O fígado é um órgão metabolicamente complexo. Os hepatócitos (células parenquimatosas do fígado) realizam as funções metabólicas do fígado:
Formação e excreção de bile como um componente do metabolismo da bilirrubina (ver Visão geral do metabolismo da bilirrubina)
Síntese de lipídios e secreção de lipoproteínas plasmáticas.
Controle do metabolismo de colesterol
Formação de ureia, albumina sérica, fatores de coagulação, enzimas e diversas outras proteínas
Metabolismo ou desintoxicação de fármacos e outras substâncias exógenas.
Visão geral da estrutura hepática
No nível celular, os hepatócitos estão organizados dentro de um lóbulo, que é um grupo de células de formato hexagonal com uma veia hepática no centro e tríades portais na periferia. As tríades portais consistem em ramos terminais adjacentes e paralelos dos ductos biliares, veias portais e artérias hepáticas. O sangue flui da artéria hepática e da veia porta (nas tríades portais) na periferia, através dos sinusoides entre os hepatócitos, em direção à veia central. Consequentemente, os hepatócitos localizados no centro do lóbulo são mais suscetíveis à isquemia, pois o oxigênio e os nutrientes são extraídos pelos hepatócitos à medida que o sangue flui pelos sinusoides, desde a periferia. Canais menores, chamados canalículos biliares, drenam a bile secretada pelos hepatócitos para os ductos biliares intra-hepáticos na periferia.
Image courtesy of Danielle Tholey, MD, and M. Isabel Fiel, MD, MS, FAASLD.
Visão geral do metabolismo da bilirrubina
A quebra da molécula da hemoglobina produz bilirrubina (um produto insolúvel) e outros pigmentos biliares. Bilirrubina precisa ser solúvel em água para ser excretada. Essa transformação ocorre em 5 passos, a saber: formação, transporte plasmático, captação hepática, conjugação e excreção biliar.
Formação: aproximadamente 250 a 350 mg de bilirrubina não conjugada são formados diariamente; 70 a 80% derivam da degradação de eritrócitos degenerados, e 20 a 30% (bilirrubina precocemente marcada) derivam principalmente de outras proteínas heme da medula óssea e do fígado. A hemoglobina é degradada em ferro e biliverdina, que é convertida em bilirrubina.
Transporte plasmático: a bilirrubina não conjugada (ou "indireta") não é hidrossolúvel e, assim, é transportada no plasma ligada à albumina. Não passa pela membrana glomerular para a urina. Essa ligação à albumina se enfraquece sob certas condições (p. ex., acidose) e algumas substâncias (p. ex., salicilatos, alguns antibióticos) competem pelos locais de ligação.
Captação hepática: o fígado capta rapidamente a bilirrubina, mas não aquela ligada à albumina sérica.
Conjugação: a bilirrubina não conjugada no fígado é conjugada para formar principalmente diglicuronídeo de bilirrubina (bilirrubina conjugada [ou “direta”]). Essa reação é catalisada pela enzima glicuroniltransferase e torna a bilirrubina solúvel em água.
Excreção biliar: a bilirrubina conjugada, juntamente com outros constituintes da bile, é secretada em pequenos canalículos biliares. Esses canalículos, formados por hepatócitos adjacentes, unem-se progressivamente em dúctulos, ductos biliares interlobulares e, depois, em ductos hepáticos maiores que convergem para o ducto hepático. O ducto hepático comum une-se ao ducto cístico (oriundo da vesícula biliar) para formar o ducto biliar comum, que drena para o duodeno através da ampola hepatopancreática.
No intestino, bactérias metabolizam bilirrubina para formar urobilinogênio, muito do qual é posteriormente metabolizado em estercobilinas, as quais colorem de marrom as fezes. Na obstrução biliar completa, as fezes perdem sua coloração normal e se tornam cinza-claras (fezes com cor de argila). Um pouco do urobilinogênio é reabsorvido, extraído por hepatócitos e reexcretado na bile (circulação entero-hepática). Uma pequena quantidade é excretada na urina.
Em razão de a bilirrubina conjugada ser excretada na urina e a bilirrubina não conjugada não o ser, apenas a hiperbilirrubinemia conjugada (p. ex., decorrente de icterícia hepatocelular ou colestática) provoca bilirrubinúria.
Outras funções hepáticas
O fígado é um órgão complexo envolvido em muitos processos bioquímicos incluindo a regulação do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas (incluindo o armazenamento de glicose e glicogênio); o controle do metabolismo do colesterol; e a formação de proteínas-chave como albumina, fatores de coagulação, enzimas e componentes do complemento. O fígado também funciona como um filtro e tem um papel fundamental na purificação e remoção de produtos residuais e toxinas (medicamentos, substâncias estranhas) da corrente sanguínea. A desregulação das funções hepáticas normais pode se manifestar em desfechos clínicos como distúrbios hemorrágicos, aumento da suscetibilidade à infecção, alterações na glicemia e complicações da hipertensão portal como encefalopatia hepática devido ao aumento do acúmulo de produtos residuais como amônia.
Fisiopatologia das disfunções hepáticas
Disfunções hepáticas podem resultar de uma grande variedade de lesões, incluindo infecções, medicamentos, substâncias ilícitas, toxinas, isquemia e distúrbios autoimunes. Ocasionalmente, pode ocorrer disfunção hepática no contexto pós-operatório. A maior parte das disfunções hepáticas produz algum grau de dano hepatocelular e necrose, resultando em várias alterações em exames laboratoriais e, algumas vezes, sintomas. Os sintomas podem ser resultados diretos da hepatopatia (p. ex., icterícia secundária à hepatite aguda) ou de complicações da doença hepática (p. ex., sangramento digestório agudo secundário a cirrose ou hipertensão portal).
Doenças específicas afetam preferencialmente certas estruturas ou funções hepatobiliares:
Hepatite viral aguda: dano aos hepatócitos ou lesão hepatocelular
Colangite biliar primária: comprometimento da secreção biliar (colestase);
Cirrose: fibrose hepática e consequente hipertensão venosa portal
A região do sistema hepatobiliar afetada determina os sinais, sintomas e alterações laboratoriais (ver Exames para doenças hepáticas e biliares). Algumas doenças (p. ex., doença hepática alcoólica grave) comprometem várias estruturas do fígado, resultando em uma combinação de padrões de sinais, sintomas e alterações laboratoriais.
O fígado é capaz de se regenerar após uma necrose. Mesmo necrose extensa pode desaparecer completamente (p. ex., na hepatite viral aguda). Entretanto, pode haver regeneração incompleta e fibrose como resultado de agressões que comprometem todo um lóbulo hepático ou por lesões menos intensas, mas contínuas.
O prognóstico de complicações graves é pior em idosos, os quais são menos capazes de se recuperar de agressões fisiológicas graves e de tolerar acúmulos tóxicos.

