Anemia na gestação

PorJessian L. Muñoz, MD, PhD, MPH, Baylor College of Medicine
Reviewed ByOluwatosin Goje, MD, MSCR, Cleveland Clinic, Lerner College of Medicine of Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: jul. 2024 | modificado set. 2025
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Visão Educação para o paciente

Anemia na gestação é uma grande preocupação de saúde pública, e a Organização Mundial da Saúde estima que 37% das gestações são afetadas por anemia (1). Em todo o mundo, as taxas de anemia na gestação são mais altas em países de baixa ou média-baixa renda. Nos Estados Unidos, um estudo com quase 4 milhões de nascimentos descobriu que a anemia pré-natal era mais comum em mulheres negras (22%) ou das ilhas do Pacífico (18%) e menos comum naquelas asiáticas (11%) ou brancas (10%) (2).

A anemia em gestantes está associada a desfechos maternos adversos (p. ex., parto pré-termo, descolamento pré-termo da placenta, internação em unidade de terapia intensiva) e desfechos neonatais adversos (p. ex., natimorto, restrição de crescimento, efeitos de desenvolvimento neurológico) (3, 4, 5).

Durante a gestação, ocorre hiperplasia eritroide da medula, e a massa de eritrócitos aumenta em 15 a 25% em uma gestação de um único feto (6). No entanto, um aumento desproporcional no volume plasmático (em 40 a 50%) resulta em hemodiluição (hidremia da gestação) e, portanto, aumento da necessidade de ferro. A anemia fisiológica ocorre com uma diminuição média do hematócrito (Hct) de 38 para 45% em mulheres não grávidas saudáveis para cerca de 34% no final de uma gestação única e para 30% no final de uma gestação multifetal. Apesar da hemodiluição, a capacidade de transporte de oxigênio permanece normal por toda a gestação. O Hct normalmente aumenta imediatamente após o parto devido à autotransfusão de sangue materno nos vasos placentários que retornam à circulação materna.

A anemia ocorre em até um terço das mulheres durante o terceiro trimestre, mais comumente causada por:

A perda sanguínea aguda, geralmente periparto, é uma causa comum de anemia ferropriva.

Referências

  1. 1. World Health Information: Fact Sheet, Anaemia. May 1, 2023 (accessed May 19, 2024).

  2. 2. Igbinosa II, Leonard SA, Noelette F, et al: Racial and Ethnic Disparities in Anemia and Severe Maternal Morbidity. Obstet Gynecol. 2023;142(4):845-854. doi:10.1097/AOG.0000000000005325

  3. 3. Beckert RH, Baer RJ, Anderson JG, Jelliffe-Pawlowski LL, Rogers EE: Maternal anemia and pregnancy outcomes: a population-based study. J Perinatol. 2019;39(7):911-919. doi:10.1038/s41372-019-0375-0

  4. 4. Shi H, Chen L, Wang Y, et al. Severity of Anemia During Pregnancy and Adverse Maternal and Fetal Outcomes. JAMA Netw Open. 2022;5(2):e2147046. Publicado em 2022 Fev 1. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.47046

  5. 5. Wiegersma AM, Dalman C, Lee BK, Karlsson H, Gardner RM. Association of Prenatal Maternal Anemia With Neurodevelopmental Disorders. JAMA Psychiatry. 2019 Dec 1;76(12):1294-1304. doi: 10.1001/jamapsychiatry.2019.2309. PMID: 31532497; PMCID: PMC6751782

  6. 6. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 233, Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e55-e64. doi:10.1097/AOG.0000000000004477

Sinais e sintomas da anemia na gestação

Os sintomas iniciais da anemia em geral são inexistentes ou inespecíficos (p. ex., fadiga, fraqueza, atordoamento, dispneia leve ao esforço). Outros sinais e sintomas podem incluir palidez e, caso a anemia seja grave, taquicardia e hipotensão.

Restrição do crescimento fetal deve levar a uma avaliação para anemia materna.

Diagnóstico da anemia na gestação

  • Hemograma completo (HC), seguido de testes com base no valor corpuscular médio (VCM)

O diagnóstico de anemia começa com hemograma completo. Os seguintes níveis de hemoglobina (Hb) e Hct são classificados como indicativo de anemia em gestantes (1):

  • 1º trimestre: Hb < 11 g/dL; Hct < 33%

  • 2º trimestre: Hb < 10,5 g/dL; Hct < 32%

  • 3º trimestre: Hb < 11 g/dL; Hct < 33%

Em geral, se a paciente apresentar anemia, os testes subsequentes irão basear-se no fato de o VCM estar baixo (< 79 fL) ou alto (> 100 fL) (ver tabela Características das anemias comuns):

  • Nas anemias microcíticas: a avaliação da deficiência de ferro (dosagem da ferritina sérica) e das hemoglobinopatias (eletroforese da hemoglobina). Caso os testes não sejam conclusivos e não haja resposta à terapia empírica, a consulta com um hematologista deve ser indicada.

  • Nas anemias macrocíticas: a avaliação é feita pela dosagem do ácido fólico sérico e dos níveis da vitamina B12.

  • Para anemia com causas mistas: é necessária avaliação para ambos os tipos.

Tabela
Tabela

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 233, Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e55-e64. doi:10.1097/AOG.0000000000004477

Tratamento da anemia na gestação

  • Tratamento para reverter a anemia

  • Transfusão conforme necessário para sintomas graves ou indicações fetais

O tratamento da anemia durante a gestação é direcionado para a inversão da a causa da anemia.

Indica-se transfusão para níveis de Hb maternos < 6 g/dL (que está associado a oxigenação fetal anormal) e para qualquer anemia se houver sintomas constitucionais graves (p. ex., tontura, fraqueza, fadiga) ou sinais ou sintomas cardiopulmonares (p. ex., dispneia, taquicardia, taquipneia) estiverem presentes; a decisão não se baseia unicamente na hemoglobina (1).

Para mulheres com anemia no terceiro trimestre, os médicos devem fazer os preparativos apropriados para prevenir a perda de sangue ou controlar o estado hemodinâmico, considerando se a perda de sangue durante o parto tem probabilidade de resultar em anemia grave e se a paciente não é candidata a transfusão de sangue (p. ex., testemunhas de Jeová).

Dicas e conselhos

  • A transfusão é indicada em gestantes para níveis de hemoglobina materna < 6 g/dL ou sintomas constitucionais graves associados à anemia.

Referência sobre tratamento

  1. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 233, Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e55-e64. doi:10.1097/AOG.0000000000004477

Pontos-chave

  • O aumento da massa eritrocitária e a hemodiluição durante a gestação causam anemia fisiológica, mas a capacidade de transporte de oxigênio permanece normal ao longo de toda a gestação.

  • As causas mais comuns da anemia não fisiológica durante a gestação são deficiência de ferro e deficiência de ácido fólico.

  • A anemia na gestação está associada a desfechos maternos adversos (p. ex., parto pré-termo, descolamento pré-termo da placenta e internação em unidade de terapia intensiva) e desfechos neonatais adversos (p. ex., natimortos, restrição de crescimento, efeitos de desenvolvimento neurológico).

  • Aconselhar todas as gestantes a tomarem suplementos de ferro em baixas doses no primeiro trimestre para prevenir anemia no momento do parto.

  • Tratar a causa da anemia se possível, mas a transfusão é geralmente indicada em pacientes com Hb < 6 g/dL ou sintomas graves.

Anemia ferropriva na gestação

A anemia ferropriva é a causa patológica mais comum da anemia na gestação. Em geral, a causa da anemia ferropriva é:

  • Ingestão alimentar inadequada em mulheres em idade fértil

  • Perda recorrente de ferro no sangue menstrual (que se aproxima da quantidade normalmente ingerida a cada mês e, portanto, impede o acúmulo de reservas de ferro).

  • Perda de sangue de uma gestação anterior

Diagnóstico da anemia ferropriva na gestação

  • Quantificação dos níveis séricos de ferro, ferritina e transferrina

Tipicamente, o Hct é 30% e o VCM é < 79 fL. Ferro sérico e ferritina diminuídos e transferrina sérica aumentada confirmam o diagnóstico da anemia ferropriva.

Tratamento da anemia ferropriva na gestação

  • Em geral, suplementos orais de ferro todos os dias ou em dias alternados

  • Às vezes, ferro intravenoso (IV)

A maioria das vitaminas pré-natais contém a dose diária recomendada de ferro ferroso durante a gestação (27 mg) (1). Em pacientes com anemia ferropriva, é necessária uma dose mais alta (p. ex., 325 mg de sulfato ferroso [65 mg de ferro elementar]). O ferro é ingerido diariamente, mas pode ser ingerido em dias alternados se o paciente apresentar efeitos gastrointestinais incômodos, especialmente obstipação.

Cerca de 20% das gestantes tratadas com suplementos de ferro orais não absorvem ferro suficiente ou não conseguem tolerar os efeitos adversos; essas pacientes exigem terapia parenteral. Pode-se calcular o déficit de ferro, que frequentemente pode ser reposto em 1 ou 3 infusões. Hb ou Hct são mensurados semanalmente para determinar a resposta à terapia. Caso a suplementação de ferro seja ineficaz, deve-se investigar a deficiência de folatos.

Os neonatos de mães com deficiência de ferro geralmente apresentam Hct normal, mas a reserva total de ferro estará diminuída, sendo necessária, portanto, a reposição precoce de ferro.

Referência sobre tratamento

  1. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 233, Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e55-e64. doi:10.1097/AOG.0000000000004477

Prevenção da anemia ferropriva na gestação

Todas as gestantes devem tomar baixa dose de suplementos de ferro no primeiro trimestre para evitar anemia no parto (1). Se a hemoglobina estiver < 11,5 g/dL no início da gestação, pode-se administrar suplementação adicional de ferro profilaticamente porque a hemodiluição subsequente geralmente reduz a Hb a < 10 g/dL.

Referência sobre prevenção

  1. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 233, Anemia in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2021;138(2):e55-e64. doi:10.1097/AOG.0000000000004477

Anemia por deficiência de folato na gestação

A deficiência de folatos aumenta o risco de defeitos do tubo neural e a possibilidade de síndrome alcoólica fetal. A deficiência ocorre em 0,5 a 1,5% das gestantes; anemia macrocítica megaloblástica podem ocorrer se a deficiência for moderada ou grave.

Raramente ocorre anemia grave e glossite.

Diagnóstico da anemia por deficiência de folato na gestação

  • Medição do folato sérico

Suspeita-se de deficiência de folato se o hemograma indicar anemia com índices macrocíticos ou grande amplitude de distribuição eritrocitária (RDW). Os níveis baixos de folatos séricos confirmam o diagnóstico.

Tratamento da anemia por deficiência de folato na gestação

  • Ácido fólico, 1 mg, por via oral, uma vez ao dia

O tratamento é ácido fólico 1 mg, por via oral, uma vez ao dia.

Anemia megaloblástica grave pode justificar exame da medula óssea e tratamento adicional.

Prevenção da anemia por deficiência de folato na gestação

Para a prevenção, todas as gestantes e mulheres que estão planejando ou podem engravidar devem tomar suplementos de ácido fólico, 0,4 a 0,8 mg por via oral uma vez ao dia (1). Mulheres que tiveram feto com espinha bífida devem tomar 4 mg uma vez ao dia, a partir de 3 meses antes da concepção e continuando até as 12 semanas da gestação (2).

Referências sobre anemia por deficiência de folato

  1. 1. US Preventive Services Task Force, Barry MJ, Nicholson WK, et al: Folic Acid Supplementation to Prevent Neural Tube Defects: US Preventive Services Task Force Reaffirmation Recommendation Statement. JAMA. 2023;330(5):454-459. doi:10.1001/jama.2023.12876

  2. 2. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Practice Bulletins: Practice Bulletin, Number 187, Neural Tube Defects. Obstet Gynecol. 2017 (reaffirmed 2021);130(6):e279-e290. doi:10.1097/AOG.0000000000002412

Hemoglobinopatias na gestação

Durante a gestação, hemoglobinopatias, particularmente anemia falciforme, doença da Hb S-C, e beta e alfatalassemia, estão associadas a maiores riscos de resultados maternos e perinatais adversos (1). Rastreamento genético à procura de algumas dessas doenças está disponível.

Anemia falciforme materna, particularmente se grave, está associado às seguintes complicações maternas ou fetais/neonatais (2):

A anemia quase sempre piora com a progressão da gestação. A anemia falciforme aumenta o risco de infecções do trato urinário, mas não está associada a graves complicações relacionadas à gestação.

O tratamento da anemia falciforme na gestação é complexo. As crises álgicas devem ser tratadas de modo agressivo. A terapêutica transfusional profilática, com o intuito de manter a Hb A a 60%, reduz o risco de crises de hemólise e complicações pulmonares, mas não é recomendada rotineiramente, pois aumenta o risco de reações transfusionais, hepatite, transmissão do HIV e isoimunização dos grupos sanguíneos. A transfusão profilática parece não diminuir o risco perinatal. A transfusão terapêutica está indicada em casos de:

  • Anemia sintomática

  • Insuficiência cardíaca

  • Infecção bacteriana grave

  • Complicações graves do trabalho de parto e do parto (p. ex., sangramento, sepse)

A doença da Hb S-C pode provocar os primeiros sintomas durante a gestação. A doença pode aumentar o risco de infartos pulmonares por embolizações de espículas ósseas ocasionais. Os efeitos sobre o feto são incomuns, mas, caso ocorram, geralmente incluem restrição no crescimento fetal.

A talassemia-beta-falciforme é similar à doença da Hb S-C, mas é menos comum e mais benigna.

A alfatalassemia não causa morbidade materna, mas, se o feto é homozigoto, podem ocorrer hidropisia e morte fetal durante o 2º trimestre ou início do 3º.

Referências sobre hemoglobinopatias

  1. 1. American College of Obstetricians and Gynecologists' Committee on Obstetrics: Practice Bulletin No. 78: Hemoglobinopathies in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2007 (reaffirmed 2021);109(1):229-237. doi:10.1097/00006250-200701000-00055

  2. 2. Kuo K, Caughey AB: Contemporary outcomes of sickle cell disease in pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2016;215(4):505.e1-505.e5055. doi:10.1016/j.ajog.2016.05.032

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