Enterocolite necrosante

PorJaime Belkind-Gerson, MD, MSc, University of Colorado
Reviewed ByAlicia R. Pekarsky, MD, State University of New York Upstate Medical University, Upstate Golisano Children's Hospital
Revisado/Corrigido: modificado ago. 2025
v1088616_pt
Visão Educação para o paciente

A enterocolite necrosante é uma doença adquirida, principalmente de pré-termos ou neonatos enfermos, caracterizada por necrose da mucosa ou até mesmo profunda da mucosa intestinal. É a emergência gastrointestinal mais comum entre os neonatos. Os sinais e sintomas são intolerância alimentar, letargia, instabilidade térmica, íleo paralítico, edema, êmese biliar, hematoquezia, diminuição da consistência das fezes, apneia e, algumas vezes, sinais de sepse. O diagnóstico é clínico e confirmado por exames de imagem. O tratamento é primariamente de suporte feito por aspiração nasogástrica, hidratação parenteral, nutrição parenteral, antibióticos, isolamento em casos de infecção e, algumas vezes, cirurgia.

A grande maioria dos casos de enterocolite necrosante (ECN) ocorre em lactentes prematuros, dos quais 85% pesam < 1,5 kg ao nascimento ou nascem com < 32 semanas de idade gestacional (1). Relatou-se que a incidência de ECN varia entre 6% e 15% de todos os neonatos internados em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) (2, 3). 

Fatores de risco para enterocolite necrosante

Fatores de risco gerais para ECN, além de prematuridade incluem:

Três fatores intestinais geralmente estão presentes:

  • Lesão isquêmica anterior

  • Colonização bacteriana

  • Substrato intraluminal (isto é, alimentação enteral)

Referências gerais

  1. 1. Sharma R, Hudak ML. A clinical perspective of necrotizing enterocolitis: past, present, and future. Clin Perinatol. 2013;40(1):27-51. doi:10.1016/j.clp.2012.12.012

  2. 2. Alene T, Feleke MG, Yeshambel A, et al. Time to occurrence of necrotizing enterocolitis and its predictors among low birth weight neonates admitted at neonatal intensive care unit of felege hiwot compressive specialized hospital BahirDar, Ethiopia, 2021: A retrospective follow-up study. Front Pediatr. 2022;10:959631, 2022. doi:10.3389/fped.2022.959631

  3. 3. Caplan M, Portman R. Second Annual Neonatal Scientific Workshop at the EMA Report. London: International Neonatal Consortium, 2016.

Etiologia da enterocolite necrosante

A etiologia exata da ECN não está esclarecida. Entretanto, o aumento da permeabilidade e a imaturidade funcional imunitária do trato intestinal imaturo são fatores predisponentes. Acredita-se que agravos isquêmicos possam lesar a mucosa intestinal, permitindo o aumento da permeabilidade e deixando o intestino suscetível a invasão bacteriana. A enterocolite necrosante raramente ocorre antes de a alimentação enteral ter começado e é menos comum entre lactentes amamentados no peito. No entanto, uma vez iniciada a alimentação, amplos substratos estão presentes para proliferação de bactérias no lúmen intestinal, os quais podem penetrar na parede intestinal lesada, produzindo gás hidrogênio. O gás pode ficar dentro da parede intestinal (pneumatosis intestinalis) ou entrar na veia porta. A disbiose (alteração do microbioma intestinal), como a que ocorre após o tratamento com antibióticos ou antiácidos, também pode ser um fator de contribuição por aumentar o número de bactérias potencialmente patogênicas.

A agressão isquêmica inicial pode resultar do vasoespasmo das artérias mesentéricas, que pode ser provocado por uma agressão anóxica, desencadeando o primitivo reflexo que diminui acentuadamente o fluxo de sangue intestinal. A isquemia intestinal também pode resultar de baixo fluxo sanguíneo durante uma exsanguinotransfusão, durante uma sepse ou a partir do uso de fórmulas hiperosmolares. De modo semelhante, a cardiopatia congênita com fluxo sanguíneo sistêmico reduzido ou dessaturação do oxigênio arterial pode levar a hipóxia intestinal/isquemia e predispor a enterocolite necrosante, mesmo em recém-nascidos a termo.

A enterocolite necrosante pode ocorrer em casos agrupados ou em surtos nas unidades de tratamento intensivo neonatal. Alguns agrupamentos parecem estar associados a organismos específicos (p. ex., Klebsiella, Escherichia coli, estafilococo coagulase-negativo, Pseudomonas, Clostridioides difficile), mas geralmente nenhum agente patogênico é identificado.

Sinais e sintomas de enterocolite necrosante

Os lactentes podem apresentar dificuldades para se alimentar, resíduos gástricos sanguinolentos ou biliosos (após alimentação) que podem progredir para êmese biliosa, íleo manifestado por distensão abdominal, descoloração da pele abdominal ou sangue aparente nas fezes.

A sepse pode manifestar-se por letargia, instabilidade térmica, aumento de surtos de apneia e acidose metabólica.

Complicações da enterocolite necrosante

A necrose começa na mucosa e pode progredir e envolver toda a espessura da parede intestinal, causando perfuração intestinal com peritonite subsequente e liberação de ar na cavidade intra-abdominal. A perfuração geralmente acomete o íleo terminal; o colo e o intestino delgado proximal são envolvidos com menor frequência.

Em estudos de coorte retrospectivos, 24 a 42% dos lactentes com ECN desenvolveram sepse (1, 2). Em uma revisão sistemática, a morte ocorreu em aproximadamente 23% de todos os lactentes com ECN confirmada, e em 40% dos lactentes pesando < 1000 g (3).

As estenoses intestinais são uma complicação comum a longo prazo da enterocolite necrosante, ocorrendo em 10 a 36% dos lactentes que sobrevivem ao evento inicial (4). As estenoses manifestam-se tipicamente 2 a 3 meses depois de um episódio de enterocolite necrosante. As estenoses são mais comuns no colo, especialmente do lado esquerdo.

Insuficiência intestinal decorrente de síndrome do intestino curto desenvolve-se em até 15 a 35% dos lactentes tratados cirurgicamente para ECN (3, 5).

A deficiência do neurodesenvolvimento também é uma complicação comum a longo prazo da ECN, ocorrendo em 25 a 61% dos lactentes (3).

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Garg PM, Paschal JL, Ansari MAY, Block D, Inagaki K, Weitkamp JH. Clinical impact of NEC-associated sepsis on outcomes in preterm infants. Pediatr Res. 2022;92(6):1705-1715. doi:10.1038/s41390-022-02034-7

  2. 2. Zouari M, Ben Ameur H, Ben Saad N, et al. Predictive Factors for Mortality in Pre-Term Neonates with Necrotizing Enterocolitis: A Retrospective Cohort Study. Surg Infect (Larchmt). 2023;24(1):52-57. doi:10.1089/sur.2022.266

  3. 3. Jones IH, Hall NJ. Contemporary Outcomes for Infants with Necrotizing Enterocolitis-A Systematic Review. J Pediatr. 2020;220:86-92.e3. doi:10.1016/j.jpeds.2019.11.011

  4. 4. Hau EM, Meyer SC, Berger S, et al. Gastrointestinal sequelae after surgery for necrotising enterocolitis: A systematic review and meta-analysis. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2019;104(3):F265-F273. doi:10.1136/archdischild-2017-314435

  5. 5. Fredriksson F, Engstrand Lilja H. Survival rates for surgically treated necrotising enterocolitis have improved over the last four decades. Acta Paediatr. 2019;108(9):1603-1608. doi:10.1111/apa.14770

Diagnóstico de enterocolite necrosante

  • Detecção de sangue nas fezes

  • Radiografias do abdome

  • Ultrassom

  • Exames laboratoriais e hemocultura

Às vezes, é detectado sangue nas fezes.

As radiografias realizadas prematuramente podem não ser específicas e revelar apenas a presença de íleo. Entretanto, uma alça intestinal dilatada e fixa (alça sentinela) que não muda em radiografias repetidas leva a alta suspeita de ECN. Os sinais radiográficos diagnósticos de enterocolite necrosante são pneumatosis intestinalis e gás na veia porta. Pneumoperitônio revela perfuração intestinal com indicação cirúrgica de urgência.

A enterocolite necrosante pode ser estadiada como (1, 2):

  • Estágio 1 (suspeito): sinais sistêmicos ou gastrointestinais leves com ou sem fezes sanguinolentas

  • Estágio 2 (definido ou confirmado): sinais sistêmicos ou gastrointestinais moderados a graves

  • Estágio 3 (avançado): sinais sistêmicos e gastrointestinais graves, com ou sem perfuração e pneumoperitônio

Os exames laboratoriais incluem hemograma completo e marcadores inflamatórios (p. ex., proteína C-reativa, velocidade de sedimentação dos eritrócitos), bem como hemocultura para orientar a antibioticoterapia.

O diagnóstico diferencial para ECN avançada com perfuração inclui perfuração intestinal espontânea. A perfuração intestinal espontânea é uma condição distinta que também ocorre em neonatos prematuros e que é mais localizada e ocorre sem a inflamação generalizada vista na ECN (3).

Características radiológicas da enterocolite necrosante
Ocultar detalhes

Essa imagem mostra pneumatose intestinal (parte superior, setas) e gás na veia porta (parte inferior, seta).

By permission of the publisher. From Langer J: Gastroenterology and Hepatology: Pediatric Gastrointestinal Problems. Edited by M Feldman (series editor) and PE Hyman. Philadelphia, Current Medicine, 1997.

A ultrassonografia é cada vez mais utilizada nos casos de enterocolite necrosante. Com a ultrassonografia, os médicos podem observar a espessura da parede intestinal, a pneumatose intestinal e o fluxo sanguíneo. Essa técnica, porém, depende muito da experiência do médico que faz o exame, e as radiografias simples ainda são mais utilizadas.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Juhl SM, Hansen ML, Gormsen M, Skov T, Greisen G. Staging of necrotising enterocolitis by Bell's criteria is supported by a statistical pattern analysis of clinical and radiological variables. Acta Paediatr. 2019;108(5):842-848. doi:10.1111/apa.14469

  2. 2. Bell MJ, Ternberg JL, Feigin RD, et al. Neonatal necrotizing enterocolitis. Therapeutic decisions based upon clinical staging. Ann Surg. 1978;187(1):1-7. doi:10.1097/00000658-197801000-00001

  3. 3. Dantes G, Keane OA, Do L, et al. Clinical Predictors of Spontaneous Intestinal Perforation vs Necrotizing Enterocolitis in Extremely and Very Low Birth Weight Neonates. J Pediatr Surg. 2024;59(11):161608. doi:10.1016/j.jpedsurg.2024.06.017

Tratamento da enterocolite necrosante

  • Interrupção da alimentação

  • Aspiração nasogástrica

  • Reanimação hídrica

  • Antibióticos de amplo espectro

  • Nutrição parenteral (NP)

  • Algumas vezes, cirurgia ou drenagem percutânea

A taxa de mortalidade é de aproximadamente 25% em casos confirmados em geral, 35% em lactentes que requerem cirurgia e 40% em lactentes com peso ao nascimento < 1 kg (1). Medidas intensivas de suporte e tempo criterioso para a intervenção cirúrgica maximizam a chance de sobrevivência.

Suporte

Suporte não cirúrgico é suficiente em aproximadamente 50 a 75% dos casos (2). Se houver suspeita de enterocolite necrosante, a alimentação deve ser suspensa imediatamente e feita a descompressão do intestino com sonda nasogástrica de dupla luz, conectada à bomba de sucção intermitente. Para ajudar a circulação, devem-se administrar líquidos, por via parenteral, que contenham coloides e cristaloides apropriados, uma vez que a extensa inflamação intestinal e a peritonite podem ocasionar considerável perda líquida no 3º espaço.

É preciso fazer nutrição parenteral por 10 a 14 dias, enquanto o intestino se recupera.

Antibióticos sistêmicos devem ser iniciados imediatamente, com um antibiótico betalactâmico (p. ex., ampicilina, piperacilina/tazobactam) e um aminoglicosídio (p. ex., gentamicina, amicacina). Deve-se também considerar cobertura adicional para anaeróbios (p. ex., metronidazol) (3). Os antibióticos devem ser continuados por 10 a 14 dias. Como alguns surtos podem ser infecciosos, o paciente deve ser isolado, particularmente se vários casos ocorrerem a curto prazo.

O lactente precisa de monitoramento e reavaliação completa frequentes (p. ex., pelo menos a cada 12 horas), radiografia abdominal seriada, hemograma, incluindo contagem de plaquetas e gasometria.

Cirurgia

A intervenção cirúrgica é necessária em aproximadamente 25 a 50% dos lactentes (2). As indicações absolutas são perfuração intestinal (pneumoperitônio), sinais de peritonite (frequentemente ausentes no NEC, mas incluem ruídos intestinais ausentes e dolorimento e reação de defesa difusa ou eritema e edema da parede abdominal) ou aspiração de material purulento da cavidade abdominal mediante paracentese. A cirurgia deve ser considerada para o lactente com enterocolite necrosante, cujo quadro clínico e laboratorial agrava apesar das medidas não cirúrgicas de suporte.

A drenagem peritoneal percutânea primária é uma opção e pode ser feita à beira do leito. Nesse procedimento, o cirurgião faz uma incisão no quadrante inferior direito através da qual o abdome é irrigado com soro fisiológico morno. Um dreno é então colocado para permitir a drenagem contínua do abdome. Quando não há mais drenagem, o dreno pode ser puxado, um pouco a cada dia, e por fim ser removido. Esse procedimento é feito mais comumente em lactentes graves com peso extremamente baixo (< 1 kg) ao nascimento que estariam em risco se levados para o centro cirúrgico; entretanto, pode estar associado a maior ocorrência de morte. Alguns pacientes submetidos à drenagem peritoneal percutânea requerem cirurgia adicional.

Para os lactentes que fazem laparotomia, durante a cirurgia o intestino gangrenado é ressecado e são feitas ostomias. (Reanastomose primária pode ser realizada se o intestino remanescente não mostrar sinais de isquemia.) Com a resolução da sepse e da peritonite, pode-se restabelecer a continuidade intestinal semanas ou meses mais tarde.

As estenoses secundárias à ECN requerem ressecção.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Jones IH, Hall NJ. Contemporary Outcomes for Infants with Necrotizing Enterocolitis-A Systematic Review. J Pediatr. 2020;220:86-92.e3. doi:10.1016/j.jpeds.2019.11.011

  2. 2. Robinson JR, Rellinger EJ, Hatch LD, et al. Surgical necrotizing enterocolitis. Semin Perinatol. 2017;41(1):70-79. doi:10.1053/j.semperi.2016.09.020

  3. 3. Roberts AG, Younge N, Greenberg RG. Neonatal Necrotizing Enterocolitis: An Update on Pathophysiology, Treatment, and Prevention. Paediatr Drugs. 2024;26(3):259-275. doi:10.1007/s40272-024-00626-w

Prevenção da enterocolite necrosante

Lactentes de risco devem ser alimentados preferencialmente com leite materno e o aleitamento deve começar com pequenas quantidades que são gradualmente aumentadas de acordo com protocolos padronizados (1). (Fórmulas para neonatos pré-termo são um substituto apropriado se o leite materno não está disponível.) Fórmulas hipertônicas, medicamentos ou material contrastado devem ser evitados. Deve-se tratar imediatamente anemias, baixas saturações de oxigênio e policitemias. Em particular, sempre que possível, antibióticos e medicamentos supressores de ácido devem ser evitados.

Probióticos (p. ex., Bifidus infantis, Lactobacillus acidophilus) podem ajudar a prevenir a enterocolite necrosante, mas são necessários mais estudos para determinar a dose ideal e as cepas apropriadas antes do uso de rotina (2, 3).

Corticoides podem ser administrados para as gestantes com risco de parto pré-termo a fim de ajudar a prevenir a enterocolite necrosante (4).

Referências sobre prevenção

  1. 1. Quigley M, Embleton ND, Meader N, McGuire W. Donor human milk for preventing necrotising enterocolitis in very preterm or very low-birthweight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2024;9(9):CD002971. Publicado em 2024 Set 6. doi:10.1002/14651858.CD002971.pub6

  2. 2. van den Akker CHP, van Goudoever JB, Shamir R, et al. Probiotics and preterm infants: A position paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition Committee on Nutrition and the European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition Working Group for Probiotics and Prebiotics. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020;70(5):664–680. doi:10.1097/MPG.0000000000002655

  3. 3. Razak A, Patel RM, Gautham KS. Use of Probiotics to Prevent Necrotizing Enterocolitis: Evidence to Clinical Practice. JAMA Pediatr. 2021;175(8):773-774. doi:10.1001/jamapediatrics.2021.1077

  4. 4. Xiong T, Maheshwari A, Neu J, et al. An overview of systematic reviews of randomized-controlled trials for preventing necrotizing enterocolitis in preterm infants. Neonatology. 2016;13:1–11. doi:10.1159/000504371

Pontos-chave

  • Enterocolite necrosante (ECN) é necrose intestinal de etiologia incerta; ocorre principalmente em pré-termo ou neonatos enfermos após o início da alimentação enteral.

  • As complicações são a perfuração intestinal (mais frequentemente no íleo terminal) e a peritonite; sepse ocorre em 24% a 42% dos casos e evolui para óbito em 23% dos casos.

  • As manifestações iniciais são dificuldades para se alimentar, resíduos gástricos sanguinolentos ou biliosos (após alimentação) seguidos de êmese biliosa, distensão abdominal ou descoloração da pele abdominal, e/ou sangue aparente nas fezes.

  • Diagnosticar utilizando radiografias simples.

  • O tratamento de suporte utilizando reposição volêmica, aspiração nasogástrica, antibióticos de amplo espectro e nutrição parenteral é eficaz em 50 a 75% dos casos.

  • É necessária cirurgia para fazer a ressecção do intestino gangrenoso e tratar a perfuração em aproximadamente 25 a 50% dos lactentes.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
ANDROID iOS
ANDROID iOS
ANDROID iOS