Sífilis congênita

PorBrenda L. Tesini, MD, University of Rochester School of Medicine and Dentistry
Revisado/Corrigido: jul 2022
Visão Educação para o paciente

Sífilis congênita é uma infecção de múltiplos sistemas, causada pelo Treponema pallidum e transmitida ao feto pela placenta. Os sinais precoces são lesão de pele característica, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, má evolução ponderal, secreção nasal sanguinolenta, fissura perioral, meningite, coroidite, hidrocefalia, convulsões, retardo mental, osteocondrite e pseudoparalisia (atrofia de Parrot do recém-nascido). Os sinais tardios são úlcera gomosa, lesões periostais, paresias, tabes, atrofia óptica, queratite intersticial, surdez neurossensorial e deformidades dentárias. O diagnóstico é clínico e confirmado por microscopia ou sorologia. O tratamento é feito com penicilina.

( See also page Sífilis em adultos e Visão geral das infecções em recém-nascidos.)

O risco total de o feto ser infectado pela placenta é de cerca de 60 a 80%, e a probabilidade aumenta na 2ª metade da gestação. A sífilis materna não tratada, seja ela primária, seja ela secundária, é geralmente transmissível, porém, a forma terciária ou latente é transmissível apenas em cerca de 20% dos casos. Sífilis não tratada durante a gestação também está associada a risco significativo de natimortos e morte neonatal. A taxa de sífilis congênita nos Estados Unidos subiu drasticamente nos últimos anos, com um aumento acima de 500% nos casos desde 2010. Mais de 2.000 casos foram notificados em 2020, incluindo pelo menos 149 natimortos e mortes de lactentes (1). A sífilis congênita também se tornou geograficamente mais disseminada nos Estados Unidos e afeta de maneira desproporcional crianças em certos grupos raciais e minorias étnicas, sobretudo grupos de índios americanos ou nativos do Alasca; isso provavelmente reflete o acesso diferenciado a cuidados de saúde (1) em vez de predisposição intrínseca.

Em neonatos infectados, as manifestações da sífilis são classificadas como congênita precoce (isto é, nascimento até os 2 anos) e congênita tardia (isto é, após os 2 anos de idade).

Referência geral

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Disease Surveillance 2020: Preliminary 2021 Data: Syphilis.

Sinais e sintomas da sífilis congênita

Muitos pacientes são assintomáticos, e a doença pode permanecer clinicamente silenciosa durante toda a vida.

Sífilis congênita precoce geralmente se manifesta durante os primeiros 3 meses de vida. As manifestações incluem erupções vesiculobolhosas características ou exantema macular com coloração cúprica nas palmas das mãos e nas solas dos pés, lesões papulares ao redor do nariz, da boca e das áreas das fraldas e, ainda, lesões petequiais. Linfadenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia ocorrem com frequência. O lactente não ganha peso e apresenta secreção nasal mucopurulenta ou sanguinolenta causando fungação. Algumas crianças desenvolvem meningite, coroidite, hidrocefalia ou convulsões, e outras podem ainda ter retardo mental. Nos primeiros 8 meses de vida, surge osteocondrite (condroepifisite), especialmente em ossos longos e arcos costais, podendo provocar pseudoparalisia dos membros com alterações ósseas radiológicas características.

Sífilis congênita (exantema)
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Esta foto mostra exantema vesicular na palma da mão, axila e face de um recém-nascido com sífilis congênita.
© Springer Science+Business Media

Sífilis congênita tardia geralmente se manifesta após o 2º ano de vida e causa úlcera gomosa, com tendência ao envolvimento de nariz, septo e palato duro, e lesões periostais provocam a chamada tíbia em lâmina de sabre e bossa nos ossos parietais e frontal. A neurossífilis geralmente é assintomática, porém pode ocasionar paresia juvenil e tabes. Pode ocorrer atrofia óptica, que, algumas vezes, leva a cegueira. A lesão ocular mais comum é a queratite intersticial e ocorre, com frequência, como resultado da cicatrização da córnea. A surdez neurossensorial é geralmente progressiva e pode surgir em qualquer idade. Dentes incisivos de Hutchinson, molares “em amora”, fissuras periorais (rágades) e desenvolvimento anormal da maxila resultando na chamada face de “buldogue” são sequelas características, porém raras.

Manifestações da sífilis congênita tardia
Tíbia em lâmina de sabre
Tíbia em lâmina de sabre
A osteoperiostite da tíbia leva à lâmina de sabre característica nesse paciente com sífilis congênita.

Imagem cedida por cortesia de Robert Sumpter via Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.

Ceratite (intersticial)
Ceratite (intersticial)
Ceratite intersticial se manifesta com diferentes graus de opacificação e neovascularização corneanas. A neovasculariz... leia mais

© Springer Science+Business Media

Incisivos de Hutchinson
Incisivos de Hutchinson
Esta foto mostra deformidade em forma triangular dos incisivos superior direito e inferior esquerdo causada pela sífil... leia mais

Image courtesy of Robert E. Sumpter via Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.

Diagnóstico da sífilis congênita

  • Sífilis congênita precoce: avaliação clínica; microscopia em câmara escura das lesões e placenta ou cordão umbilical; testes séricos da mãe e neonato; possivel análise do líquido cefalorraquidiano

  • Sífilis congênita tardia: avaliação clínica, testes sorológicos da mãe e do recém-nascido

Sífilis congênita precoce

A suspeita diagnóstica de sífilis congênita precoce baseia-se usualmente na sorologia materna, realizada de rotina no início da gestação, com frequência no 3º trimestre e no parto. Os recém-nascidos de mães com evidência sorológica de sífilis devem ser submetidos a exame completo, as lesões de pele ou de mucosa examinadas em microscópio de câmara escura ou coloração imunofluorescente e teste sorológico quantitativo não treponemal (p. ex., reagina plasmática rápida [RPR], Venereal Disease Research Laboratory [VDRL]). O sangue de cordão não é utilizado para testes sorológicos, porque os resultados são menos sensíveis e menos específicos. A placenta ou o cordão umbilical deve ser analisado em microscópio de câmara escura ou coloração fluorescente para anticorpos, se dispónível.

Na punção lombar obtida dos recém-nascidos e crianças com sinais clínicos da doença ou testes sorológicos sugestivos, devem-se fazer punção lombar, análise do líquido cefalorraquidiano para a contagem de células, VDRL e proteínas, bem como hemograma completo com contagem de plaquetas, testes hepáticos; radiografia dos ossos longos; e outros testes clínicos como indicados (avaliação oftálmica, radiografias de tórax, neuroimagens e resposta auditiva do tronco cerebral).

A sífilis pode causar muitas anormalidades diferentes nas radiografia dos ossos longos, incluindo

  • Reações periosteais

  • Osteíte difusa ou localizada

  • Metafisite

A osteíte é às vezes descrita como "alterações difusas em comidas por traças da diáfise óssea." Metafisite comumente aparece como bandas lucentes ou densas que podem se alternar conferindo uma aparência de sanduíche ou de talo de salsão. O sinal de Wimberger consiste em erosões simétricas da tíbia superior, mas também pode haver erosões na metáfise dos outros ossos longos. Formação excessiva de calos nas extremidades dos ossos longos já foi descrita. Muitos recém-nascidos afetados têm mais de um desses achados.

O diagnóstico é confirmado pela visualização dos espiroquetas ao microscópio, a partir de amostras do neonato ou da placenta. A interpretação diagnóstica baseada na sorologia neonatal pode ser complicada pela transferência placentária dos anticorpos IgG maternos, o que pode levar a um teste positivo na ausência de infecção. No entanto, títulos neonatais para anticorpos não treponemais > 4 vezes os títulos maternos geralmente não resultam de transferência passiva, e o diagnóstico é confirmado ou altamente provável. A doença materna adquirida tardiamente na gestação pode ser transmitida antes que os anticorpos se desenvolvam. Portanto, nos recém-nascidos portadores de títulos baixos, porém com manifestações clínicas típicas, a sífilis também é considerada altamente provável. Em recém-nascidos sem sinais da doença ou com sorologia baixa ou negativa, considera-se a sífilis possível; a abordagem subsequente depende dos vários fatores maternos e neonatais (ver Acompanhamento).

A utilidade dos ensaios fluorescentes para IgM antitreponema, que não é transferido pela placenta, é controversa, mas esses ensaios são utilizados para detectar infecção neonatal. Qualquer teste não treponêmico positivo deve ser confirmado com um teste treponêmico específico para excluir resultados falso-positivos, mas o teste confirmatório não deve atrasar o tratamento em um recém-nascido sintomático ou neonato com alto risco de infecção.

Sífilis congênita tardia

O diagnóstico da sífilis congênita tardia é por história clínica, sinais físicos distintivos e sorologia positiva ( see also page Exames diagnósticos para sífilis). A tríade de Hutchinson da queratite intersticial, incisivos de Hutchinson e surdez envolvendo o 8º par craniano são diagnósticos. Algumas vezes, os testes sorológicos padrão não treponêmicos para a sífilis são negativos, mas o teste de absorção de anticorpo antitreponêmico fluorescente (FTA-ABS) é positivo. O diagnóstico deve ser considerado nos casos de surdez sem explicação, deterioração intelectual progressiva ou queratite.

Acompanhamento

Deve-se avaliar o VDRL ou a RPR, a cada 2 a 3 meses, de todos os lactentes soropositivos e daqueles cujas mães foram soropositivas, até que os testes se tornem não reagentes ou os títulos decresçam 4 vezes. Nos neonatos tratados com sucesso e não infectados, os títulos dos anticorpos não treponemais tornam-se geralmente não reagentes até os 6 meses. O anticorpo treponema adquirido passivamente pode estar presente por mais tempo, provavelmente 15 meses. É importante lembrar que seja utilizado o mesmo teste específico não treponêmico para monitorar os títulos nas mães, neonatos, recém-nascidos e crianças maiores ao longo do tempo.

Se o VDRL ou a RPR permanecer reagente após 6 a 12 meses de idade ou os títulos aumentarem, os lactentes devem ser reavaliados (incluindo punção lombar para análise do líquido cefalorraquidiano, hemograma completo com contagem de plaquetas, radiografia de ossos longos e outros testes que tiverem indicação clínica).

Tratamento da sífilis congênita

  • Penicilina parenteral

Gestantes

No início da sífilis, gestantes devem receber uma dose de penicilina G benzatina (2,4 milhões de unidades IM em uma única dose). Nas fases tardias da sífilis ou da neurossífilis, para não grávidas, deve-se seguir esquema terapêutico apropriado ( see page Sífilis terciária ou latente tardia). Ocasionalmente, após aplicação da medicação, pode ocorrer a grave reação de Jarisch-Herxheimer, levando ao aborto espontâneo. Os pacientes alérgicos a penicilina devem ser dessensibilizados e depois tratados com penicilina.

Após o tratamento adequado, os resultados de testes RPR e VDRL diminuem 4 vezes em 6 a 12 meses na maioria dos pacientes e tornam-se negativos em 2 anos em quase todos os pacientes. A eritromicina não é adequada para a mãe nem para o feto e, portanto, não é recomendada. A tetraciclina é contraindicada

Sífilis congênita precoce

Nos casos confirmados ou altamente prováveis, as 2021 Centers for Disease Control and Prevention (CDC) STI treatment guidelines, recomendam penicilina G cristalina aquosa 50.000 unidades/kg IV a cada 12 horas nos primeiros 7 dias de vida e, a seguir, a cada 8 horas, até o total de 10 dias ou penicilina G procaína 50.000 unidades/kg IM uma vez ao dia durante 10 dias ( see table Doses recomendadas de antibióticos parenterais selecionados para recém-nascidos). Se ≥ 1 dia de tratameto é perdido, todo o curso deve ser repetido. Esse regime também é recomendado para lactentes tidos como prováveis portadores de sífilis, se a mãe preencher qualquer um dos seguintes critérios:

  • Não tratado

  • Estado do tratamento desconhecido

  • Tratada por 4 semanas antes do parto

  • Tratada de modo inadequado (um regime sem penicilina)

  • Evidências maternas de recorrência ou reinfecção (≥ aumento de 4 vezes nos títulos maternos)

Nos lactentes com possível sífilis cujas mães não foram tratadas de forma adequada, mas que estão clinicamente bem e têm uma avaliação completamente negativa, uma única dose de 50.000 unidades/kg IM da penicilina benzatina é um tratamento alternativo em circunstâncias seletivas, mas apenas se o seguimento for assegurado.

Aos lactentes com diagnóstico provável de sífilis, cujas mães receberam tratamento adequado e que estão bem clinicamente, pode ser administrada dose única de penicilina benzatina 50.000 unidades/kg IM. Por outro lado, quando o seguimento é assegurado, alguns médicos preferem avaliar a sorologia mensalmente por 3 meses e depois até os 6 meses; antibióticos são administrados se os títulos se elevarem ou forem positivos aos 6 meses.

Lactentes maiores e crianças com diagnóstico recente de sífilis congênita

Antes de iniciar o tratamento, deve-se fazer análise do líquido cefalorraquidiano. O CDC recomenda que qualquer criança com sífilis congênita tardia seja tratada com penicilina G cristalina aquosa 50.000 unidades/kg IV a cada 4 a 6 horas, durante 10 dias. Uma única dose de penicilina G benzatina 50.000 unidades/kg IM também pode ser administrada após a conclusão da terapia IV. Alternativamente, se uma avaliação completa é totalmente negativa e a criança é assintomática, penicilina G benzatina 50.000 unidades/kg IM uma vez/semana por 3 doses pode ser utilizada.

Muitos pacientes não revertem para soronegatividade, mas diminuem em 4 vezes os títulos para anticorpos da reagina (p. ex., VDRL). Os pacientes devem ser reavaliados em intervalos regulares para assegurar que ocorreu uma resposta sorológica apropriada à terapia e que não há nenhuma indicação de recorrência.

A queratite intersticial é geralmente tratada com corticoide e gotas de atropina após consultar o oftalmologista. Pacientes com perda auditiva neurossensorial podem beneficiar-se do uso da penicilina mais corticoide, como prednisona 0,5 mg/kg por via oral uma vez ao dia durante 1 semana e, a seguir, 0,3 mg/kg uma vez ao dia durante 4 semanas, após o que a dose é diminuída gradualmente durante 2 a 3 meses. Não há avaliação criteriosa dos corticoides nessas condições.

Prevenção da sífilis congênita

Deve-se testar rotineiramente em gestantes a presença de sífilis no 1º trimestre e, se morarem em uma comunidade com altas taxas de sífilis ou tiverem qualquer fator de risco de sífilis, deve-se testá-las novamente no 3º trimestre e no momento do parto. Nos Estados Unidos, a maioria dos estados exige triagem no 1º trimestre de gestação e muitos também exigem testes posteriores (1). Em 99% dos casos, o tratamento adequado durante a gestação cura a mãe e o feto. Entretanto, em alguns casos, o tratamento tardio da sífilis na gestação elimina a infecção, mas não alguns sinas da doença que aparecem ao nascimento. O tratamento da mãe < 4 semanas antes do parto pode não erradicar a infecção fetal.

Quando a sífilis congênita é diagnosticada, os outros membros da família devem ser avaliados para evidências físicas e sorológicas da infecção. O retratamento da mãe em gestações subsequentes é necessário apenas se os títulos serológicos sugerem recorrência ou reinfecção. Mulheres que se mantêm soropositivas após tratamento adequado devem ter sido reinfectadas e devem ser reavaliadas. A mãe soronegativa e sem lesões, mas que teve exposição venérea a pessoa portadora de sífilis, deve ser tratada, pois há 25 a 50% de probabilidade de ela ter adquirido sífilis.

Referência sobre prevenção

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Diseases: State Statutory and Regulatory Language Regarding Prenatal Syphilis Screenings in the United States.

Pontos-chave

  • As manifestações da sífilis são classificadas como congênita precoce (do nascimento aos 2 anos de idade) e congênita tardia (após os 2 anos de idade).

  • O risco de transmissão da sífilis materna primária ou secundária é 60 a 80%; o risco de transmissão da sífilis terciária ou latente é cerca de 20%.

  • Diagnosticar clinicamente e por testes sorológicos da mãe e do recém-nascido; exame de campo escuro das lesões cutâneas e, às vezes, amostras da placenta e do cordão umbilical podem ajudar a diagnosticar precocemente a sífilis congênita.

  • Tratar com penicilina parenteral.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines (2021)

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