Os treinamentos de resistência e persistência intensivos e prolongados acarretam muitas adaptações fisiológicas. As sobrecargas de volume e pressão ventrículo esquerdo aumentam, o que, ao longo do tempo, aumenta a massa muscular ventrículo esquerdo, a espessura da parede e as dimensões da câmara. Aumentam o volume de ejeção e o débito cardíaco máximo, contribuindo para frequência cardíaca de repouso mais baixa e tempo de enchimento diastólico mais longo. A frequência cardíaca mais baixa decorre principalmente do aumento do tônus vagal, mas a diminuição da ativação simpática e outros fatores não autônomos que diminuem a atividade intrínseca do nó sinusal podem ter algum papel. A bradicardia diminui a demanda miocárdica de oxigênio e, ao mesmo tempo, aumentos da hemoglobina total e do volume sanguíneo exacerbam o transporte de oxigênio. Apesar dessas alterações, as funções sistólica e diastólica permanecem normais. As alterações estruturais em mulheres são classicamente menos intensas do que em homens da mesma idade, dimensões corporais e nível do treinamento (1, 2 Referências gerais O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ).
A prevalência de escores de cálcio na artéria coronariana (CAC) maior ou igual a 100 unidades de Agatston parece ser maior em pessoas que realizam altos níveis de atividade física [igual ou acima de 3.000 MET (equivalente metabólico da tarefa) minutos/semana] do que naqueles que realizam níveis mais baixos de atividade física. Entretanto, isso não se traduz em maior risco de mortalidade cardiovascular por todas as causas. Os dados corroboram que, mesmo na presença de CAC, o risco de mortalidade por todas as causas e mortalidade CV é menor naqueles com níveis altos do que com níveis mais baixos de atividade física (3 Referências gerais O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ).
Referências gerais
1. Brosnan MJ, Rakit D: Differentiating athlete's heart from cardiomyopathies − The left side. Heart Lung Circ 27(9):1052-1062, 2018. doi: 10.1016/j.hlc.2018.04.297
2. Martinez MW, Kim JH, Shah AB, et al: Exercise-induced cardiovascular adaptations and approach to exercise and cardiovascular disease. JACC State-Of-The-Art Review. J Am Coll Cardiol 78 (14): 1454–1470, 2021. doi: 10.1016/j.jacc.2021.08.003
3. DeFina LF, Radford NB, Barlow CE, et al: Association of all-cause and cardiovascular mortality with high levels of physical activity and concurrent coronary artery calcification. JAMA Cardiol. 4(2):174–181, 2019. doi:10.1001/jamacardio.2018.4628
Sinais e sintomas do coração do atleta
Não existem sintomas. Os sinais variam, mas podem incluir
Bradicardia
Um impulso do VE que é deslocado lateralmente, maior e aumentado em termos de amplitude
Sopro sistólico de ejeção (fluxo) na borda esternal inferior esquerda
Uma 3ª bulha cardíaca (B3) decorrente de enchimento ventricular diastólico rápido
Uma 4ª bulha cardíaca (B4), mais bem auscultada durante a bradicardia em repouso porque o tempo de enchimento diastólico é aumentado
Pulsos carotídeos hiperdinâmicos
Tais sinais refletem alterações cardíacas estruturais adaptativas ao esforço intenso.
Diagnóstico do coração do atleta
Avaliação clínica
Normalmente eletrocardiograma
Algumas vezes, ecocardiografia
Raramente, ressonância magnética cardíaca
Raramente, teste de esforço
Os achados são detectados tipicamente durante a triagem de rotina ou avaliação de sintomas não relacionados. A maioria dos atletas não requer investigação extensiva, embora geralmente o ECG seja indicado. Se os sintomas sugerirem uma doença cardíaca (p. ex., palpitação, dor torácica), realizam-se ECG, ecocardiograma e teste de esforço.
A síndrome do coração de atleta é um diagnóstico de exclusão, devendo ser distinguida de doenças que provocam achados similares, mas potencialmente fatais (p. ex., cardiomiopatia dilatada Cardiomiopatia hipertrófica Cardiomiopatia hipertrófica é um a doença congênita ou adquirida caracterizada por intensa sobrecarga ventricular, com disfunção diastólica (p. ex., devido à estenose valvar aórtica, coarctação... leia mais ou hipertrófica Cardiomiopatia dilatada A cardiomiopatia dilatada é uma disfunção miocárdica que provoca insuficiência cardíaca, na qual há predomínio de dilatação ventricular e disfunção sistólica. A sintomatologia compreende dispneia... leia mais , cardiopatia isquêmica e displasia arritmogênica ventrículo direito, [ 1 Referências sobre diagnóstico O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ]). Ressonância magnética do coração (RMC) pode ser útil quando os achados de outras modalidades diagnósticas são inconclusivos.
ECG
Várias mudanças de ritmo e traçado do ECG podem ocorrer; elas pouco se correlacionam à intensidade do treinamento e ao desempenho cardiovascular. O achado eletrocardiográfico mais comum é
Bradicardia sinusal
É raro que a frequência cardíaca seja < 40 bpm. Em geral, a arritmia sinusal acompanha a frequência cardíaca baixa. A bradicardia de repouso também pode predispor a
Ectopia atrial ou ventricular (incluindo acopladas e períodos de TV não sustentada); as pausas após os batimentos ectópicos não excedem 4 segundos
Marca-passo atrial migratório
Outros achados eletrocardiográficos passíveis de ocorrer são
Bloqueio atrioventricular (AV) de primeiro grau (em até um terço dos atletas)
BAV de segundo grau (principalmente do tipo 1), que ocorre durante repouso e desaparece com o esforço
Complexos QRS de alta voltagem, com alterações da onda T na região inferolateral (refletindo hipertrofia VE)
Inversões profundas de onda T nas derivações anterolaterais
Bloqueio do ramo direitoincompleto
No entanto, o BAV de terceiro grau Bloqueio atrioventricular de terceiro grau Bloqueio atrioventricular é a interrupção parcial ou completa da transmissão do impulso dos átrios aos ventrículos. As causas mais comuns são fibrose e esclerose idiopáticas do sistema de condução... leia mais é anormal e deve ser extensamente investigado.
Essas alterações eletrocardiográficas e de ritmo cardíaco não estão associadas a eventos clínicos adversos, sugerindo que várias arritmias não são anormais em atletas. As arritmias são normalmente eliminadas ou substancialmente reduzidas após um breve período de descondicionamento.
Ecocardiografia
Em geral, o ecocardiograma pode diferenciar entre a síndrome do coração de atleta e as cardiomiopatias (ver tabela Características que diferenciam a síndrome do coração de atleta da cardiomiopatia Características que distinguem a síndrome do coração de atleta da miocardiopatia ), mas a diferença nem sempre é clara porque existe um continuum entre o aumento cardíaco fisiológico e o patológico. A zona de sobreposição entre a síndrome de coração de atleta e cardiomiopatia é a espessura do septo VE:
Em homens, 13 a 15 mm
Em mulheres, 11 a 13 mm
Nesta área de sobreposição, a presença de movimento sistólico anterior da valva mitral sugere fortemente cardiomiopatia hipertrófica Cardiomiopatia hipertrófica Cardiomiopatia hipertrófica é um a doença congênita ou adquirida caracterizada por intensa sobrecarga ventricular, com disfunção diastólica (p. ex., devido à estenose valvar aórtica, coarctação... leia mais . Além disso, os índices diastólicos podem ser anormais na cardiomiopatia, mas geralmente são normais na síndrome de coração de atleta. Em geral, as alterações ecocardiográficas têm baixa correlação com o nível de treinamento e o desempenho cardiovascular. É comum detectar sinais de regurgitação mitral e regurgitação tricúspide. É importante observar que a redução do treinamento físico resultará na regressão do alargamento cardíaco em pacientes com a síndrome de coração de atleta, mas não naqueles com cardiomiopatia. Ecocardiografia com esforço pode ajudar a diferenciar o coração de atleta de uma cardiomiopatia dilatada Cardiomiopatia dilatada A cardiomiopatia dilatada é uma disfunção miocárdica que provoca insuficiência cardíaca, na qual há predomínio de dilatação ventricular e disfunção sistólica. A sintomatologia compreende dispneia... leia mais . Em um estudo, uma alteração durante o exercício na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 11% e um pico da FEVE ≤ 63% durante o exercício predisseram a cardiomiopatia dilatada com sensibilidade de 85,7% e especificidade de 92% (2 Referências sobre diagnóstico O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ).
Ressonância magnética cardíaca
Embora a confirmação em grandes estudos esteja pendente, os dados disponíveis até o momento sugerem que a RMC também pode ajudar a diferenciar entre cardiomiopatia e coração de atleta. Na cardiomiopatia hipertrófica (3 Referências sobre diagnóstico O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ), a RMC consegue identificar hipertrofia focal não confirmada no ecocardiograma, sobretudo no ápice, na parede livre anterior e no septo posterior. A imagem tardia após injeção de contraste pode mostrar um padrão típico de fibrose da parede média em alguns pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, especialmente nos segmentos da parede do ventrículo esquerdo que exibem hipertrofia máxima. Mas esse achado está ausente em até 60% dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica.
O realce tardio na RMC também é evidente na cardiomiopatia dilatada não isquêmica e pode ajudar a diferenciar entre cardiomiopatia dilatada e coração de atleta. Mas o achado está ausente em 68% dos pacientes com cardiomiopatia dilatada geneticamente comprovada. O mapeamento de T1 e T2, a quantificação do volume extracelular, o realce tardio por gadolínio, a deformação miocárdica e o exame de imagem de tensor de difusão são técnicas promissoras para diferenciar entre coração de atleta e cardiomiopatia hipertrófica. São necessários estudos adicionais para determinar melhor a capacidade dessas técnicas de detectar a cardiomiopatia hipertrófica em atletas (4, 5 Referências sobre diagnóstico O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ). Embora a capacidade de exercício medida pelo teste de esforço não diferencie entre coração de atleta e cardiomiopatia dilatada, a reserva contrátil cardíaca reduzida durante o exercício observada na RMC pode ser útil para estabelecer o diagnóstico de cardiomiopatia dilatada em um atleta.
Teste de estresse
Durante o teste de esforço Teste de estresse No teste de esforço, o coração é monitorado pelo ECG e, geralmente, por métodos de imagem associados à indução de aumento da demanda cardíaca, tornando possível a identificação de áreas isquêmicas... leia mais , a frequência cardíaca permanece mais baixa que o normal no estresse submáximo e aumenta de maneira apropriada e comparável à frequência cardíaca em não atletas no estresse máximo, recuperando-se rapidamente após o esforço. A resposta pressórica é normal se:
A pressão arterial sistólica aumenta
A pressão arterial diastólica cai
A pressão arterial média permanece relativamente constante
Muitas alterações no ECG em repouso diminuem ou desaparecem durante o exercício; esse resultado é exclusivo para a síndrome de coração de atleta, distinguindo-a das condições patológicas. Entretanto, a pseudonormalização das inversões da onda T pode refletir isquemia miocárdica e, por isso, exige investigação adicional em atletas idosos. Além disso, um resultado normal no teste de esforço não descarta cardiomiopatia.
Referências sobre diagnóstico
1. Brosnan MJ, Rakit D: Differentiating athlete's heart from cardiomyopathies − The left side. Heart Lung Circ 27(9):1052–1062, 2018. doi: 10.1016/j.hlc.2018.04.297
2. Millar LM, Fanton Z, Finocchiaro G, et al: Differentiation between athlete's heart and dilated cardiomyopathy in athletic individuals. Heart 106(14):1059–1065, 2020. doi: 10.1136/heartjnl-2019-316147
3. Czimbalmos C, Csecs I, Toth A, et al: The demanding grey zone: Sport indices by cardiac magnetic resonance imaging differentiate hypertrophic cardiomyopathy from athlete's heart. PLoS ONE 14(2): e0211624. 2019.
4. Bakogiannis C, Mouselimis D, Tsarouchas A, et al: Hypertrophic cardiomyopathy or athlete's heart? A systematic review of novel cardiovascular magnetic resonance imaging parameters. Eur J Sports Sci Dec 2;1–12, 2021. doi: 10.1080/17461391.2021.2001576
5. Baggish AL, Battle RW, Beaver TA, et al: Recommendations on the use of multimodality cardiovascular imaging in young adult competitive athletes: A report from the American Society of Echocardiography in collaboration with the Society of Cardiovascular Computed Tomography and the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Soc Echocardiogr 33 (5): 523–549, 2020. doi: 10.1016/j.echo.2020.02.009
Prognóstico do coração de atleta
Embora as alterações estruturais macroscópicas assemelhem-se às de algumas doenças cardíacas, geralmente não existem efeitos adversos aparentes. Contudo, vários estudos encontraram um risco aumentado de desenvolver fibrilação atrial em esportes de resistência e mistos. Atletas com menos de 55 anos têm risco aumentado (1 Referência sobre prognóstico O coração do atleta é uma constelação de alterações estruturais e funcionais que ocorrem no coração de pessoas que treinam por períodos prolongados (p. ex., > 1 hora na maioria dos dias)... leia mais ). A quantidade de exercício em que o risco aumenta não foi documentada em estudos de alta qualidade. Na maioria dos casos, as alterações estruturais e a bradicardia regridem com a interrupção do treinamento, embora em cerca de 20% dos atletas de elite ocorra aumento residual da câmara, levantando questões, na ausência de dados a longo prazo, sobre a síndrome do coração de atleta ser realmente benigna.
Referência sobre prognóstico
1. Newman W, Parry-Williams G, Wiles J, et al: Risk of atrial fibrillation in athletes: a systematic review and meta-analysis. Br J Sports Med 55(21):1233–1238, 2021. doi:10.1136/bjsports-2021-103994
Tratamento do coração de atleta
Possivelmente um período de descondicionamento para monitorar a regressão do VE
Não há necessidade de tratamento, embora possam ser necessários 3 meses de perda de condicionamento para monitorar a regressão do VE, como uma maneira de distinguir essa síndrome da cardiomiopatia. Essa perda de condicionamento pode interferir amplamente na vida do atleta e ser recebida com resistência.
Pontos-chave
Exercício físico intensivo aumenta a massa muscular do ventrículo esquerdo, espessura da parede e tamanho da câmara, mas a função sistólica e função diastólica permanecem normais.
A frequência cardíaca em repouso é lenta e pode haver um sopro sistólico na borda inferior do esterno à esquerda, uma 3ª bulha cardíaca (B3) e/ou uma 4ª bulha cardíaca (B4).
O ECG mostrar bradicardia e sinais de hipertrofia e, algumas vezes, outros achados como arritmia sinusal, extrassístoles atriais ou ventriculares e bloqueio atrioventricular (AV) de 1º ou 2º grau.
As alterações estruturais e no ECG devido à síndrome de coração do atleta são assintomáticas; a presença de sintomas cardiovasculares (p. ex., dor no peito, dispneia, palpitação) ou bloqueio AV de terceiro grau deve levar a pesquisa de doença cardíaca subjacente.