O sangramento durante o final da gestação (≥ 20 semanas de gestação, mas antes do nascimento) ocorre em 3 a 4% das gestações. Deve ser avaliada prontamente, pois pode estar associada a complicações que ameaçam a segurança materna ou fetal.
Fisiopatologia
Algumas alterações podem causar perda sanguínea significativa, algumas vezes suficiente para causar choque Choque O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais hemorrágico ou coagulação intravascular disseminada Coagulação intravascular disseminada (CIVD) A coagulação intravascular disseminada (CIVD) envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo... leia mais .
Etiologia
A causa mais comum de sangramento durante o final da gestação é
Início do trabalho de parto
No início do trabalho de parto, o sangramento é escasso e misturado com muco, e resulta da ruptura de pequenas veias, conforme a colo do útero se dilata, e amolece no início do trabalho de parto.
As causas mais graves, mas menos comuns (ver tabela ) incluem
Descolamento prematuro da placenta Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) é a separação prematura do útero, geralmente após 20 semanas de gestação. Pode ser uma emergência obstétrica. As manifestações podem consistir... leia mais
O descolamento prematuro da placenta é a separação prematura de uma placenta normalmente implantada da parede uterina. O mecanismo é desconhecido, mas provavelmente é a consequência tardia de insuficiência vascular crônica uteroplacentária. Alguns casos ocorrem após trauma (p. ex., assalto, acidente automobilístico). Como a maior parte ou parte do sangue perdido fica retido entre a placenta e a parede uterina, a quantidade de sangramento externo (isto é, i. e., vaginal) não reflete necessariamente a extensão da perda sanguínea ou da separação placentária. O descolamento prematuro da placenta é a causa mais comum de risco de morte por hemorragia no final da gestação, e ocorre em cerca de 30% dos casos. Pode ocorrer em qualquer época, mas é mais comum durante o 3º trimestre.
Placenta prévia é a implantação anormal da placenta sobre o orifício interno do canal cervical ou perto dele. Resulta de vários fatores de risco. O sangramento pode ser espontâneo ou desencadeado por exame digital ou pelo início do trabalho de parto. A placenta prévia contribui em cerca de 20% dos casos de sangramento no final da gestação, sendo a causa mais comum durante o 3º trimestre.
Vasa previa é uma condição na qual os vasos sanguíneos fetais ligados ao cordão e à placenta sobrepõem-se ao orifício interno cervical e estão na frente da passagem do feto. Geralmente essa conexão anormal ocorre quando os vasos do cordão correm através de parte da membrana coriônica em vez de diretamente para a placenta (inserção velamentosa). As forças mecânicas do parto podem romper esses pequenos vasos sanguíneos, causando sua ruptura. Em razão da pequena quantidade relativa de volume de sangue fetal, mesmo uma pequena perda por vasa previa pode representar hemorragia catastrófica para o feto e causar óbito fetal.
A ruptura uterina pode ocorrer durante o parto — quase sempre em mulheres com cicatrizes no útero (p. ex., decorrente de cesariana prévia, cirurgia uterina ou infecção uterina) ou após trauma abdominal grave.
O sangramento também pode resultar de doenças não obstétricas.
Avaliação
A avaliação das pacientes com sangramento vaginal durante o final da gestação visa excluir causas potencialmente graves de sangramento (descolamento prematuro da placenta, placenta prévia, vasa previa, ruptura uterina). O parto com sangramento e o descolamento prematuro da placenta são diagnósticos de exclusão.
História
Ahistória da doença atual deve incluir
Data prevista para o parto (e se isso se baseia na última menstruação ou ultrassonografia)
Quaisquer fatores de risco por complicações obstétricas e testes anteriores ou complicações durante a gestação atual
Duração e volume do sangramento
Quantidade e cor (vermelho brilhante versus escuro) do sangramento
Dor abdominal ou contrações uterinas
Sintomas associados importantes incluem dor abdominal e ruptura de membrana. Os médicos devem observar se esses sintomas estão ou não presentes e descrevê-los (p. ex., se as cólicas são intermitentes, como no trabalho de parto, ou constantes e graves, sugerindo descolamento prematuro da placenta ou ruptura uterina).
A revisão dos sistemas deve revelar qualquer história de síncope ou quase síncope (sugerindo hemorragia grave).
A história clínica anterior deve incluir número de gestações da paciente (número de gestações confirmadas), paridade (número de partos após 20 semanas) e número de abortos (espontâneos ou induzidos) A história clínica deve notar fatores de risco das principais causas de sangramento (ver tabela ), especialmente cesariana prévia. Os médicos devem determinar se os pacientes apresentam história de hipertensão, tabagismo, fertilização in vitro e uso de qualquer droga ilícita (particularmente cocaína).
Exame físico
O exame físico inicia-se com a revisão dos sinais vitais, particularmente pressão arterial, em busca de sinais de hipovolemia. Verifica-se a frequência de batimentos fetais e inicia-se o monitoramento fetal logo que possível.
O abdome é palpado para verificar tamanho do útero, dolorimento e tonicidade (normal, aumentada ou diminuída).
Contraindica-se o toque digital do colo do útero na presença de sangramento no final da gestação, até que a ultrassonografia confirme placenta normal, assim como localização normal dos vasos (e exclua placenta prévia e vasa pravia). Pode-se realizar um exame especular cuidadoso. Se a ultrassonografia for normal, o médico pode proceder ao exame digital para determinar o grau de dilatação e o amolecimento do colo uterino.
Sinais de alerta
Os achados a seguir são particularmente preocupantes:
Hipotensão
Útero tenso, doloroso
Desconforto fetal (perda de batimentos cardíacos, bradicardia, variação ou desacelerações tardias detectadas durante o monitoramento)
Cessação do trabalho de parto e atonia uterina
O sangramento vaginal pode ser leve, apesar da hipotensão materna.
Interpretação dos achados
Se forem observadas mais do que algumas gotas de sangue ou existirem sinais de sofrimento fetal, devem-se descartar as causas mais sérias, como descolamento prematuro da placenta Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) é a separação prematura do útero, geralmente após 20 semanas de gestação. Pode ser uma emergência obstétrica. As manifestações podem consistir... leia mais , placenta prévia Placenta prévia Placenta prévia é a implantação da placenta sobre o orifício interno do colo ou próximo dele. Normalmente se manifesta como um sangramento vaginal indolor após 20 semanas da gestação; a fonte... leia mais , vasa previa Vasa previa Na vasa previa, as membranas que contêm vasos sanguíneos fetais que ligam o cordão umbilical e a placenta se sobrepõem ou estão dentro de 2 cm de distância do óstio cervical interno. O diagnóstico... leia mais e ruptura uterina Ruptura uterina A ruptura uterina ocorre de maneira espontânea e o resultado pode ser a expulsão do feto para dentro da cavidade peritoneal. A ruptura uterina é rara. Ela pode ocorrer durante gestação tardia... leia mais . Entretanto, algumas pacientes com descolamento prematuro da placenta ou ruptura uterina apresentam hemorragia mínima visível, apesar de hemorragia intra-abdominal ou intrauterina grave.
Os achados clínicos podem ajudar a sugerir a causa (ver também tabela ):
Sangramento leve com muco sugere início do trabalho de parto.
Sangramento súbito, indolor, com sangue vermelho vivo, sugere placenta prévia ou vasa previa.
Sangue coagulado escuro sugere descolamento prematuro da placenta ou ruptura uterina.
Útero tenso, contraído e doloroso sugere descolamento prematuro da placenta.
Útero atônico ou com conformação alterada e sensibilidade abdominal sugerem ruptura uterina.
Exames
Os testes devem incluir o seguinte:
Ultrassonografia
Hemograma, tipagem sanguínea
Às vezes, exames de sangue
Considerar possivelmente teste de Kleihauer-Betke
Todas as mulheres com sangramento durante o final na gestação necessitam ser submetidas à ultrassonografia, realizada à beira do leito se a paciente estiver instável. Deve-se considerar a ultrassonografia transvaginal se a placentação normal não foi confirmada previamente. Placenta, vasos e inserção dos vasos do cordão normais excluem placenta prévia e vasa previa. Apesar de a ultrassonografia às vezes mostrar descolamento prematuro da placenta, esse exame não é suficientemente confiável para distinguir descolamento da placenta de ruptura uterina. Esses diagnósticos são feitos clinicamente com base nos fatores de risco e nos achados de exame (útero tenso é mais comum em descolamento prematuro; perda de tônus, na ruptura). A ruptura é confirmada por laparotomia.
Além disso, devem-se realizar hemograma completo e tipagem sanguínea (provas cruzadas e determinação de anticorpos irregulares). Se o sangramento é grave, se houver suspeita de descolamento prematuro da placenta moderado a grave, ou se hipotensão materna estiver presente, deve-se realizar uma prova cruzada de várias unidades de sangue e fazer exames para coagulação intravascular disseminada Diagnóstico A coagulação intravascular disseminada (CIVD) envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo... leia mais [tempo de protrombina/tempo de tromboplastina parcial (TP/TTP), nível de fibrinogênio, nível de dímero D].
Pode-se fazer o teste de Kleihauer-Betke para medir a quantidade de sangue fetal na circulação materna e determinar a necessidade de doses adicionais de imunoglobulina Rho(D) para prevenir sensibilização materna.
Tratamento
O tratamento do sangramento vaginal durante o final da gestação tem por objetivo a causa específica.
Para descolamento prematuro da placenta Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) Descolamento prematuro da placenta (abruptio placentae) é a separação prematura do útero, geralmente após 20 semanas de gestação. Pode ser uma emergência obstétrica. As manifestações podem consistir... leia mais ou placenta prévia Placenta prévia Placenta prévia é a implantação da placenta sobre o orifício interno do colo ou próximo dele. Normalmente se manifesta como um sangramento vaginal indolor após 20 semanas da gestação; a fonte... leia mais , o paciente deve ser avaliado e, se o parto não for necessário, a internação é geralmente recomendada.
Se vasa prévia Vasa previa Na vasa previa, as membranas que contêm vasos sanguíneos fetais que ligam o cordão umbilical e a placenta se sobrepõem ou estão dentro de 2 cm de distância do óstio cervical interno. O diagnóstico... leia mais é diagnosticada antes do início do trabalho de parto, os médicos agendam uma cesariana antes do trabalho de parto começar, tipicamente com 34 a 37 semanas de gestação. O sangramento da vasa prévia é o sangue fetal e a perda de sangue pode ser rápida e fatal para o feto. Se ocorrer sangramento e houver suspeita disso como causa, cesariana imediata é realizada. Se o lactente perdeu muito sangue, pode ser necessária transfusão de sangue.
Se o útero se romper, o parto ocorre imediatamente. O útero é reparado cirurgicamente.
As pacientes com sinais de hipovolemia necessitam de reanimação volêmica IV iniciando-se com 20 mL/kg de soro fisiológico normal.
Deve-se considerar transfusão de sangue para pacientes com algum dos seguintes:
Nenhuma resposta a 2 L de soro fisiológico
Sinais vitais anormais ou resultados anormais em exames laboratoriais
Sangramento contínuo
Pontos-chave
Todas as pacientes com sangramento vaginal durante o final da gestação exigem acesso IV para reanimação volêmica ou sanguínea, bem como monitoramento materno e fetal contínuo.
Contraindica-se o toque digital para avaliar o sangramento durante o final da gestação até que se excluam placenta prévia e vasa previa.
No caso de descolamento prematuro da placenta, o sangramento vaginal pode estar ausente, se o sangue estiver retido entre a placenta e a parede uterina.
Suspeitar de ruptura uterina em mulheres com história de parto cesárea ou outra cirurgia uterina.
O sangramento vaginal pode ser leve, apesar da hipotensão materna.