O álcool e as drogas ilícitas são tóxicos para a placenta e para o feto em desenvolvimento e podem provocar síndromes congênitas e sintomas de abstinência. Medicamentos prescritos também podem ter efeitos adversos sobre o feto (ver tabela Segurança de alguns medicamentos na gestação). A síndrome alcoólica fetal e os efeitos das drogas sociais e ilícitas sobre o feto são discutidos em outras partes.
Um feto que foi exposto a drogas ilícitas no útero pode se tornar dependente da droga durante a gestação. Portanto, a situação familiar deve ser avaliada para determinar se o lactente poderá ser cuidado com segurança após a alta. É importante compreender as jurisdições e leis locais porque muitos países e localidades têm diretrizes obrigatórias para notificações. Com o apoio de familiares, amigos e enfermeiros domiciliares, os pais podem ser capazes de cuidar do lactente. Caso contrário, pode ser melhor contar com os cuidados em casa de apoio ou um plano alternativo de atenção.
Anfetaminas
A exposição pré-natal às anfetaminas tem efeitos tênues permanentes sobre estruturas e funções cerebrais do neonato. Alguns estudos demonstraram diminuição do volume do caudato, do putame e do globo pálido (componentes anatômicos cerebrais) de crianças expostas a metanfetamina, ao passo que outros não confirmam esses achados (1).
Ainda, outros estudos indicam que a exposição pré-natal à metanfetamina pode estar associada a padrões de comportamento neurológico anormais ou prejuízo do crescimento fetal, dados esses não completamente confirmados.
Barbitúricos
O uso e prolongado de barbitúricos pela mãe pode provocar abstinência neonatal com nervosismo, irritabilidade e inquietação. Esses sintomas geralmente não se desenvolvem até 7 a 10 dias após o parto, depois que o neonato recebeu alta para casa.
Pode ser necessária a sedação com fenobarbital 0,75 a 1,5 mg/kg por via oral ou IM a cada 6 horas e, então, suspensa gradativamente durante alguns dias ou semanas, dependendo da duração dos sintomas.
Cocaína
A cocaína inibe a recaptação dos neurotransmissores noradrenalina e adrenalina, cruza a placenta e provoca vasoconstrição e hipertensão no feto. O uso de cocaína na gestação está associado a alta taxa de descolamento prematuro da placenta e aborto espontâneo, provocado talvez pela redução do fluxo sanguíneo materno para o leito vascular placentário; o descolamento da placenta também pode provocar a morte fetal intrauterina ou lesões neurológicas para o feto sobrevivente.
Um neonato nascido de mãe com transtorno por uso de substâncias apresenta baixo peso ao nascimento, redução do comprimento corporal e do perímetro cefálico e menores índices de Apgar. Pode ocorrer infarto cerebral, e anomalias raras associadas ao uso de cocaína pré-natal abrangem amputação dos membros, malformações genitourinárias, incluindo a síndrome de prune belly (ventre de ameixa seca) e atresia ou necrose intestinal. Todas são causadas pela ruptura vascular, possivelmente secundária à isquemia local provocada por intensa vasoconstrição das artérias fetais ocasionada pela cocaína. Além disso, tem-se observado um padrão de efeitos leves neurocomportamentais, incluindo diminuição da atenção e da vigilância, QI rebaixado e diminuição das habilidades motoras grossa e fina.
Alguns neonatos podem demonstrar sintomas de abstinência caso a mãe tenha utilizado cocaína próximo à ocasião do parto, porém os sintomas são menos graves e menos comuns que os da suspensão do opioide, e sinais e tratamento são os mesmos.
Maconha
A maconha não aumenta consistentemente o risco de malformações congênitas, deficit de crescimento fetal ou anormalidades do comportamento neurológico pós-natal. Entretanto, mulheres que usam canábis durante a gestação frequentemente também utilizam álcool, cigarros, cigarros eletrônicos (vapes) ou uma combinação destes, o que pode causar problemas fetais.
Opioides
A exposição ao opioide na vida uterina pode provocar abstinência após o parto. Deve-se observar o neonato de uma mulher que usou opioides cronicamente durante a gestação à procura de sintomas de abstinência (síndrome de abstinência narcótica [SAN]). A síndrome de abstinência narcótica geralmente ocorre depois de 72 horas do parto, embora muitas unidades neonatais observem crianças durante 4 ou 5 dias para certificarem-se de que não há sinais significativos de síndrome de abstinência narcótica.
Os sinais característicos da síndrome de abstinência narcótica incluem
Irritabilidade
Nervosismo
Hipertonicidade
Vômitos e/ou diarreia
Sudorese
Convulsões
Hiperventilação que causa alcalose respiratória
A exposição pré-natal a benzodiazepínicos pode provocar sinais semelhantes.
Existem muitos sistemas de classificação para ajudar a quantificar a gravidade da síndrome de abstinência narcótica (ver The Opioid Exposed Newborn: Assessment and Pharmacologic Management). Sintomas leves de síndrome de abstinência narcótica são tratados por alguns dias com enfaixamento e cuidados para acalmar e aliviar a hiperexcitação física e fornecimento frequente de alimentos para aliviar a irritabilidade. Com paciência, alguns problemas desaparecem em cerca de uma semana.
A abordagem de comer, dormir, consolar (ESC) para avaliação da síndrome de abstinência narcótica (2, 3) e cuidados são uma evolução promissora que é mais centrada na família. Essa abordagem foca nos cuidados com o bem-estar e envolvimento da família e, em muitos centros, inclui a acomodação conjunta com a mãe. Alguns estudos mostraram que a abordagem ESC diminui o tempo de internação e resulta em menor exposição do recém-nascido a opioides. Contudo, uma quantidade significativa de lactentes com síndrome de abstinência narcótica requer tratamento farmacológico, geralmente utilizando um opioide, às vezes com a adição de clonidina. Fenobarbital pode ajudar, mas agora é considerado tratamento de segunda linha. O tratamento é suspenso gradativamente por vários dias ou semanas dependendo do abrandamento dos sintomas; muitos recém-nascidos exigem até 5 semanas de terapia.
Não há consenso sobre o melhor fármaco, mas a maioria dos especialistas utiliza metadona, morfina, ou algumas vezes tintura de ópio. A dosagem baseia-se no peso do recém-nascido e na gravidade dos sintomas. Tipicamente, uma dose inicial é administrada e aumentada até os sintomas serem controlados e então reduzida lentamente (4).
O acréscimo de clonidina pode reduzir a duração do tratamento medicamentoso necessário em neonatos nascidos a termo. Mas a clonidina não deve ser administrada para neonatos pré-termo por causa do risco de bradicardia. Se clonidina é utilizada, deve-se monitorar pressão arterial à medida que a dose de clonidina é reduzida, porque pode haver hipertensão rebote.
A incidência de MSIL/síndrome da morte súbita do lactente é maior em lactentes nascidos de mulheres com transtorno por uso de opioides, mas ainda é baixa; portanto, não se recomenda o uso rotineiro de monitores cardiorrespiratórios domiciliares para esses lactentes.
Referências
1. Sanjari Moghaddam H, Mobarak Abadi M, Dolatshahi M, et al. Effects of Prenatal Methamphetamine Exposure on the Developing Human Brain: A Systematic Review of Neuroimaging Studies. ACS Chem Neurosci. 2021;12(15):2729-2748. doi:10.1021/acschemneuro.1c00213
2. Grisham LM, Stephen MM, Coykendall MR, et al: Eat, sleep, console approach: A family-centered model for the treatment of neonatal abstinence syndrome. Adv Neonatal Care 19(2):138–144, 2019. doi: 10.1097/ANC.0000000000000581
3. Dodds D, Koch K, Buitrago-Mogollon T, Horstmann S: Successful implementation of the eat sleep console model of care for infants with NAS in a community hospital. Hosp Pediatr 9(8):632–638, 2019. doi: 10.1542/hpeds.2019-0086
4. Hudak ML, Tan RC, The Committee on Drugs, The Committee on Fetus and Newborn: Neonatal drug withdrawal. Pediatrics 129:E540–E560, 2012. doi: 10.1542/peds.2011-3212
Informações adicionais
O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.
The Opioid Exposed Newborn: Assessment and Pharmacologic Management: Scoring systems to help quantify the severity of withdrawal
