A deficiência de vitamina D é comum no mundo todo. Ela é uma causa comum de raquitismo e osteomalacia, mas essas doenças também podem resultar de outras condições, como doenças renais crônicas, vários distúrbios tubulares renais, raquitismos familiares hipofosfatêmicos (resistentes à vitamina D), acidose metabólica crônica, hiperparatireoidismo, hipoparatireoidismo, ingestão inadequada de cálcio e doenças ou fármacos que prejudicam a mineralização da matriz óssea.
A deficiência de vitamina D causa hipocalcemia, a qual estimula a produção de paratormônio (PTH, parathyroid hormone), causando hiperparatireoidismo. O hiperparatireoidismo aumenta a absorção, mobilização óssea e conservação renal de cálcio, mas diminui a excreção de fosfato. Como resultado, o nível sérico de cálcio pode ser normal, mas, em decorrência da hipofosfatemia, a mineralização óssea é prejudicada.
Fisiologia
A vitamina D tem 2 formas principais:
A vitamina D3 é sintetizada na pele pela exposição à luz solar direta (radiação ultravioleta B) e obtida na alimentação principalmente de óleos de fígado de peixe e peixes de água salgada (ver tabela Fontes, funções e efeitos das vitaminas). Em alguns países desenvolvidos, leite e outros alimentos são fortificados com vitamina D. O leite humano é pobre em vitamina D, contendo em média apenas 10% da quantidade do leite de vaca fortificado.
Os níveis de vitamina D podem diminuir com a idade porque a síntese cutânea piora. O uso de protetor solar e a pigmentação escura da pele também reduzem a síntese de vitamina D.
A vitamina D é um pró-hormônio com vários metabólitos ativos que atuam como hormônios. A vitamina D é metabolizada pelo fígado em 25(OH)D (calcifediol, calcidiol, 25-hidroxicolecalciferol ou 25-hidroxivitamina D), que a seguir é convertida pelo rim em 1,25-di-hidroxivitamina D, (1,25-di-hidroxicolecalciferol, calcitriol ou hormônio ativo da vitamina D). A principal forma circulante, 25(OH)D, apresenta atividade metabólica, mas 1,25-di-hidroxivitamina D é mais metabolicamente ativa. A conversão em 1,25-di-hidroxivitamina D é regulada pela sua própria concentração, concentrações de paratormônio (PTH) e cálcio e fosfato séricos.
A vitamina D age em vários órgãos e sistemas (ver tabela Atividades da vitamina D e seus metabólitos), mas primariamente aumenta a absorção de cálcio e fósforo pelo intestino e promove formação e mineralização ósseas normais.
A vitamina D e análogos relacionados podem ser utilizados para tratar psoríase, hipoparatireoidismo e osteodistrofia renal. A utilidade da vitamina D para prevenir a leucemia e o câncer de mama, próstata e cólon não foi comprovada, nem sua eficácia para tratar outras doenças não ósseas (1, 2) ou prevenir quedas (3, 4, 5) em idosos. Está sendo estudado se a suplementação de vitamina D é ou não útil para a prevenção de fraturas nos idosos, frágeis ou saudáveis (6).
(Ver também Visão geral das vitaminas.)
Atividades da vitamina D e seus metabólitos
Referências gerais
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1. Autier P, Mullie P, Macacu A, et al: Effect of vitamin D supplementation on non-skeletal disorders: A systematic review of meta-analyses and randomised trials. Lancet Diabetes Endocrinol 5 (12):986–1004, 2017. doi: 10.1016/S2213-8587(17)30357-1.
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2. Manson JE, Cook NR, Lee IM, et al: Vitamin D supplements and prevention of cancer and cardiovascular disease. N Engl J Med 380(1):33-44, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1809944.
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3. Cummings SR, Kiel DP, Black DM: Vitamin D supplementation and increased risk of falling: A cautionary tale of vitamin supplements retold. JAMA Intern Med 176 (2):171–172, 2016.
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4. Uusi-Rasi K, Patil R, Karinkanta S, Kannus P, et al: Exercise and vitamin D in fall prevention among older women: A randomized clinical trial. JAMA Intern Med 75 (5):703–711, 2015.
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5. LeBlanc ES, Chou R: Vitamin D and falls—Fitting new data with current guidelines. JAMA Intern Med 175 (5):712–713, 2015.
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6. Zhao JG, Zeng XT, Wang J, Liu L: Association between calcium or vitamin D supplementation and fracture incidence in community-dwelling older adults: A systematic review and meta-analysis. JAMA 318:2466–2482, 2017.
Etiologia
A deficiência de vitamina D pode resultar dos fatores descritos a seguir:
Exposição ou ingestão inadequada
Exposição à luz solar e ingestão inadequadas geralmentepodem ocorrer simultaneamente, resultando em deficiência clínica. As pessoas suscetíveis incluem
Reservas inadequadas de vitamina D são comuns em idosos, em particular naqueles que estão em casas de repouso, institucionalizados ou hospitalizados, ou que tiveram fratura de quadril.
Recomenda-se 5 a 15 minutos de exposição à luz solar (dose suberitema) nos membros superiores e inferiores, ou rosto, braços e mãos, pelo menos 3 vezes por semana. Contudo, muitos dermatologistas não recomendam o aumento da exposição à luz solar porque o risco de câncer de pele aumenta.
Absorção reduzida
Má absorção pode privar o organismo da vitamina D da dieta; apenas uma pequena quantidade de 25(OH)D submete-se a recirculação êntero-hepática.
Metabolismo anormal
A deficiência de vitamina D pode resultar de defeitos na produção de 25(OH)D ou 1,25-di-hidroxivitamina D. Pessoas com doença renal crônica comumente desenvolvem raquitismo ou osteomalacia em decorrência da diminuição da produção renal de 1,25-di-hidroxivitamina D e dos níveis elevados de fosfato. Disfunção hepática também pode interferir na produção de metabólitos ativos da vitamina D.
O raquitismo hereditário dependente de vitamina D tipo I é uma alteração autossômica recessiva caracterizada pela ausência ou conversão defeituosa de 25(OH)D em 1,25-di-hidroxivitamina D nos rins. A hipofosfatemia familiar ligada ao cromossomo X reduz a síntese renal de vitamina D.
Muitos anticonvulsivantes e uso de glicocorticoides aumentam a necessidade de suplementação de vitamina D.
Resistência aos efeitos da vitamina D
O raquitismo hereditário dependente de vitamina D tipo II apresenta-se de várias formas e decorre de mutações no receptor da 1,25-di-hidroxivitamina D. Esse receptor afeta o metabolismo intestinal, renal, ósseo e de outras células. Embora 1,25-di-hidroxivitamina D seja abundante, é ineficaz porque o receptor não é funcional.
Sinais e sintomas
A deficiência de vitamina D pode causar dores musculares, fraqueza muscular e dor óssea em qualquer idade.
A deficiência de vitamina D em gestantes provoca deficiência no feto. Ocasionalmente, a deficiência grave é suficiente para causar osteomalacia materna, resultando em raquitismo com lesões nas metáfises no recém--nascido.
Em crianças jovens, o raquitismo causa amolecimento de todo o crânio (craniotabes). Quando palpados, os ossos parietais posteriores e occipitais assemelham-se a uma bola de pingue-pongue.
Em crianças mais velhas com raquitismo, o sentar e o engatinhar são tardios, assim como o fechamento da fontanela; há espessamento cranial e costocondral. O espessamento costocondral assemelha-se a proeminências com pérolas ao longo da parede pulmonar lateral (rosário raquítico).
Em crianças de 1 a 4 anos, alarga-se a cartilagem da epífise nas extremidades do rádio, da ulna, da tíbia e da fíbula; o andar é tardio e desenvolve-se cifoescoliose.
Em crianças mais velhas e adolescentes, o andar é doloroso; em casos extremos, podem ocorrer deformidades como joelho varo e joelho valgo. Os ossos pélvicos podem se achatar, estreitando o canal de nascimento em meninas adolescentes.
Tetania raquítica é causada por hipocalcemia e pode acompanhar deficiência de vitamina D em adultos e crianças. A tetania pode produzir parestesia de lábios, língua e dedos; espasmo facial e carpopedal; e, se muito grave, convulsões. Deficiência materna pode causar tetania em recém-nascidos.
A osteomalacia predispõe a fraturas. Em idosos, traumas mínimos podem causar fratura do quadril.
Diagnóstico
Pode-se suspeitar de deficiência de vitamina D com base em qualquer um dos seguintes:
Radiografias do rádio e da ulna e níveis séricos de cálcio, fosfato, fosfatase alcalina, paratormônio (PTH, parathyroid hormone) e 25(OH)D são necessários para diferenciar a deficiência de vitamina D de outras causas da desmineralização óssea.
A avaliação do estado de vitamina D e testes sorológicos para sífilis podem ser considerados para lactentes com craniotabes com base na história e exame físico, mas a maioria dos casos de craniotabes desaparece espontaneamente. Pode-se distinguir o raquitismo da condrodistrofia porque esta se caracteriza por cabeça grande, membros curtos, ossos espessos e níveis séricos normais de cálcio, fosfato e fosfatase alcalina.
Tetania decorrente de raquitismo infantil pode ser clinicamente indiferenciável de convulsões provocadas por outras causas. Testes sanguíneos e história clínica podem ajudar na distinção.
Radiografias
Alterações ósseas, vistas em radiografias, precedem os sinais clínicos. No raquitismo, as alterações são mais evidentes nos membros inferiores do rádio e da ulna. As terminações das diáfises perdem seu contorno pontudo e claro; são em formato de xícara e mostram uma rarefação manchada ou em franja. Mais tarde, como as partes finais do rádio e da ulna tornam-se não calcificadas e radiolucentes, a distância entre eles e o metacarpo parece ser maior. A matriz óssea também se torna radiolucente. As deformidades características resultam da inclinação dos ossos na junção da diáfise com a cartilagem porque a diáfise está enfraquecida. Com a consolidação, uma fina linha branca de calcificação aparece na epífise, tornando-se mais densa e espessa à medida que a calcificação evolui. Mais tarde, a matriz óssea torna-se calcificada e opaca no nível subperiosteal.
Em adultos, radiografias evidenciam desmineralização óssea, em particular na espinha, pelve e membros inferiores; as lâminas fibrosas também podem ser vistas e aparecem no córtex áreas incompletas de desmineralização parecidas com faixas (pseudofraturas, linhas de Looser, síndrome de Milkman).
Exames laboratoriais
Como os níveis séricos de 25(OH)D refletem as reservas de vitamina D do corpo e se correlacionam com sinais e sintomas da deficiência de vitamina D de uma maneira melhor do que os níveis de outros metabólitos de vitamina D, considera-se que a melhor maneira de diagnosticar a deficiência de vitamina D geralmente é
Os níveis alvo de 25(OH)D são > 20 a 24 ng/mL (cerca de 50 a 60 nmol/L) para saúde óssea máxima; permanece incerto se níveis mais elevados têm outros benefícios, e maior absorção de cálcio pode aumentar o risco de doença coronariana.
Se o diagnóstico for incerto, podem-se mensurar os níveis séricos de 1,25-di-hidroxivitamina D e a concentração urinária de cálcio. Em deficiências graves, o nível sérico de 1,25-di-hidroxivitamina D é anormalmente baixo, geralmente indetectável. Cálcio urinário é baixo em todas as formas de deficiência, exceto naquelas associadas à acidose.
Na deficiência de vitamina D, o nível sérico de cálcio pode ser baixo ou, em decorrência de hiperparatireoidismo secundário, ser normal. O fosfato sérico costuma diminuir e a fosfatase alcalina sérica geralmenteaumenta. O PTH sérico pode estar normal ou elevado.
Raquitismo hereditário dependente de vitamina D tipo I resulta em nível sérico normal de 25(OH)D, baixo nível sérico de 1,25-di-hidroxivitamina D e cálcio e nível sérico normal ou baixo de fosfato.
Tratamento
Deficiência de cálcio (que é comum) e de fosfato devem ser corrigidas.
Desde que a ingestão adequada de cálcio e fosfato seja adequada, adultos com osteomalacia e crianças com raquitismo não complicado podem ser curados administrando 40 mcg de vitamina D3 (1.600 unidades) VO uma vez ao dia. Os níveis séricos de 25(OH)D e 1,25-di-hidroxivitamina D começam a aumentar em 1 a 2 dias. Os níveis séricos de cálcio e fosfato aumentam e o de fosfato alcalino diminui dentro de cerca de 10 dias. Durante a 3ª semana, depositam-se cálcio e fosfato nos ossos em quantidade suficiente para ser visível na radiografia. Depois de aproximadamente 1 mês, a dose pode ser gradualmente reduzida para níveis de manutenção usuais de 15 mcg (600 unidades) uma vez ao dia.
Em caso de tetania, deve-se suplementar a vitamina D com sais de cálcio por infusão venosa durante até 1 semana (ver Hipocalcemia).
Alguns pacientes idosos precisam de D3 25 > 50 mcg (1.000 a ≥ 2.000 unidades) de vitamina ≥ por dia para manter um nível de 25(OH)D > 20 ng/mL (> 50 nmol/L); essa dose é mais alta que a dose diária recomendada para pessoas < 70 anos (600 unidades) ou > 70 anos (800 unidades). O limite superior atual para vitamina D é 4.000 unidades/dia. Às vezes são prescritas doses mais altas de vitamina D2 (p. ex., 25.000 a 50.000 unidades a cada semana ou a cada mês); como a vitamina D3 é mais potente que a vitamina D2, ela agora é a preferida.
Considerando-se que raquitismo e osteomalacia decorrentes de produção defeituosa de metabólitos de vitamina D são resistentes à vitamina D, eles não respondem a doses geralmente eficazes para raquitismo decorrente de ingestão inadequada. Avaliação endocrinológica é necessária porque o tratamento depende do defeito específico. Quando a produção de 25(OH)D é deficiente, 50 mcg de vitamina D3 (2.000 unidades) de 25(OH)D uma vez ao dia aumentam os níveis séricos e resultam em melhora clínica. Pessoas com disfunções renais podem necessitar de suplementação de 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol).
Raquitismo hereditário dependente de vitamina D tipo I responde a 1 a 2 mcg de 1,25-di-hidroxivitamina D VO uma vez ao dia. Alguns pacientes com raquitismo hereditário dependente de vitamina D tipo II respondem a doses muito altas (p. ex., 10 a 24 mcg/dia) de 1,25-di-hidroxivitamina D; outros requerem infusões de cálcio em longo prazo.
Prevenção
Aconselhamento dietético é particularmente importante em comunidades cujos membros apresentam risco de deficiência de vitamina D. A utilização de farinha fortificada com vitamina D (125 mcg/kg) tem sido eficaz para imigrantes indianos na Inglaterra. Os benefícios da exposição ao sol para manter o estado da vitamina D devem ser contrapostos ao aumento de dano à pele e aos riscos de câncer de pele.
Todos os bebês amamentados com leite materno devem receber suplementação de 10 mcg (400 unidades) de vitamina D 1 vez/dia do nascimento aos 6 meses de idade; depois dos 6 meses, disponibiliza-se uma dieta mais diversificada. Não foi comprovado nenhum benefício do uso de doses mais elevadas do que a ingestão diária recomendada.
Pontos-chave
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A deficiência de vitamina D é comum e resulta da exposição à luz solar e ingestão dietética inadequadas (geralmente ocorrem em conjunto) e/ou de doença renal crônica.
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A deficiência de vitamina D pode causar fraqueza e dores musculares e osteomalacia.
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Deficiência suspeita de vitamina D em pacientes com pouca exposição à luz solar e uma ingestão dietética baixa, sintomas típicos e sinais (p. ex., raquitismo, dores musculares, dor óssea) ou desmineralização óssea vistos em radiografias.
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Para confirmar o diagnóstico, medir o nível de 25(OH)D (D2+D3).
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Para tratar a deficiência, corrigir deficiências de cálcio e fosfato e administrar suplementos de vitamina D.