Hipo-hipofisarismo generalizado

PorJohn D. Carmichael, MD, Keck School of Medicine of the University of Southern California
Revisado/Corrigido: abr 2023
Visão Educação para o paciente

Refere-se a síndromes de deficiências endócrinas decorrentes da perda total ou parcial da função do lobo anterior da hipófise. Ocorrem várias características clínicas que dependem dos hormônios específicos deficientes. O diagnóstico envolve exames de imagem e medidas de concentrações de hormônios hipofisários basais e após vários estímulos provocativos. O tratamento varia de acordo com a causa, mas geralmente consiste na remoção de eventual tumor e reposição hormonal.

(A função e estrutura hipofisárias e as relações com o hipotálamo são discutidas em Visão geral do sistema endócrino.)

O hipo-hipofisarismo é dividido em

  • Primário: causado por doenças que afetam a hipófise

  • Secundário: causado por doenças do hipotálamo

As diferentes causas do hipo-hipofisarismo primário e secundário estão listadas na tabela Causas do hipo-hipofisarismo.

Tabela

Sinais e sintomas do hipopituitarismo generalizado

Os sinais e sintomas relacionam-se à causa subjacente e aos hormônios hipofisários que estão em deficit ou ausentes. O início em geral é insidioso e pode não ser percebido pelo paciente; ocasionalmente, é súbito ou drástico.

É mais comum perder primeiro o hormônio do crescimento (GH), então as gonadotrofinas e, por fim, o hormônio estimulante da tireoide (TSH) e o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Deficiência de vasopressina (a causa da deficiência de arginina vasopressina) é rara em doenças primárias, mas é comum em lesões dos pedúnculos hipotalâmicos e hipofisários. A função de todos os órgãos-alvo diminui quando há deficiência de todos os hormônios (pan-hipo-hipofisarismo).

A falta de LH e FSH em crianças causa atraso puberal. Mulheres na pré-menopausa desenvolvem amenorreia, diminuição da libido, regressão de características sexuais secundárias e infertilidade. Homens podem apresentar disfunção erétil, atrofia testicular, redução da libido, regressão de características sexuais secundárias e diminuição da espermatogênese, com consequente infertilidade.

A deficiência de GH pode contribuir para a diminuição de energia, composição corporal anormal e dislipidemia mas costuma ser assintomática e clinicamente indetectável em adultos. Os efeitos da deficiência de GH em crianças são discutidos em outras partes.

A deficiência de TSH causa hipotireoidismo, com sintomas como edema facial, voz grave, bradicardia e intolerância ao frio.

A deficiência de ACTH resulta em hipoadrenalismo com fadiga, hipotensão e intolerância ao estresse e a infecções. A deficiência de ACTH não causa a hiperpigmentação característica da insuficiência adrenal primária. A deficiência de ACTH não resulta em hiponatremia ou hipercalemia, como ocorre na insuficiência adrenal primária porque a via da renina-angiotensina-aldosterona permanece intacta.

Lesões hipotalâmicas, que podem resultar em hipo-hipofisarismo, também podem alterar os centros que controlam o apetite, produzindo uma síndrome semelhante à anorexia nervosa ou, às vezes, hiperfagia com obesidade maciça.

Síndrome de Sheehan, que afeta mulheres após o parto, é a necrose da hipófise decorrente de hipovolemia e choque no período pós-parto imediato. A lactação não começa após o nascimento e a paciente pode se queixar de fadiga ou perda de pelos pubianos ou axilares.

A apoplexia hipofisária é um complexo de sintomas causados pelo infarto hemorrágico de uma hipófise normal ou, de modo mais comum, de um tumor hipofisário. Os sintomas agudos incluem cefaleia intensa, rigidez de nuca, febre, defeitos de campo visual e paralisias oculomotoras. O edema resultante pode comprimir o hipotálamo, provocando sonolência ou coma. Vários graus de hipo-hipofisarismo podem ocorrer subitamente e o paciente pode apresentar colapso vascular decorrente de deficiência de ACTH e cortisol. O líquido cefalorraquidiano geralmente contém sangue e a ressonância magnética registra hemorragia.

Diagnóstico do hipopituitarismo generalizado

  • RM ou TC

  • Níveis de hormônios hipofisários: TSH, prolactina, LH, FSH,

  • Níveis de hormônios em órgãos-alvo: tiroxina livre (T4), testosterona (em homens) ou estradiol (em mulheres) e níveis de cortisol mais testes provocativos do eixo hipófise-adrenal

  • Algumas vezes, outros testes provocativos

As características clínicas são, geralmente, não específicas e o diagnóstico deve ser estabelecido com certeza antes de o paciente iniciar um tratamento de reposição hormonal por toda a vida. Deve-se diferenciar disfunção da hipófise de anorexia nervosa, doença hepática crônica, miotonia distrófica, doença autoimune poliglandular e doenças de outras glândulas endócrinas (ver tabela Diferenciação entre hipo-hipofisarismo generalizado e outras doenças). O quadro clínico pode ser particularmente confuso quando a função de mais de uma glândula diminuir ao mesmo tempo. Devem-se pesquisar evidências de anormalidades estruturais da hipófise e deficiências hormonais utilizando exames de imagem e teste laboratoriais.

Tabela

Exames de imagem

Os pacientes devem fazer tomografia computadorizada de alta resolução ou ressonância magnética, se necessário com contraste (para excluir alterações estruturais, como adenomas hipofisários). Positron emission tomography (PET) é um instrumento de pesquisa utilizado em poucos centros especializados. Quando não houver serviços de radiologia disponíveis, uma radiografia simples lateral de sela túrcica pode identificar macroadenomas hipofisários com > 10 mm de diâmetro. Só se indica angiografia cerebral quando outros exames de imagem sugerirem anormalidades perivasculares ou aneurismas.

Exames laboratoriais

A avaliação inicial deve incluir exames de deficiência de TSH e ACTH, pois ambas as condições podem causar risco à vida. Testes para deficiência de outros hormônios também são discutidos em outras partes. Testes dinâmicos ou provocativos da função hipofisária são raramente realizados, exceto na avaliação da insuficiência adrenal com o teste rápido de estimulação com ACTH e com o teste para diagnosticar a deficiência de GH. Os agentes utilizados em muitos testes, incluindo o hormônio de liberação da tireotropina, hormônio de liberação do hormônio de crescimento, hormônio de liberação da corticotrofina e hormônio de liberação da gonadotrofina, não estão disponíveis ou têm fornecimento limitado. O teste de tolerância à insulina para investigar a deficiência adrenal e de GH tem sido menos utilizado por causa das contraindicações, necessidade de supervisão atenta e substituições favoráveis por outros agentes. Os testes utilizados historicamente estão incluídos aqui para referência.

Deve-se determinar os níveis de T4 livre e TSH. O TSH costuma ser inapropriadamente baixo ou normal em relação aos baixos níveis circulantes de T4. A manifestação mais comum do hipotireoidismo central é um padrão de nível normal de TSH com baixo T4 livre. Por outro lado, concentrações elevadas de TSH com concentrações baixas de T4 livre indicam anormalidade primária da tireoide.

A tireotropina sintética, 200 a 500 mcg por via IV, administrada por 15 a 30 segundos pode ajudar a identificar pacientes com disfunção hipotalâmica daqueles com disfunção da hipófise, embora esse teste frequentemente não seja feito por não estar disponível comercialmente. As concentrações de TSH plasmático são geralmente medidas 0, 20 e 60 minutos após a injeção. Se a função da hipófise estiver intacta, o TSH deve se elevar > 5 mU/L, com pico 30 minutos após a injeção. Pode haver retardo na elevação dos níveis séricos de TSH em pacientes com doenças hipotalâmicas. Mas alguns pacientes com distúrbio hipofisário primário também apresentam essa elevação atrasada.

Os níveis séricos de ACTH não são úteis no diagnóstico da deficiência de ACTH. Da mesma maneira, os níveis séricos de cortisol por si só não são indicadores confiáveis da função do eixo ACTH-suprarrenal, embora um nível de cortisol sérico muito baixo na parte da manhã [< 3,5 mcg/dL (96,6 nmol/L) entre 7:30 e 9:00 da manhã] sugira fortemente deficiência de cortisol. Deve-se fazer um dos vários testes provocativos, a menos que um nível matinal > 18 mcg/dL [500 nmol/L] obtido por radioimunoensaios policlonais ou um nível matinal > 15 mcg/dL (415 nmol/L) utilizando anticorpos monoclonais ou cromatografia líquida com espectrometria de massa em tandem (LC-MS/MS) exclua uma insuficiência adrenal.

O teste curto de estímulo com ACTH é simples e menos trabalhoso para deficiência de cortisol que o teste de tolerância à insulina. No teste curto de estímulo com ACTH, administra-se ACTH sintético 250 mcg IV ou IM (teste de dose padrão) ou 1 mcg IV (teste de dose baixa), e o nível de cortisol no sangue é medido imediatamente antes e após 30 e 60 minutos depois da administração de ACTH sintético. O cortisol deve aumentar significativamente; um pico de < 18 mcg/dL (500 nmol/L) utilizando ensaios policlonais ou < 15 mcg/dL (414 nmol/L) utilizando ensaios de anticorpos monoclonais ou LC-MS/MS é anormal. No entanto, o teste curto de estímulo com ACTH só é anormal na deficiência secundária de cortisol quando o teste é realizado pelo menos 2 a 4 semanas após o início da deficiência; antes disso, as adrenais ainda não apresentaram atrofia e permanecem responsivas ao ACTH exógeno.

Considera-se o teste de tolerância à insulina a forma mais precisa de avaliar a reserva de ACTH (assim como de GH), mas, devido às suas demandas, é provavelmente reservado a pacientes em que o cortisol não sobe significativamente durante o teste curto de estimulação de ACTH (se for necessária confirmação) ou se houver necessidade de realizar um teste em 2 a 4 semanas de possível lesão da hipófise. Administra-se insulina regular em doses de 0,1 unidades/kg de peso corporal, IV, em 15 a 30 segundos, e colhem-se amostras de sangue venoso para determinação de GH, cortisol e glicose no período basal (antes da administração de insulina) e 20, 30, 45, 60 e 90 minutos após a administração. Se a glicose cair para < 40 mg/dL (< 2,22 mmol/L) ou se há sintomas de hipoglicemia, o cortisol deve ser aumentado para >7 mcg/dL (> 193 nmol/L) ou para > 18 mcg/dL (> 500 nmol/L). ATENÇÃO: esse teste é perigoso em pacientes com pan-hipo-hipofisarismo grave documentado ou diabetes mellitus e em idosos e é contraindicado para indivíduos com doenças coronarianas e epilepsia. Um profissional de saúde deve estar presente durante o teste. Em geral, apenas perspiração transitória, ocorrem taquicardia e nervosismo. Se o paciente se queixar de palpitações, perder a consciência ou tiver uma convulsão, o teste deve ser interrompido imediatamente e hipoglicemia presumida deve ser tratada administrando-se glicose IV.

Nem o teste de estímulo com ACTH com 1 mcg nem o teste de tolerância à insulina diferenciam a insuficiência suprarrenal primária (doença de Addison) da secundária (hipoipofisarismo). Os testes para fazer essa diferenciação e para avaliar o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal estão descritos no tópico sobre doença de Addison.

O teste com hormônio de liberação de corticotrofina (CRH) pode ser feito para diferenciar causas primárias, secundárias (hipofisárias) e terciárias (hipotalâmicas) da insuficiência adrenal. Administra-se 1 mcg/kg de CRH, IV, por injeção rápida. As concentrações plasmáticas de ACTH e cortisol são medidas 15 minutos antes, depois no período basal e 15, 30, 60, 90 e 120 minutos após a injeção. Os efeitos adversos incluem rubor temporário, gosto metálico na boca e hipotensão transitória discreta. O uso desse teste é limitado pelo custo e pela disponibilidade do CRH. A facilidade de administração do teste rápido de estímulo com ACTH substituiu amplamente o uso desse teste.

As concentrações de prolactina são medidas rotineiramente. Essas concentrações geralmente são elevadas a valores 5 vezes superiores aos normais quando um grande tumor hipofisário está presente, mesmo se não produzir prolactina. O tumor comprime a haste hipofisária, impedindo a chegada na hipófise da dopamina, a qual inibe a secreção e a liberação da prolactina hipofisária. Pacientes com hiperprolactinemia têm, geralmente, hipogonadotrofismo e hipogonadismo secundário.

As medidas das concentrações basais de LH e FSH são mais úteis para avaliação de hipo-hipofisarismo em mulheres pós-menopausa que não utilizam estrogênios exógenos e que apresentam normalmente altas concentrações de gonadotrofinas circulantes [> 30 mUI/mL (> 30 IU/L)]. Em mulheres na pré-menopausa, a história menstrual é superior à medição das gonadotrofinas na determinação da função hipofisária. Embora as concentrações de gonadotrofinas tendam a ser baixas em outros pacientes com pan-hipo-hipofisarismo, existe sobreposição com os limites da normalidade. As concentrações de ambos os hormônios devem se elevar em resposta à infusão de GnRH na dose de 100 mcg, IV, com pico em cerca de 30 minutos para LH e 40 minutos para FSH após a administração de GnRH, mas aumentos normais de LH e FSH em resposta ao GnRH variam. Entretanto, respostas normais, diminuídas ou ausentes para GnRH podem ocorrer em caso de disfunção hipotalâmico-hipofisária. Administração de GnRH exógeno não é útil para diferenciar o distúrbio primário hipotalâmico do hipofisário. Testes dinâmicos do eixo gonadal são raramente indicados em adultos e raramente são úteis para distinguir deficiências do eixo gonadal e atraso da puberdade em adolescentes. O GnRH também não está amplamente disponível comercialmente.

A triagem para deficiência de GH em adultos não é recomendada, a menos que haja suspeita de lesão hipofisária devido a trauma, cirurgia ou radiação e tratamento com GH seja contemplado (p. ex., para redução inexplicada de energia e qualidade de vida em pacientes com hipopituitarismo nos quais outros hormônios foram totalmente substituídos). Suspeita-se de deficiência de GH se 2 outros hormônios hipofisários estão deficientes, mas podem estar presente isoladamente em pacientes tratados por massas hipofisárias. A deficiência de GH é quase certa em pacientes com 3 outras deficiências hipofisárias e baixo nível sérico do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Como as concentrações de GH variam com o decorrer do dia e por outros fatores e são de difícil interpretação, utilizam-se as concentrações do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1 [insulin-like growth factor 1]), que refletem o GH; baixas concentrações sugerem deficiência de GH, mas concentrações normais não a excluem. Um teste de estímulo de liberação de GH pode ser necessário.

Tratamento do hipopituitarismo generalizado

  • Reposição hormonal

  • Tratamento da causa (p. ex., tumor)

O tratamento é a reposição hormonal das glândulas-alvo hipofuncionantes, como discutido nos capítulos pertinentes desta seção e em outros locais deste Manual.

Inicia-se o tratamento de adultos com deficiência de GH com uma baixa dose diária de GH (0,3 mg por via subcutânea para mulheres, 0,2 mg para homens e 0,1 mg para pacientes idosos), que é titulado de modo a alcançar um nível sérico de IGF-I médio-normal. Os benefícios do tratamento incluem melhora da energia e da qualidade de vida, melhor perfil lipídico, diminuição dos fatores de risco cardiovascular, aumento da massa muscular corporal e diminuição da massa gorda corporal. Em homens com pan-hipopituitarismo tratado com GH, a mortalidade diminui para taxas semelhantes a de indivíduos da mesma idade sem hipopituitarismo. Em mulheres com pan-hipopituitarismo tratado com GH, a mortalidade diminui, mas não alcança níveis normais.

Na apoplexia pituitária, a cirurgia imediata é garantida se os distúrbios do campo visual ou as paralisias oculomotoras se desenvolvem de repente ou se a sonolência progride para coma devido à compressão hipotalâmica. Embora o tratamento com altas doses de corticoides e suporte geral possa ser suficiente em alguns casos, a descompressão transesfenoidal do tumor deve ser realizada de imediato.

Em pacientes que passaram por cirurgia ou radioterapia para tratar tumor hipofisário, o tratamento pode ser seguido de perdas da função hipofisária. Pacientes tratados com radiação podem perder a função endócrina lentamente ao longo de anos. Portanto, o estado hormonal pós-operatório deve ser avaliado com frequência, de preferência em 3 e 6 meses e anualmente a partir daí por 10 anos e, preferencialmente, por até 15 anos após a radioterapia. Essa avaliação deve incluir, pelo menos, a análise da função tireoidiana e adrenal. Os pacientes também podem desenvolver dificuldades visuais relacionadas à fibrose do quiasma óptico. Imagens selares e avaliação de campo visual devem ser realizadas pelo menos a cada 2 anos inicialmente, por cerca de 10 anos, em particular se houver tumor residual.

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