(Ver também Regulação ácido-base e distúrbios ácido-base.)
Etiologia
Acidose metabólica é o acúmulo de ácido por causa de
Ocorre acidemia (pH arterial < 7,35) quando a sobrecarga de ácido ultrapassa a compensação respiratória. As causas são classificadas pelos seus efeitos no intervalo aniônico ( Causas da acidose metabólica).
Causas da acidose metabólica
Causa |
Exemplos |
Intervalo aniônico elevado |
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Cetoacidose |
Álcool (abuso crônico) Jejum |
Acidose láctica (devida a processos fisiológicos) |
Hipóxia primária decorrente de doenças pulmonares Álcool (abuso crônico) |
Acidose láctica (devida a toxinas exógenas) |
Monóxido de carbono Cianeto Ferro Isoniazida Tolueno (inicialmente, diferença de ânions elevada; excreção de metabólitos subsequente normaliza a diferença) Inibidores da transcriptase reversa do HIV análogos de nucleosídeos Biguanidas (raras, exceto na lesão renal aguda) Propofol |
geração de dlactato |
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Insuficiência renal |
— |
Toxinas metabolizadas a ácidos |
Metanol (formato) Etilenoglicol (oxalato) Para-aldeído (acetato, cloracetato) Salicilatos |
Rabdomiólise |
— |
Intervalo de ânions normal (acidose hiperclorêmica) |
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Perdas gastrointestinais de bicarbonato (HCO3−) |
Colostomia Diarreia Fístulas entéricas Ileostomia Utilização de resinas trocadoras de íons Cloreto de cálcio (CaCl2) Sulfato de magnésio (MgSO4) |
Procedimentos urológicos |
Ureterossigmoidostomia Conduto ureteroileal |
Perda renal de HCO3− |
Doenças tubulointersticiais Acidose tubular renal tipos 1, 2 e 4 Hiperparatireoidismo Acetazolamida |
Infusão parenteral |
Arginina Lisina Cloreto de amônio (NH4Cl) Infusão rápida de cloreto de sódio (NaCl) |
Outros |
Hipoaldosteronismo Tolueno (tardia) |
Acidose com intervalo aniônico elevado
As causas mais comuns de acidose com intervalo aniônico elevado são
A cetoacidose é uma complicação comum do diabetes melito tipo 1 (ver cetoacidose diabética), mas também ocorre com alcoolismo crônico (ver cetoacidose alcoólica), desnutrição e, em menor grau, jejum. Nesses casos, o corpo troca o metabolismo da glicose pelo de ácidos graxos livres (AGL); os ácidos graxos livres são convertidos pelo fígado em cetoácidos, ácido acetoacético e beta-hidroxibutirato (todos ânions não dosáveis). A cetoacidose é também uma manifestação rara de acidemia congênita isovalérica e metilmalônica.
A acidose láctica é a causa mais comum de acidose metabólica em pacientes hospitalizados. O acúmulo de lactato resulta da associação do excesso de formação de lactato e da diminuição do seu metabolismo. Ocorre produção excessiva de lactato nos estados de metabolismo anaeróbico. A forma mais grave se dá nos vários tipos de choque. A diminuição do metabolismo geralmente cursa com disfunção hepatocelular decorrente da diminuição da perfusão hepática ou como parte do quadro de choque generalizado. Doenças e fármacos que prejudicam a função mitocondrial podem causar acidose láctica.
A insuficiência renal causa acidose com aumento do intervalo aniônico pela diminuição da excreção de ácidos e menor reabsorção de HCO3−. O acúmulo de sulfatos, fosfatos, uratos e hipuratos contribui para o intervalo de ânions elevado.
Toxinas podem ter metabólitos ácidos ou desencadear acidose lática. A rabdomiólise é uma causa rara de acidose metabólica, provavelmente resultante da liberação de prótons e ânions diretamente dos músculos.
Acidose com intervalo de ânions normal
As causas mais comuns de acidose com intervalo de ânions normal são
A acidose metabólica com intervalo de ânions normal também é denominada acidose hiperclorêmica, pois, em vez de reabsorver cloreto (Cl−) os rins reabsorvem HCO3−.
Muitas secreções gastrointestinais são ricas em HCO3− (p. ex., líquidos biliar, pancreático e intestinal); perdas decorrentes de diarreia, drenagem por sonda ou fístulas podem causar acidose. Na ureterossigmoidostomia (inserção dos ureteres no cólon sigmoide após obstrução ou cistectomia), o cólon secreta e perde HCO3− em troca do cloro (Cl−) urinário e absorve amônio urinário, que se dissocia em amônia (NH3+) e no íon hidrogênio (H+). As resinas trocadoras de íons raramente causam perdas de HCO3− por se ligarem ao HCO3−.
A acidose tubular renal prejudica a secreção de H+ (tipos 1 e 4) ou a absorção de HCO3− (tipo 2). Excreção ácida prejudicada e intervalo de ânions normal também ocorrem em insuficiência renal inicial, doenças tubulointersticiais renais e por ingestão de inibidores da anidrase carbônica (p. ex., acetazolamida).
Sinais e sintomas
Os sinais e sintomas ( Consequências clínicas dos distúrbios ácido-base) são, primariamente, relacionados à causa de base. A acidemia leve é, em si, assintomática. Acidemia mais grave (pH < 7,10) pode causar náuseas, vômitos e mal-estar. Pode haver sinais e sintomas com pH mais elevados se a acidose ocorrer rapidamente.
O sinal mais característico é a hiperpneia (respirações longas e profundas em velocidade normal), refletindo um aumento compensatório da ventilação alveolar; essa hiperpneia não é acompanhada por uma sensação de dispneia.
A acidemia aguda e grave predispõe à disfunção cardíaca com hipotensão e choque, arritmias ventriculares e coma. A acidemia crônica causa doenças relacionadas à desmineralização óssea (p. ex., raquitismo, osteomalacia, osteopenia).
Diagnóstico
O reconhecimento da acidose metabólica e a compensação respiratória apropriada foram discutidos em Distúrbios ácido-base : Diagnóstico. A determinação da causa da acidose metabólica começa pelo intervalo de ânions.
A causa do aumento do intervalo aniônico pode ser clinicamente evidente (p. ex., choque hipovolêmico, hemodiálise não realizada); mas se não for, os exames de sangue devem contemplar
As concentrações de salicilatos podem ser medidas na maioria dos laboratórios, mas o metanol e o etilenoglicol geralmente não podem; sua presença pode ser sugerida pela presença de uma diferença osmolar.
A osmolaridade plasmática calculada [2 (sódio) + (glicose)/18 + ureia/2,8 + álcool no sangue/5] é subtraída da osmolaridade medida. Diferença > 10 implica a presença de substâncias osmoticamente ativas, que, no caso de acidose com intervalo de ânions elevado, são metanol ou etilenoglicol. Embora a ingestão de etanol possa causar diferença osmolar e discreta acidose, nunca deve ser considerada a única causa de uma acidose metabólica importante.
Se o intervalo de ânions for normal e nenhuma causa for evidente (p. ex., diarreia significativa), os eletrólitos urinários são medidos e o intervalo de ânions urinário é calculado como [sódio] + [potássio] — [cloreto]. O intervalo aniônico da urina normal (inclusive dos pacientes com perdas gastrointestinais) é de 30 a 50 mEq/L; o aumento sugere perda renal de HCO3− (na avaliação da acidose tubular renal, Acidose tubular renal : Diagnóstico).
Além disso, em caso de acidose metabólica, calcular a variação da diferença para identificar alcalose metabólica concomitante e verificar se a fórmula de Winters ( Diagnóstico) é usada para constatar se a compensação respiratória está apropriada ou reflete um 2º desequilíbrio ácido-base.
Tratamento
O tratamento visa à causa subjacente. É necessária hemodiálise para insuficiência renal e, às vezes, para intoxicação por etilenoglicol, metanol e envenenamento por salicilato.
O tratamento da acidemia com bicarbonato de sódio (NaHCO3) só está claramente indicado em alguns casos, sendo provavelmente deletério em outros. Quando a acidose metabólica resultar da perda de HCO3− ou do acúmulo de ácidos inorgânicos (ou seja, acidose com intervalo aniônico normal), o tratamento com bicarbonato costuma ser seguro e apropriado. Entretanto, quando a acidose resultar do acúmulo de ácidos orgânicos (ou seja, acidose com intervalo aniônico aumentado), o tratamento com bicarbonato é controverso; não diminui claramente a mortalidade nesses casos e existem vários riscos possíveis.
Com o tratamento das condições subjacentes, o lactato e os cetoácidos são metabolizados de volta a HCO3−; a carga exógena de HCO3− pode causar alcalose metabólica “rebote”. Em qualquer doença, o bicarbonato de cálcio também pode causar sobrecarga de sódio e de volume, hipopotassemia e, inibindo o estímulo respiratório, hipercapnia. Além disso, como o HCO3− não se difunde pelas membranas celulares, a acidose intracelular não é corrigida e pode se agravar paradoxalmente, pois parte do HCO3−acrescentado pode ser convertida em dióxido de carbono (COCO2), que entra na célula e é hidrolisado para H+ e HCO3−.
Apesar dessas e outras controvérsias, a maioria dos especialistas ainda recomenda a administração de bicarbonato venoso na acidose metabólica grave (pH < 7,10).
O tratamento requer 2 cálculos. O primeiro é para qual concentração o HCO3− deve ser elevado, calculada pela equação de Kassirer-Bleich, utilizando um valor para [H+] de 63 nmol/L, o que corresponde ao pH de 7,20 (o alvo para acidose com intervalo alto de ânions é [H+] de 79 nmol/L, pH ≤ 7,10):
63 = 24 × PCO2/HCO3−
ou
HCO3− desejado = 0,38 × Pco2
A quantidade necessária de bicarbonato para alcançar esse nível é
NaHCO3 necessário (mEq) = ([HCO3−] desejado − [HCO3−]) observado × 0,4 × peso corporal (kg)
Essa quantidade de bicarbonato de sódio é administrada ao longo de várias horas. O pH do sangue e os níveis de HCO3− podem ser verificados 30 minutos a 1 hora após a administração, o que permite o equilíbrio com o HCO3− extravascular.
As alternativas ao bicarbonato de sódio são
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Lactato, quer na solução de Ringer lactato ou como lactato de sódio (metabolizado mEq para mEq em bicarbonato quando a função hepática é normal)
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Trometamina, um aminoálcool que tampona tanto o ácido metabólico (H+) como o respiratório (H2CO3)
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O Carbicarb, uma mistura equimolar de bicarbonato e carbonatode sódio (o último consome CO2 e produz HCO3−)
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Dicloroacetato, que aumenta a oxidação do lactato
Essas alternativas não oferecem benefícios comprovados em relação ao bicarbonato isoladamente e podem causar suas próprias complicações.
A depleção de potássio (K+), comum na acidose metabólica, deve ser identificada por meio do monitoramento frequente do K+ sérico e tratada, conforme necessário, com cloreto de potássio oral ou parenteral.
Pontos-chave
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A acidose metabólica pode ser causada pelo acúmulo de ácido decorrente do aumento da produção ou da ingestão de ácido, pela diminuição da excreção de ácido ou pelas perdas de bicarbonato (HCO3−), renais ou gastrointestinais.
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Acidoses metabólicas são classificadas com base no intervalo de ânions alto ou normal.
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As acidoses com aumento do intervalo aniônico ocorrem mais frequentemente por causa de cetoacidose, acidose láctica, insuficiência renal ou ingestão de algumas substâncias tóxicas.
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As acidoses com intervalo aniônico normal ocorrem mais frequentemente por causa da perda de HCO3−, GI ou renal.
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Calcular o intervalo delta para identificar alcalose metabólica concomitante e aplicar a fórmula de Winter para verificar se a compensação respiratória é apropriada ou reflete um 2º distúrbio ácido-base.
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Tratar a causa.
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O bicarbonato de sódio (NaHCO3) intravenoso está indicado quando a acidose é decorrente da alteração do nível de HCO3− (acidose com intervalo aniônico normal)
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O bicarbonato de sódio intravenoso é controverso na acidose com aumento do intervalo aniônico (mas pode ser considerado com pH < 7,00, com um pH alvo de ≤ 7,10).