sistêmica e absorção, particularmente em neonatos.

A administração transretal de fármacos é, geralmente, apropriada somente em emergências, quando a via IV não está disponível (p. ex., uso de diazepam retal para o estado epiléptico). O local de colocação do medicamento dentro da cavidade retal pode influenciar a absorção por causa da diferença nos sistemas de drenagem venosa. Lactentes também podem expelir fármacos sólidos antes de a absorção significativa ocorrer.

A absorção de medicamentos inalatórios pelos pulmões (p. ex., beta-agonistas para asma, surfactante pulmonar para síndrome do desconforto respiratório) pode ser mais influenciada pela confiabilidade do dispositivo de administração e pela técnica utilizada pelo paciente ou pelo cuidador do que por parâmetros fisiológicos.

Referências sobre absorção

  1. 1. van den Anker J, Reed MD, Allegaert K, Kearns GL: Developmental changes in pharmacokinetics and pharmacodynamics. J Clin Pharmacol 58 (supplement 10):S10–S25, 2018. doi: 10.1002/jcph.1284

  2. 2. Kearns GL, Abdel-Rahman SM, Alander SW, Blowey DL, Leeder JS, Kauffman RE: Developmental pharmacology--drug disposition, action, and therapy in infants and children. N Engl J Med 349(12):1157–1167, 2003. doi:10.1056/NEJMra035092

Distribuição

Nas crianças, o volume de distribuição dos fármacos muda com a idade. Essas alterações relacionadas à idade decorrem de mudanças na composição corporal (especialmente no espaço extracelular e na água corporal total), na ligação a proteínas plasmáticas e nas características inerentes do fármaco (p. ex., solubilidade em água ou lipídeos, ionização).

Doses mais altas (por kg de peso corporal) de fármacos hidrossolúveis são necessárias em crianças menores porque uma porcentagem maior de seu peso corporal é água (ver figura Alterações na composição corporal com o crescimento e a idade). Em contrapartida, à medida que a criança cresce, são necessárias doses menores para evitar toxicidade por causa do declínio per-centual em água comparado ao peso corpóreo. Além disso, crianças obesas demonstraram ter percentuais significativamente mais elevados de água corporal total, volume corporal, massa corporal magra e massa gorda em comparação com crianças sem obesidade (1).

Alterações na composição corporal com o crescimento e a idade

Adapted from Puig M: Body composition and growth. In Nutrition in Pediatrics, ed. 2, editado por WA Walker and JB Watkins. Hamilton, Ontario, BC Decker, 1996.

Muitos fármacos se ligam a proteínas, principalmente albumina, alfa-1-glicoproteína ácida e lipoproteínas; a ligação a proteínas limita a distribuição do fármaco livre pelo corpo. As concentrações de albumina e proteínas totais são menores nos neonatos, mas se aproximam dos níveis adultos por volta dos 10 a 12 meses. No neonato, a diminuição na ligação às proteínas também se deve a diferenças qualitativas nas proteínas de ligação (ou seja, a presença de albumina fetal) e à ligação competitiva por moléculas, como bilirrubina e ácidos graxos livres, que circulam em concentrações mais elevadas em neonatos e lactentes. O resultado final pode ser o aumento das concentrações de fármaco livre, maior disponibilidade nos sítios receptores e tanto efeitos farmacológicos mais intensos quanto maior frequência de efeitos adversos, mesmo em concentrações mais baixas do fármaco.

Referência sobre distribuição

  1. 1. Vaughns JD, Conklin LS, Long Y, et al: Obesity and pediatric drug development. J Clin Pharmacol 58(5):650–661, 2018. doi: 10.1002/jcph.1054

Metabolismo e eliminação

O metabolismo e a eliminação dos fármacos variam conforme a idade e dependem do substrato ou do fármaco, mas a maioria deles (notadamente fenitoína, barbituratos, analgésicos e glicosídeos cardíacos) apresenta meia-vida plasmática 2 a 3 vezes maior em neonatos do que em adultos.

No fígado e no intestino delgado, o sistema enzimático citocromo P-450 (CYP450) é o sistema conhecido mais importante para o metabolismo de fármacos. As enzimas CYP450 inativam os fármacos via:

  • Oxidação, redução e hidrólise (fase I do metabolismo)

  • Hidroxilação e conjugação (fase II do metabolismo)

A atividade do metabolismo de fase I é menor nos neonatos, aumenta progressivamente durante os primeiros 6 meses de vida, excede as taxas para adultos ao longo dos primeiros anos para alguns fármacos, desacelera na adolescência e, geralmente, alcança as taxas para adultos no final da puberdade. Entretanto, 2 a 4 semanas após o nascimento as taxas do metabolismo dos adultos podem ser alcançadas para alguns fármacos (p. ex., barbituratos, fenitoína). A atividade do CYP450 também pode ser induzida (reduzindo a concentração e o efeito do fármaco) ou inibida (aumentando a concentração e o efeito) por fármacos coadministrados. Interações medicamentosas entre fármacos coadministrados podem levar a toxicidade medicamentosa quando a atividade do CYP450 é inibida ou a um nível inadequado do fármaco quando a atividade do CYP450 é induzida. A dieta também pode afetar o desenvolvimento da atividade do CYP450 em crianças, como evidenciado pelas diferenças na atividade do CYP1A2 e CYP3A4 em lactentes alimentados com fórmula, comparados aos lactentes amamentados (1). Os rins, pulmões e pele também desempenham um papel no metabolismo de certos fármacos, assim como as enzimas intestinais que metabolizam fármacos em neonatos.

A fase II do metabolismo varia consideravelmente conforme o substrato. Há retardo na maturação de enzimas responsáveis pela conjugação de bilirrubina e paracetamol; as enzimas responsáveis pela conjugação da morfina estão totalmente maduras, mesmo em neonatos pré-termo.

Os metabólitos dos fármacos são eliminados primeiramente pela bile ou urina (ou seja, pelos rins). A eliminação renal depende de:

  • Proteína ligadora plasmática

  • Fluxo sanguíneo renal

  • Taxa de filtração glomerular

  • Secreção tubular

Todos esses fatores estão alterados nos primeiros 2 anos de vida. O fluxo plasmático renal está baixo ao nascimento (12 mL/min) e alcança níveis adultos de 140 mL/minuto por volta do 1º ano. Da mesma maneira, a taxa de filtração glomerular é de 2 a 4 mL/minuto ao nascimento (as taxas são menores em neonatos prematuros), aumenta para 8 a 20 mL/minuto em 2 a 3 dias e alcança níveis no adulto de 120 mL/minuto aos 8 a 12 meses (2). A secreção tubular também amadurece durante os primeiros anos de vida, e a capacidade dos túbulos renais de secretar eletrólitos e medicamentos melhora à medida que a criança cresce, atingindo níveis adultos por volta do primeiro ano de vida.

Referências sobre metabolismo e eliminação

  1. 1. Blake JB, Abdel-Rahman SM, Pearce RE, et al: Effect of diet on the development of drug metabolism by cytochrome P-450 enzymes in healthy infants. Pediatr Res 60(6):717–723, 2006. doi: 10.1203/01.pdr.0000245909.74166.00

  2. 2. Kearns GL, Abdel-Rahman SM, Alander SW, Blowey DL, Leeder JS, Kauffman RE: Developmental pharmacology--drug disposition, action, and therapy in infants and children. N Engl J Med 349(12):1157–1167, 2003. doi:10.1056/NEJMra035092

Dosagens dos fármacos

Por causa dos fatores mencionados, as doses dos fármacos em crianças < 12 anos são frequentemente dependentes da idade, do peso corporal ou de ambos. Essa consideração é prática, mas não é a ideal. Mesmo dentro de uma população com idades e pesos semelhantes, as necessidades podem ser diferentes por causa dos fatores de maturação na absorção, distribuição, metabolismo e eliminação. Portanto, sempre que possível, os ajustes de dose devem basear-se na concentração plasmática do fármaco (ressaltando que essa concentração pode não refletir a concentração no órgão-alvo). Infelizmente, isso não é praticável para a maioria dos fármacos. Entretanto, nos Estados Unidos, por causa do Best Pharmaceuticals for Children Act de 2001 e do Pediatric Research Equity Act de 2003 (ambos tornados permanentes em 2012 [1]), informações mais completas sobre a posologia, farmacocinética e segurança pediátricas estão disponíveis para mais de 900 fármacos para uso em crianças (2).

A modelagem farmacocinética baseada na fisiologia é uma técnica matemática que utiliza princípios conhecidos da bioquímica e da fisiologia para predizer como um fármaco será absorvido, distribuído, metabolizado e excretado. Os resultados dessa modelagem podem ajudar a corroborar as decisões sobre se, quando e como conduzir um ensaio clínico e podem ajudar a melhorar a segurança e a eficiência dos ensaios clínicos pediátricos.

Referências sobre dosagem de fármacos

  1. 1. Bourgeois FT, Kesselheim AS: Promoting pediatric drug research and labeling—Outcomes of legislation. N Engl J Med 381(9):875–881, 2019. doi: 10.1056/NEJMhle1901265

  2. 2.U.S. Food and Drug Administration (FDA): Best Pharmaceuticals for Children Act and Pediatric Research Equity Act status report (2020). Accessed June 4, 2025

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