A síndrome de repolarização precoce é uma doença genética da função do canal iônico do cardiomiócito (canalopatia). Os pacientes têm predisposição à taquicardia ventricular (TV) polimórfica e fibrilação ventricular (FV). O diagnóstico é realizado por ECG. Alguns pacientes exigem cardiodesfibrilador implantável (CDI).
(Ver também Visão geral das arritmias e Visão geral das canalopatias.)
A repolarização precoce refere-se a achados no ECG que normalmente incluem uma elevação do ponto J ≥ 0,1 mV, muitas vezes com aparência indistinta ou entalhada, seguida de elevação do segmento ST em 2 ou mais derivações contíguas. Esse padrão de ECG não é incomum, já que ocorre em cerca de 5% a 10% da população, especialmente em homens, pacientes mais jovens e atletas. A maioria das pessoas com esse padrão ECG de repolarização precoce não apresenta arritmias. Entretanto, a repolarização precoce é substancialmente mais comum em sobreviventes de fibrilação ventricular (FV) aparentemente idiopática; a síndrome de repolarização precoce refere-se a pessoas com repolarização precoce no ECG que também tiveram arritmias ventriculares sintomáticas. O risco de arritmia é maior quando o padrão de repolarização precoce está nas derivações inferiores, derivações laterais ou em ambas.
A síndrome de repolarização precoce parece resultar de mutações que produzem
Ganho da função nos canais de corrente de saída de potássio da célula OU
Perda da função dos canais de entrada de sódio ou cálcio da célula
Essas alterações nos canais iônicos aumentam os gradientes normais de voltagem transmural durante a fase de platô do potencial de ação. Esses gradientes produzem uma elevação da onda J e do ponto J no ECG e predispõem a taquicardias ventriculares polimórficas que podem se degenerar em uma fibrilação ventricular. Antes da TV/FV, o padrão de repolarização precoce pode se tornar mais exagerado e a TV/FV pode ser precipitada por um episódio de isquemia miocárdica. A TV polimórfica é frequentemente iniciada por uma sequência de intervalos RR curto-longo-curto (embora essa sequência não seja específica da síndrome de repolarização precoce): o primeiro intervalo RR curto ocorre entre um batimento de base (geralmente um batimento normal) e um batimento prematuro (em geral, um batimento ventricular prematuro). O intervalo RR longo é a pausa pós-extra-sistólica e termina com um batimento de base (geralmente, um batimento normal). Essa pausa é seguida por um intervalo RR curto quando a TV começa.
A síndrome de repolarização precoce parece ser hereditária, mas mutações genéticas específicas da doença são raramente identificadas, sugerindo que ela frequentemente é poligênica.
As arritmias ventriculares podem provocar palpitações e/ou parada cardíaca. Pode ocorrer síncope, mas esta é rara, pois a TV que ocorre com a síndrome de repolarização precoce raramente se autoextingue (ao contrário de alguns outras doenças que causam TV nas quais a síncope é mais comum).
Diagnóstico da síndrome de repolarização precoce
Manifestações clínicas e eletrocardiográficas características
Triagem clínica dos familiares de primeiro grau
Deve-se considerar o diagnóstico em pacientes com taquicardia ventricular polimórfica, fibrilação ventricular ou parada cardíaca súbita (ou história familiar desses eventos na ausência de cardiopatia estrutural) e que também têm alterações no ECG mostrando um padrão de repolarização precoce inferior e/ou lateral. O achado típico no ECG da repolarização precoce é a elevação do ponto J ≥ 1 mm (≥ 0,1 mV), seguida de elevação do segmento ST em duas ou mais derivações contíguas inferiores e/ou laterais.
Como defeitos genéticos específicos são raramente identificados, geralmente não se recomenda a pacientes ou familiares a realização de testes genéticos. Entretanto, os familiares de primeiro grau devem passar por avaliação clínica e ECG.
Tratamento da síndrome de repolarização precoce
Cardioversor desfibrilador implantável (CDI) se sintomático
Para pacientes assintomáticos com padrão ECG de repolarização precoce e sem história familiar de morte súbita, nenhum tratamento é recomendado porque esses pacientes apresentam risco muito baixo.
Pacientes que tiveram uma parada cardíaca ou que apresentaram FV ou TV polimórfica têm alto risco e devem usar um CDI. Deve-se considerar o uso de um CDI em determinados pacientes com padrão ECG de repolarização precoce e outras características específicas de alto risco (1).
Quando for necessário suprimir as descargas frequentes do CDI, a quinidina, que bloqueia a corrente de saída de potássio que pode estar aumentada na síndrome de repolarização precoce, pode ser eficaz. O isoproterenol IV pode ser útil em pacientes com múltiplos episódios de arritmias ventriculares em sucessão rápida (tempestade elétrica).
Referência sobre o tratamento
1. Priori SG, Wilde AA, Horie M, et al: HRS/EHRA/APHRS expert consensus statement on the diagnosis and management of patients with inherited primary arrhythmia syndromes: document endorsed by HRS, EHRA, and APHRS in May 2013 and by ACCF, AHA, PACES, and AEPC in June 2013. Heart Rhythm 10:1932–1963, 2013. doi: 10.1016/j.hrthm.2013.05.014