Os fármacos antibacterianos são derivados de bactérias ou fungos ou podem ser completamente sintéticos. Tecnicamente, “antibiótico”, frequentemente utilizado como sinônimo de “fármaco antibacteriano” (inclusive neste Manual), refere-se somente aos antimicrobianos derivados de bactérias ou de fungos
(Ver também Antibióticos em recém-nascidos Antibióticos em neonatais Em recém-nascidos, o líquido extracelular (LEC) constitui até 45% do peso corporal total, o que resulta na necessidade relativa de doses mais altas, em comparação às doses para adultos de certos... leia mais .)
Os antibióticos têm vários mecanismos de ação, como:
Inibição da síntese da parede celular
Aumento da permeabilidade da parede celular
Interferência na síntese proteica e no metabolismo do ácido nucleico e outros processos metabólicos (p. ex., síntese de ácido fólico)
Algumas vezes, os antibióticos interagem com outros fármacos, aumentando ou diminuindo os seus níveis séricos por meio do aumento ou da diminuição do seu metabolismo ou por outros mecanismos (ver tabela Efeitos comuns dos antibióticos em outras fármacos Alguns efeitos comuns dos antibióticos em outros fármacos ). As interações mais importantes do ponto de vista clínico envolvem fármacos com um índice terapêutico baixo (isto é, níveis tóxicos são próximos dos níveis terapêuticos). Além disso, outras substâncias podem aumentar ou diminuir os níveis dos antibióticos.
Muitos antibióticos são quimicamente relacionados e agrupados em classes. Embora fármacos de cada classe compartilhem similaridades estruturais e funcionais, possuem, com frequência, farmacologia e espectro de atividades diferentes.
Seleção e uso de antibióticos
Antibióticos devem ser utilizados somente se houver evidências clínicas ou laboratoriais de infecção bacteriana. A utilização para doenças virais ou febres inespecíficas é inadequada na maioria dos casos; expõe o paciente a efeitos colaterais sem qualquer benefício e contribuindo para a resistência bacteriana.
Certas infecções bacterianas (p. ex., abscessos, infecções com corpos estranhos) requerem intervenção cirúrgica, pois não respondem a antibióticos isolados.
Em geral, os médicos devem tentar utilizar antibióticos com o espectro mais estreito possível de atividade e pelo menor período de tempo.
Espectro da atividade
Culturas e testes de sensibilidade a antibióticos são essenciais para a escolha do fármaco em infecções graves. Contudo, o tratamento, na maioria das vezes, deve ser iniciado previamente ao resultado das culturas; a escolha do antibiótico deve ser feita considerando-se os microrganismos infectantes mais prováveis (seleção empírica dos antibióticos).
Os fármacos escolhidos, considerando-se ou não os resultados de cultura, devem possuir um espectro de atividade o mais restrito possível, para controlar a infecção. Para o tratamento empírico de infecções graves que possam envolver qualquer patógeno (p. ex., febre em paciente neutropênico) ou múltiplos patógenos (p. ex., infecção mista por anaeróbios), é recomendável um antibiótico de largo espectro. Os microrganismos mais prováveis e a sensibilidade aos antibióticos variam de acordo com o local (na mesma cidade ou em um mesmo hospital) e podem mudar de um mês para outro. Deve-se obter os dados sobre a sensibilidade nos antibiogramas e utilizá-los para orientar o tratamento empírico sempre que possível. Os antibiogramas resumem os padrões de sensibilidade a antibióticos específicos regionais dos patógenos comuns aos antibióticos comumente utilizados.
Associações de antibióticos são frequentemente necessárias em infecções graves, tanto por propiciarem tratamento para múltiplas espécies possíveis de bactérias infectantes quanto por agirem sinergisticamente contra uma única espécie de bactéria. O sinergismo é habitualmente definido como uma ação bactericida mais rápida e completa de uma combinação de antibióticos que pode ser alcançada por ambos os antibióticos. Um exemplo comum é um antibiótico ativo que age na parede celular (p. ex., betalactâmico Betalactâmicos Betalactâmicos são antibióticos que têm um anel betalactâmico no seu núcleo. As subclasses incluem Carbapenéns Cefalosporinas e cefamicinas (cefêmicos) Clavulanatos Monobactâmicos leia mais ou vancomicina Vancomicina A vancomicina é um antibiótico bactericida que inibe a síntese da parede celular. A vancomicina não é absorvida de forma apreciável no trato gastrointestinal normal após sua administração oral... leia mais ) junto com um aminoglicosídeo Aminoglicosídeos Aminoglicosídeos têm atividade bactericida dependente da concentração. Esses antibióticos ligam-se à subunidade 30S do ribossomo, inibindo assim a síntese proteica da bactéria. A espectinomicina... leia mais .
Eficácia
A eficácia antibacteriana in vivo é determinada por muitos fatores, como
Farmacocinética Visão geral da farmacocinética A farmacocinética, às vezes descrita como o que o corpo faz com o fármaco, refere-se ao movimento do fármaco dentro, através e fora do corpo — o tempo de evolução de sua absorção, biodisponibilidade... leia mais : a duração dos níveis de antibióticos que são modificados por fatores como absorção Absorção de Fármacos A absorção do fármaco é determinada pelas propriedades físico-químicas, pela formulação e pela via de administração do fármaco. As formas de dosagem (p. ex., comprimidos, cápsulas ou soluções)... leia mais , distribuição Distribuição do fármaco aos tecidos Após entrar na circulação sistêmica, o fármaco é distribuído a todos os tecidos corporais. Em geral, a distribuição é desigual em virtude de diferenças na perfusão sanguínea, ligação a tecidos... leia mais (concentração nos líquidos e tecidos, e ligação proteica) e velocidade do metabolismo Metabolismo de Fármacos O fígado é o principal local de metabolismo de fármacos [para revisão, ver ( 1)]. Embora a biotransformação classicamente efetue a inativação de fármacos, alguns metabólitos são farmacologicamente... leia mais e da excreção Excreção Os rins são os principais órgãos que excretam as substâncias hidrossolúveis. O sistema biliar contribui para a excreção até o ponto em que o fármaco não é reabsorvido do trato gastrintestinal... leia mais
Farmacodinâmica Visão geral da farmacodinâmica A farmacodinâmica (às vezes descrita como o que o fármaco faz no corpo), é o estudo dos efeitos bioquímicos, fisiológicos e moleculares dos fármacos no corpo e diz respeito à ligação ao receptor... leia mais : a atividade antimicrobiana das concentrações locais de antibióticos no patógeno alvo e a resposta do patógeno, inclusive a resistência
Presença de corpos estranhos
Controle do foco infeccioso
Os fármacos bactericidas matam a bactéria. Os fármacos bacteriostáticos inibem ou interrompem o crescimento bacteriano in vitro. Essas definições não são absolutas; os bacteriostáticos podem matar algumas espécies bacterianas e bactericidas só podem inibir o crescimento de algumas espécies bacterianas susceptíveis. Métodos quantitativos mais precisos identificam a concentração mínima do antibiótico in vitro capaz de inibir o crescimento da bactéria (concentração inibitória mínima, [CIM]) ou de matá-la (concentração bactericida mínima, [CBM]). Um antibiótico com atividade bactericida pode melhorar a eliminação bacteriana quando as defesas do hospedeiro estão prejudicadas no local da infecção (p. ex., na meningite ou na endocardite) ou de modo sistêmico (p. ex., em pacientes imunocomprometidos neutropênicos ou de outras formas). Entretanto, há dados clínicos limitados indicando que deve-se optar por um fármaco bactericida em vez de um fármaco bacteriostático, simplesmente com base nessa classificação. A escolha dos fármacos para obter a eficácia ideal deve se basear na maneira como a concentração do fármaco varia ao longo do tempo em relação à CIM em vez de se basear no tipo de atividade do antibiótico, bactericida ou bacteriostática.
Pode-se agrupar os antibióticos em 3 categorias gerais (1 Referência sobre eficácia Os fármacos antibacterianos são derivados de bactérias ou fungos ou podem ser completamente sintéticos. Tecnicamente, “antibiótico”, frequentemente usado como sinônimo de “fármaco antibacteriano”... leia mais ) de acordo com na farmacocinética que otimiza a atividade antimicrobiana (farmacodinâmica):
Dependente da concentração: a magnitude pela qual a concentração máxima excede a CIM (tipicamente expressa como a razão entre a concentração máxima e a CIM) se correlaciona melhor com a atividade antimicrobiana
Dependente do tempo: a duração do intervalo de administração no qual a concentração do antibiótico ultrapassa a CIM (em geral, expressa como percentual do tempo acima da CIM) se correlaciona melhor com a atividade antimicrobiana
Dependente da exposição: a quantidade do fármaco dada em relação à CIM (a quantidade do fármaco é a área em 24 horas sob a curva de concentração-tempo (AUC24); a razão entre AUC24 e CIM correlaciona-se melhor com a atividade antimicrobiana)
Aminoglicosídios Aminoglicosídeos Aminoglicosídeos têm atividade bactericida dependente da concentração. Esses antibióticos ligam-se à subunidade 30S do ribossomo, inibindo assim a síntese proteica da bactéria. A espectinomicina... leia mais , fluoroquinolonas Fluoroquinolonas As fluoroquinolonas exibem atividade bactericida proporcional à concentração por meio da inibição da atividade da DNA-girase e da topoisomerase, enzimas essenciais para a replicação do DNA bacteriano... leia mais e daptomicina Daptomicina A daptomicina é um lipopeptídeo cíclico antibiótico que possui um mecanismo de ação único. Liga-se às membranas celulares das bactérias, o que causa rápida despolarização da membrana por efluxo... leia mais exibem atividade bactericida concentração-dependente. Aumentar suas concentrações a partir de níveis levemente superiores à CIM para níveis muito acima da CIM aumenta a velocidade e a extensão da sua atividade bactericida. Além disso, se as concentrações excederem a CIM mesmo brevemente, aminoglicosídeos e fluoroquinolonas têm um efeito pós-antibiótico (EPA) nas bactérias residuais; a duração do EPA também é dependente da concentração. Se os EPA são longos, os níveis do fármaco podem estar abaixo da CIM por períodos maiores sem perda de eficácia, permitindo dosagens menos frequentes. Consequentemente, aminoglicosídeos e fluoroquinolonas costumam ser mais eficazes como bolo intermitente que alcançam níveis séricos livres de pico (isto é, a parte do antibiótico não ligada à proteína sérica) ≥ 10 vezes a CIM das bactérias; em geral, os níveis mínimos não são importantes.
Betalactâmicos Betalactâmicos Betalactâmicos são antibióticos que têm um anel betalactâmico no seu núcleo. As subclasses incluem Carbapenéns Cefalosporinas e cefamicinas (cefêmicos) Clavulanatos Monobactâmicos leia mais , claritromicina e eritromicina exibem atividade bactericida dependente do tempo. Aumentar suas concentrações acima da CIM não aumenta a atividade bactericida, e a erradicação in vivo costuma ser baixa. Além disso, como há inibição residual inexistente ou muito breve do crescimento bacteriano depois da queda das concentrações abaixo da CIM (isto é, efeito pós-antibiótico mínimo), os betalactâmicos são mais eficazes quando os níveis séricos do fármaco livre (fármaco não ligado a proteínas séricas) excedem a CIM em ≥ 50% das vezes. Como a ceftriaxona tem meia-vida longa (cerca de 8 horas), os níveis séricos livres excedem a CIM de patógenos muito sensíveis durante todo o intervalo posológico de 24 horas. Entretanto, para os betalactâmicos cuja meia-vida seja ≤ 2 horas, a administração frequente ou a infusão contínua são necessárias a fim de otimizar o tempo acima da CIM.
A maioria dos antimicrobianos tem atividade antibacteriana dependente da exposição, mais bem caracterizada pela razão entre a AUC e a CIM. A vancomicina, as tetraciclinas e a clindamicina são bons exemplos.
Tempo versus concentração de uma única dose de um antibiótico teórico
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Há 3 parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos relacionados com a eficácia antimicrobiana:
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Referência sobre eficácia
1. A PK/PD Approach to Antibiotic Therapy. RxKinetics. Acessado em 4/05/22.
Via de administração
A administração por via oral propicia excelentes níveis séricos de muitos antibióticos e quase tão rapidamente quanto a administração intravenosa (IV). Contudo, a administração venosa de fármacos com apresentação oral disponível é preferível nas seguintes circunstâncias:
Antibióticos orais não são tolerados (p. ex., quando ocorrem vômitos).
A absorção oral dos antibióticos é ruim (p. ex., por má absorção após cirurgia intestinal, mobilidade intestinal prejudicada por causa do uso de opioides, etc.).
Paciente muito gravemente enfermo, cuja perfusão do trato gastrointestinal pode estar prejudicada, ou mesmo quando um breve retardo com a administração oral puder ser deletério.
Populações especiais
Doses e esquemas de antibióticos podem necessitar de ajustes nos seguintes casos:
Pacientes com insuficiência renal (ver tabela Doses habituais dos antibióticos comumente prescritos Doses habituais dos antibióticos comumente prescritos[a] )
Pacientes com insuficiência hepática (mais comumente para cefoperazona, cloranfenicol, metronidazol, rifabutina e rifampicina)
Pacientes obesos
Pacientes com fibrose cística
A gestação e o aleitamento afetam a escolha do antibiótico. Penicilinas, cefalosporinas e eritromicina estão entre os antibacterianos mais seguros na gestação; as tetraciclinas são contraindicadas. A maioria dos antibióticos alcança concentrações no leite materno suficientes para afetar o aleitamento, algumas vezes contraindicando sua utilização.
Duração
Os antibióticos devem ser utilizados até que evidências objetivas de infecção sistêmica (p. ex., febre, sintomas e achados anormais de laboratório) estejam ausentes por vários dias. Esquemas terapêuticos para algumas infecções (p. ex., endocardite Endocardite infecciosa Endocardite infecciosa é a infecção do endocárdio, normalmente por bactérias (em geral, estreptococo ou estafilococo) ou fungos. Pode provocar febre, sopros cardíacos, petéquias, anemia, fenômenos... leia mais , tuberculose Tuberculose (TB) A tuberculose é uma infecção micobacteriana progressiva crônica, frequentemente com um período latente assintomático após a infecção inicial. A tuberculose afeta mais comumente os pulmões. Os... leia mais , osteomielite Osteomielite A osteomielite consiste em inflamação e destruição óssea causada por bactéria, micobactéria ou fungo. Os sintomas comuns são dor óssea localizada e sensibilidade com sintomas constitucionais... leia mais ou hanseníase Hanseníase Hanseníase é uma infecção crônica geralmente causada pelo bacilo Mycobacterium leprae álcool-ácido resistente ou M. lepromatosis estreitamente relacionado. Esses organismos têm... leia mais ) são mantidos durante semanas a meses para prevenir recaídas.
Complicações
Complicações do tratamento com antibióticos são a infecção secundária por bactérias não sensíveis ou por fungos, e os efeitos adversos cutâneos, renais, hematológicos, neurológicos e digestivos.
Efeitos adversos requerem com frequência a interrupção do fármaco e sua substituição por outro antibiótico ao qual o patógeno seja sensível; em algumas ocasiões, esta alternativa não existe.
Resistência a antibióticos
A resistência a um antibiótico pode ser inerente a uma espécie bacteriana particular ou pode ser adquirida como resultado de mutações ou aquisição de genes de outro microrganismo que codifica para a resistência bacteriana. Diferentes mecanismos de resistência são codificados por esses genes (ver tabela Mecanismos comuns da resistência aos antibióticos Mecanismos comuns da resistência a antibióticos ). Genes de resistência podem ser transmitidos entre 2 células bacterianas pelos seguintes mecanismos:
Transformação (transferência de um pedaço de DNA de um outro microrganismo)
Transdução (infecção por um bacteriófago)
Conjugação (troca de material genético na forma tanto de plasmídios, que são pedaços de DNA extracromossômico replicados de modo independente, como de transpósons, que são pedaços móveis de DNA cromossômico)
Plasmídeos e transpósons podem disseminar rapidamente os genes de resistência.
O uso de antibiótico elimina preferencialmente bactérias não resistentes, aumentando a proporção de bactérias resistentes remanescentes. Esse é um fato que ocorre não somente com bactérias patogênicas, mas também com a microbiota normal; a microbiota normal resistente serve como um reservatório para genes resistentes que podem se disseminar para patógenos futuros.