(Ver também Visão geral das porfirias e Visão geral das porfirias cutâneas.)
Fisiopatologia
Porfiria cutânea tardia (PCT) resulta da deficiência hepática de uroporfirinogênio descarboxilase (UROD — ver tabela Substratos e enzimas da via biossintética do heme). As porfirinas se acumulam no fígado e são transportadas para a pele, onde causam fotossensibilidade.
Os fármacos que comumente desencadeiam a porfiria aguda (ver tabela Fármacos e porfiria) não desencadeiam PCT.
Doenças hepáticas são comuns em casos de porfiria cutânea tardia e podem decorrer, em parte, de acúmulo de porfirina, infecção crônica pelo vírus da hepatite C, hemossiderose concomitante ou excesso de ingestão de álcool. A cirrose ocorre em ≤ 35% dos pacientes e o carcinoma hepatocelular, em 7 a 24% (mais comum em homens de meia-idade).
Há dois tipos principais de porfiria cutânea tardia:
O tipo 1 é responsável por 75 a 80% dos casos, e o tipo 2 por 20 a 25%.
Na porfiria cutânea tardia tipo 1, a deficiência de descarboxilase se restringe ao fígado e nenhuma predisposição genética está presente. Em geral, manifesta-se na meia-idade ou mais tarde.
Na porfiria cutânea tardia tipo 2, a deficiência de descarboxilase é herdada de forma autossômica dominante com penetrância limitada. A deficiência ocorre em todas as células, incluindo eritrócitos. Pode apresentar-se mais precocemente que o tipo 1, às vezes na infância. A própria deficiência parcial (~ 50%) na atividade UROD em pacientes heterozigotos não é suficiente para causar características bioquímicas ou clínicas da PCT; fatores adicionais são necessários para causar uma queda de > 75% na atividade UROD hepática necessária para que as características da PCT se manifestem. Os gatilhos incluem ferro hepático elevado, consumo de álcool, exposição a hidrocarbonetos halogenados e infecção pelo vírus da hepatite C ou HIV estrógenos e tabagismo. Esses fatores aumentam a oxidação de uroporfirinogênios e outros porfirinogênios para as porfirinas correspondentes e também ajudam a formar os inibidores de UROD.
A porfiria hepatoeritropoiética (PHE — ver tabela Algumas porfirias menos comuns), que apresenta deficiência profunda de UROD é muito rara e é frequentemente considerada uma forma autossômica recessiva da PCT tipo 2.
PCT tipo 3, que é muito rara, é hereditária, mas sem nenhum defeito no gene UROD; um defeito em outro gene não identificado parece ser a causa. O tipo 3 é responsável por < 1% dos casos de PCT.
Os tipos 1 e 2 são as principais formas da porfiria cutânea tardia. Eles têm os mesmos precipitantes, sintomas e tratamento. A prevalência geral pode ser da ordem de 1/10.000, mas provavelmente é mais alta em pessoas expostas a hidrocarbonetos aromáticos halogenados ou outros precipitantes da doença.
Pseudoporfiria
Doença renal em estágio final, radiação ultravioleta (UVA) e certos fármacos podem causar sintomas parecidos com PCT sem níveis de porfirina elevados (pseudoporfiria). Fármacos comumente implicados são furosemida, tetraciclinas, sulfonamidas, e naproxeno e outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs).
Como porfirinas são mal dialisadas, alguns pacientes submetidos à hemodiálise a longo prazo desenvolvem uma doença cutânea que lembra PCT; essa doença é denominada pseudoporfiria de doença renal em estágio final.
Sinais e sintomas
Os pacientes com porfiria cutânea tardia apresentam fragilidade cutânea, principalmente nas áreas expostas ao sol. A fototoxicidade é retardada: o paciente nem sempre correlaciona a exposição ao sol aos sintomas.
Há o desenvolvimento de bolhas tensas de forma espontânea ou após pequenos traumas. Algumas bolhas são hemorrágicas. Acompanhando erosões e úlceras, podem ocorrer infecções secundárias, que cicatrizam lentamente, deixando cicatrizes atróficas. A exposição solar ocasionalmente provoca eritema, edema ou prurido.
Pode ocorrer conjuntivite com hiperemia, mas outras mucosas não são afetadas.
Áreas de hipo e hiperpigmentação podem se desenvolver, assim como hipertricose facial e alterações pseudoesclerodermoides.
Diagnóstico
Em pacientes normalmente saudáveis, a fragilidade cutânea e a formação de bolhas sugerem porfiria cutânea tardia. A diferenciação de porfiria aguda com sintomas cutâneos (porfiria variegada e coproporfiria hereditária) é importante, pois os fármacos porfirinogênicos podem causar sintomas neuroviscerais em pacientes com porfiria variegada e coproporfiria hereditária. Sintomas neurológicos, mentais e abdominais inexplicados anteriores podem sugerir porfiria aguda. História de exposição a produtos químicos que podem causar pseudoporfiria deve ser pesquisada.
Embora todas as porfirias que causam lesões cutâneas provocarem elevação das porfirinas plasmáticas, a elevação das concentrações urinárias de uroporfirinas e heptacarboxilporfirina e de isoproporfirina fecal indicam porfiria cutânea tardia. Os níveis urinários do precursor de PBG é normal na porfiria cutânea tardia. Os níveis urinários de ácido delta-aminolevulínico podem estar ligeiramente aumentados (< 3 vezes o limite superior do normal). A atividade dos eritrócitos no UROD é normal na porfiria cutânea tipo 1 e 3, mas menor (em ~ 50%) no tipo 2.
Todos pacientes com PCT devem passar por testes para infecções por hepatite C e HIV. Eles também devem ser testados para sobrecarga de ferro com níveis séricos de ferro e ferritina e capacidade total de ligação de ferro; se os resultados sugerem sobrecarga de ferro, exames genéticos para hemocromatose hereditária são feitos.
Tratamento
Existem dois tipos de estratégias terapêuticas disponíveis:
Essas estratégias podem ser associadas para obtenção de remissão mais rápida. O tratamento é monitorado pela determinação da ferritina sérica (se terapia de redução de ferro é utilizada) e excreção urinária de porfirina a cada 3 meses até a remissão completa.
A remoção do ferro por flebotomia terapêutica costuma ser eficaz. Uma unidade de sangue é removida a cada uma ou duas semanas. Quando a ferritina plasmática cair um pouco abaixo do normal, interrompe-se a flebotomia. Em geral, 6 a 10 sessões são necessárias. As porfirinas da urina e do plasma caem de modo gradual com o tratamento, com um intervalo posterior, mas acompanhando paralelamente a queda da ferritina. A pele eventualmente torna-se normal. Após a remissão, a flebotomia só é necessária se houver reincidência.
Dose baixa de cloroquina ou hidroxicloroquina (100 a 125 mg VO 2 vezes por semana) remove o excesso de porfirina do fígado e talvez outros tecidos pelo aumento da taxa de excreção. Doses mais altas podem causar lesões hepáticas transitórias e agravamento da porfiria. Quando se atinge a remissão, interrompe-se o esquema.
Cloroquina e hidroxicloroquina não são eficazes na doença renal avançada, e flebotomia geralmente é contraindicada por causa da anemia subjacente. Entretanto, eritropoietina recombinante mobiliza o excesso de ferro e melhora a anemia o suficiente para permitir a flebotomia. Na doença renal em estágio terminal, associa-se deferoxamina a flebotomia para redução do ferro hepático e a remoção do ferro complexado é feita na diálise. São necessários dialisadores com membranas ultrapermeáveis e frequências de volume sanguíneo extra-altas.
Deve-se avaliar nos pacientes com PCT franca e infecção por hepatite C o tratamento com antivirais de ação direta. A depleção prévia de ferro amplifica a resposta ao tratamento antiviral.
Crianças com porfiria cutânea tardia sintomática são tratadas com flebotomias com pequenos volumes ou cloroquina oral; a dose é determinada de acordo com o peso corporal.
Os sintomas cutâneos que ocorrem durante a gestação são tratados com flebotomia. Em casos refratários, podem ser acrescentadas baixas doses de cloroquina; não são reconhecidos efeitos teratogênicos. Dependendo do grau de hemodiluição e depleção de ferro, os sintomas cutâneos geralmente desaparecem com o avanço da gestação.
O suplemento de estrogênios após a menopausa é interrompido durante o tratamento de porfiria cutânea tardia. A suspensão dos estrogênios geralmente induz à remissão. Às vezes, realiza-se substituição do estrógeno sistêmico pelo transdérmico se os sintomas pós-menopáusicos causam problemas, mas ainda pode haver algum risco em razão da absorção sistêmica.
Prevenção
Os pacientes devem evitar exposição ao sol; chapéus e roupas protegem melhor, assim como filtros solares com óxidos de zinco ou titânio. Os filtros solares típicos que bloqueiam a luz ultravioleta são ineficazes, mas filtros solares que absorvem luz ultravioleta A, como os que contêm dibenzilmetanos, podem ser úteis. A ingestão de álcool deve ser evitada permanentemente, mas a suplementação com estrogênios pode ser reinstituída com segurança após a remissão da doença.
Pontos-chave
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A porfiria cutânea tardia (PCT) geralmente é adquirida, mas pode ser hereditária.
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Os gatilhos incluem ferro hepático elevado, consumo de álcool, exposição a hidrocarbonetos halogenados e infecção por hepatite C ou HIV.
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Os fármacos que comumente desencadeiam a porfiria aguda não causam porfiria cutânea tardia.
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Medir uroporfirinas e hepatocarboxilporfirina urinárias, e isocoproporfirina fecal.
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Testar para sobrecarga de ferro com níveis séricos de ferro e ferritina e capacidade total de ligação de ferro.
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Reduzir os depósitos de ferro elevados por flebotomia.
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Remover porfirinas em excesso dando baixa dose de cloroquina ou hidroxicloroquina.