Câncer de ovário, trompa de Falópio e peritôneo

PorPedro T. Ramirez, MD, Houston Methodist Hospital;
Gloria Salvo, MD, MD Anderson Cancer Center
Revisado/Corrigido: jul 2022
Visão Educação para o paciente

O câncer de ovário é geralmente fatal por que muitas vezes está avançado quando é diagnosticado. Em razão das características clínicas compartilhadas, considera-se a histologia mais comum — câncer de ovário epitelial seroso de alto grau — uma entidade clínica única com cânceres de tuba uterina e peritoneal. Os sintomas geralmente estão ausentes ou são inespecíficos. A avaliação é feita quase sempre por ultrassonografia, TC ou RM, e dosagem dos marcadores tumorais (p. ex., CA 125). O diagnóstico é feito por análise histológica. O estadiamento é cirúrgico. O tratamento requer histerectomia, salpingo-ooforectomia bilateral, remoção da maior parte possível do tecido afetado (citorredução) e geralmente quimioterapia.

Nos Estados Unidos, o câncer de ovário é o 2º câncer ginecológico mais comum (afetando cerca de 1/70 mulheres). É a 5ª causa principal de mortes relacionadas ao câncer em mulheres e, nos Estados Unidos, estima-se que causará 19.880 novos casos e 12.810 mortes em 2022 (1). A incidência é maior em países desenvolvidos.

Referência geral

  1. 1. American Cancer Society: Key Statistics for Ovarian Cancer. Acessado em 21/06/22.

Etiologia do câncer de ovário

O câncer de ovário afeta principalmente as mulheres em perimenopausa e pós-menopausa.

O risco de câncer de ovário aumenta por

  • História de câncer de ovário em um parente de 1º grau

  • Nuliparidade

  • Idade fértil atrasada

  • Menarca precoce

  • Menopausa atrasada

  • História pessoal ou familiar de câncer endometrial, de mama ou de cólon

O risco diminui por

  • Uso de contraceptivos orais

Alterações germinativas nos genes de câncer de mama 1 (BRCA1) e câncer de mama 2 (BRCA2) são identificadas em 14 a 18% das pacientes com câncer de ovário seroso de alto grau; 3% têm mutações BRCA (BRCAm) somáticas ou inativação devido à metilação (1). A deficiência na recombinação homóloga (que está envolvida no reparo de danos ao DNA e na replicação) é detectada em cerca de metade dos pacientes com câncer ovariano seroso de alto grau (2).

Mutações no gene autossômico dominante BRCA estão associadas a um risco de 50 a 85% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida. Mulheres com mutações no gene BRCA1 têm risco de vida de 20 a 40% de desenvolvimento de câncer de ovário; o risco entre as mulheres com mutações no BRCA2 é de 11 a 20%. A incidência dessas mutações é mais alta em judeus asquenazes do que na população em geral. As mutações em vários outros genes, incluindo TP53, PTEN, STK11/LKB1, CDH1, CHEK2, ATM, MLH1 e MSH2, foram associadas a câncer de mama e/ou ovário hereditário.

Células germinativas cancerosas geralmente ocorrem em mulheres com < 30 anos. A disgenesia gonádica XY predispõe ao câncer de ovário de células germinativas.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Cancer Genome Atlas Research Network: Integrated genomic analyses of ovarian carcinoma. Nature 474 (7353):609–615, 2011. doi: 10.1038/nature10166

  2. 2. Li X, Heyer WD: Homologous recombination in DNA repair and DNA damage tolerance. Cell Res 18 (1):99–113, 2008. doi: 10.1038/cr.2008.1

Patologia do câncer de ovário

Os cânceres de ovário são histologicamente diversificados (ver tabela Tipos de cânceres de ovário).

A maioria (90%) dos cânceres de ovário se desenvolve a partir de células epiteliais; o restante (tumores de células germinativas, tumores do cordão sexual/estroma) se desenvolve a partir de outros tipos de células do ovário.

O carcinoma epitelial ovariano pode ser dividido em cinco subtipos:

  • Seroso de alto grau

  • Seroso de baixo grau

  • Endometrioide

  • Células claras

  • Mucinoso

Carcinoma ovariano seroso de alto grau é o subtipo mais comum (> 70%) dos carcinomas epiteliais e geralmente se manifesta em um estágio avançado. Carcinoma ovariano epitelial seroso de alto grau, carcinomas de tuba uterina e carcinomas peritoneais compartilham comportamento e tratamento clínicos. A maioria dos carcinomas serosos de alto grau que se manifesta como uma massa ovariana ou como doença peritoneal se origina nas tubas uterinas, com base em estudos de mulheres com mutações BRCA após salpingo-ooforectomia bilateral de redução de risco.

É mais provável que cânceres ovarianos mucinosos se manifestem no estádio I do que outras histologias; estes cânceres são responsáveis por quase 27% das pacientes com carcinoma epitelial do ovário em estádio I.

Tabela

Câncer de ovário se dissemina por

  • Extensão direta

  • Esfoliação das células na cavidade peritoneal (semeadura peritoneal)

  • Disseminação linfática para a pelve e em torno da aorta

  • Menos frequentemente, por via hematológica ao fígado ou pulmões

Sinais e sintomas do câncer de ovário

O câncer ovariano pode ser assintomático. Quando há sintomas, eles são inespecíficos (p. ex., dispepsia, distensão abdominal, saciedade precoce, alteração dos hábitos intestinais, aumento na frequência urinária). Posteriormente, geralmente ocorrem dor pélvica, anemia, caquexia e distensão abdominal por aumento do ovário ou ascite.

Uma massa anexial, com frequência sólida, irregular, fixa, e pode ser descoberta casualmente. Os exames pélvico e retovaginal normalmente detectam nodularidade difusa. Poucas mulheres apresentam forte dor abdominal secundária à torção da massa ovariana.

Tumores de células germinativas ou estromais que produzem hormônios podem apresentar efeitos funcionais (p. ex., hipertireoidismo, feminização, virilização).

Diagnóstico do câncer de ovário

  • Ultrassonografia (para suspeita de cânceres em estádios iniciais) ou TC ou RM (para suspeita de cânceres em estádios avançados)

  • Marcadores tumorais (p. ex., antígeno do câncer [CA] 125)

Suspeita-se de câncer de ovário em mulheres com o seguinte:

  • Massas anexiais inexplicáveis

  • Distensão abdominal inexplicável

  • Mudanças em hábitos intestinais

  • Perda ponderal não intencional

  • Inexplicável dor abdominal

É mais provável que uma massa ovariana seja câncer em mulheres na pós-menopausa. Cistos benignos funcionais podem simular células germinativas funcionais ou tumores estromais em mulheres em idade reprodutiva.

Uma massa pélvica e ascite frequentemente indicam câncer de ovário, mas, por vezes, indicam síndrome de Meigs (um fibroma benigno com ascite no hidrotórax direito).

Exames de imagem

Se existe a suspeita de câncer em estádio inicial, a ultrassonografia é feita em primeiro lugar; os seguintes achados sugerem presença de câncer:

  • Um componente sólido

  • Excrescências superficiais

  • Tamanho > 6 cm

  • Formato irregular

  • Baixa resistência vascular detectada por estudos de fluxo transvaginal com Doppler

Se existe a suspeita de câncer em estádio avançado (p. ex., baseada em ascite, distensão abdominal ou nodularidade, ou fixação detectada durante o exame físico), TC ou RM é feita geralmente antes da cirurgia para determinar a extensão de câncer.

Marcadores tumorais

Marcadores tumorais para tumores não epiteliais (p. ex., tumores de células germinativas, tumores estromais) consistem na subunidade beta da gonadotropina coriônica humana (beta-hCG), desidrogenase láctica (LDH), alfa-fetoproteína e inibina; são tipicamente medidos em pacientes jovens, que têm maior risco desses cânceres. O CA 125 também é medido. Em pacientes na perimenopausa e pós-menopausa, somente o CA 125 é medido, porque na maioria das vezes os cânceres de ovário nessa faixa etária são tumores epiteliais. O CA 125 está elevado em 80% dos cânceres epiteliais do ovário avançados, mas pode estar dentro do intervalo normal nos estádios iniciais. Também pode estar levemente elevado na endometriose, doença inflamatória pélvica, gestação, miomas, inflamação peritoneal ou câncer peritoneal não ovariano.

Uma massa pélvica e cística mista sólida em mulheres na pós-menopausa, especialmente se o CA 125 estiver elevado, levanta suspeita de câncer de ovário.

Histologia

Não se recomenda biópsia rotineiramente, a menos que a paciente não seja candidata à intervenção cirúrgica, porque pode causar extravasamento das células e agravamento do câncer. Raramente, quando a biópsia é realizada, as amostras são obtidas por biópsia com agulha para massas ou por aspiração com agulha para líquido ascítico.

No caso de massas de aparência benigna na ultrassonografia, repete-se este exame em 6 semanas e então a cada 3 a 6 meses até confirmar que nenhuma característica maligna está se desenvolvendo. Entre as massas benignas que aparecem, incluem-se teratomas císticos benignos (cistos dermoides), cistos foliculares e endometriomas. Massas indeterminadas podem exigir cirurgia exploratória e salpingo-ooforectomia unilateral para confirmar a histologia.

Estadiamento

Câncer de ovário é estadiado cirurgicamente (ver tabela Estadiamento cirúrgico da FIGO para câncer de ovário, trompa de Falópio e peritôneo).

Tabela

Se existe a suspeita de câncer em estádio inicial, o estadiamento pode ser feito por laparoscopia ou cirurgia laparoscópica auxiliada por robô. Caso contrário, uma incisão na linha média abdominal, que permite um acesso adequado à parte superior, é necessária.

O procedimento de estadiamento consistem em histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral. Toda a superfície peritoneal, hemidiafragmas e vísceras abdominais e pélvicas são inspecionadas e palpadas. Lavagens da pelve, biópsias dos sulcos abdominais e recessos diafragmáticos são obtidas, sendo feitas múltiplas biópsias do peritônio nas partes central e lateral da pelve e no abdome. Para câncer em estádio inicial, o omento infracólico é removido, e os linfonodos pélvicos e para-aórticos são amostrados. A biópsia do linfonodo sentinela não é realizada rotineiramente em pacientes com câncer de ovário.

Os cânceres também são classificados histologicamente, e os cânceres de ovário epitelial são classificados como de baixo grau (grau 1) ou alto grau (grau 2 ou 3).

Prognóstico do câncer de ovário

Em mulheres com câncer ovariano, as taxas de sobrevida em 5 anos com o tratamento são

  • Estágio I: 85 a 95%

  • Estágio II: 70 a 78%

  • Estágio III: 40 a 60%

  • Estágio IV: 15 a 20%

O prognóstico é pior quando o grau do tumor é mais alto ou a cirurgia não pode remover todos os tecidos visualmente envolvidos; nesses casos, o prognóstico é melhor quando os tecidos envolvidos podem ser reduzidos a < 1 cm de diâmetro ou, idealmente, a uma quantidade residual microscópica (cirurgia citoredutora).

No câncer ovariano em estágio III ou IV, a taxa de recorrência é cerca de 70%.

Tratamento do câncer de ovário

  • Em geral, histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral

  • Cirurgia citorredutora

  • Em geral, quimioterapia pós-operatória com carboplatina e paclitaxel

(Ver também National Comprehensive Cancer Network (NCCN): NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology: Ovarian Cancer.)

O tratamento de cânceres de ovário, de tuba uterina e peritoneal depende do estádio, do grau e da histologia:

  • Para tumores ovarianos em estágio IA ou IB (confinados ao ovário) e/ou tumores endometrioides de grau 1, o prognóstico é excelente (sobrevida de 90%) após apenas cirurgia.

  • Para pacientes no estádio IC, II, grau 3 ou histologia celular clara, é recomendado tratamento quimioterápico adjuvante (p. ex., com carboplatina e paclitaxel).

  • Para os estádios III ou IV, a citorredução cirúrgica primária seguida de quimioterapia sistêmica é o tratamento padrão. Quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia citorredutora é a opção preferível para pacientes que não são candidatas à ressecção cirúrgica (devido à localização e volume do câncer ou por causa de comorbidades).

Em geral, indicam-se histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral; porém, pode-se considerar a preservação da fertilidade conservando o ovário e o útero não afetados no caso de carcinomas não epiteliais do ovário em estádio I ou de carcinomas não epiteliais de baixo grau em pacientes jovens.

As potenciais indicações para quimioterapia neoadjuvante são um ou mais dos seguintes:

  • Múltiplas metástases hepáticas

  • Linfadenopatia na porta hepatis

  • Linfonodos suprarrenais para-aórticos

  • Doença mesentérica difusa

  • Evidências de doença pulmonar pleural ou do parênquima

Em um grande ensaio clínico randomizado, a quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia teve menor morbidade perioperatória do que a cirurgia primária seguida de quimioterapia, além de taxas de sobrevida a longo prazo semelhantes (1).

Estadiamento cirúrgico e citorredução

O procedimento cirúrgico para cânceres de ovário, de tuba uterina e peritoneal inclui o estadiamento e citorredução (todo o tecido visivelmente envolvido é removido cirurgicamente, se possível). A citorredução está associada a maior tempo de sobrevida; o volume de doença residual remanescente após a citorredução correlaciona-se inversamente com o tempo de sobrevida.

A cirurgia citorredutora para câncer de ovário geralmente consiste em

  • Omentectomia supracólica, ás vezes com ressecção retossigmoide (normalmente com reanastomose primária)

  • Decapagem peritoneal radical

  • Ressecção do peritônio diafragmático ou esplenectomia

Citorredução pode ser

  • Completa: citorredução para doença não macroscopicamente visível

  • Ótima: citorredução com doença residual que tem ≤ 1 cm de diâmetro máximo do tumor, conforme definido pelo Gynecologic Oncology Group

  • Sub-ótima: citorredução com algum nódulo tumoral remanescente visível > 1 cm

Como a citorredução está associada ao aumento da sobrevida, é importante conseguir prever quando a citorredução não causa doença residual, mas isso é difícil; não há critérios uniformes.

A citorredução ótima é menos provável se os pacientes têm:

  • Estado de baixo desempenho

  • Idade > 60 anos

  • Estado físico 3 ou 4 da American Society of Anesthesiologists

  • Comorbidades médicas

  • Estado nutricional deficiente

  • Doença extra-abdominal

  • Tumor de grande volume

  • Envolvimento do intestino grosso

  • Metástases nos linfonodos retroperitoneais acima dos vasos renais e > 1 cm na maior dimensão

  • Envolvimento do fígado parenquimatoso

  • CA 125 > 500 U/mL pré-operatório

A classificação de Fagotti, baseada em 7 achados laparoscópicos, pode ajudar a prever a probabilidade da citorredução ideal em pacientes com câncer de ovário avançado. Esse sistema de pontuação atribui um valor de 0 ou 2, dependendo de a doença estar presente em determinados locais. Se a classificação das pacientes é ≥ 10, é muito improvável citorredução ótima. Se a classificação for < 10, são consideradas candidatas à cirurgia citorredutora (2).

Laparoscopia diagnóstica antes da laparotomia pode evitar que as pacientes passem por uma laparotomia desnecessária, resultando em citorredução abaixo do ideal. A laparoscopia permite que os médicos façam uma biópsia do tecido, produzam um diagnóstico definitivo e analisem a amostra da biópsia. Assim, pacientes que não são candidatas à citorredução podem iniciar o tratamento quimioterápico mais cedo. Achados laparoscópicos indicando que é improvável a citorredução ótima incluem

  • Bolo omental

  • Carcinomatose peritoneal ou diafragmática extensa

  • Retração mesentérica

  • Infiltração intestinal e estomacal

  • Metástase superficial do baço e/ou do fígado

Quimioterapia sistêmica ou intraperitoneal

Na maioria das pacientes com câncer ovariano recém-diagnosticado, a doença se disseminou amplamente por todo o peritônio; assim, o tratamento envolve um dos seguintes (ver tabela Tratamento pós-operatório do câncer de ovário por estádio e tipo)

  • Estadiamento e citorredução, seguidos de 6 ciclos de quimioterapia IV

  • 3 ciclos de quimioterapia neoadjuvante, seguidos de cirurgia e mais 3 ciclos de quimioterapia

Quimioterapia padrão consiste em 6 ciclos de paclitaxel e carboplatina. Pode-se usar outros fármacos quimioterápicos com base nas características do paciente.

Para certos pacientes com maior risco de recorrência (p. ex., aqueles com derrames pleurais ou ascite e sem mutação BRCA), adicionar bevacizumabe à quimioterapia e continuá-la como terapia de manutenção é uma opção.

Enzimas PARP (poliadenosina difosfato-ribose polimerase) são essenciais para a reparação de rupturas de cadeia simples no DNA. A inibição das enzimas PARP leva a rupturas persistentes de fita simples, que causam acúmulo de rupturas de fita dupla durante a replicação do DNA e, com o tempo, levam à morte das células tumorais.

Em vários ensaios clínicos, a administração de um inibidor dae PARP (PARPi) após a quimioterapia melhorou a sobrevida livre de progressão em mulheres com câncer ovariano endometrioide seroso ou de alto grau e que realizaram a quimioterapia de primeira linha, mesmo que não tivessem uma mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2 (3, 4, 5, 6).

Dois ensaios clínicos controlados por placebo avaliaram a terapia de manutenção com um PARPi em pacientes que responderam à terapia de primeira linha contendo platina. O estudo SOLO1 avaliou olaparibe em pacientes com mutação de linhagem germinativa ou somática no BRCAm (7); o estudo PRIMA/ENGOT-Ov26 avaliou o niraparibe em pacientes com câncer ovariano avançado recém-diagnosticado [não restrito a portadores do gene BRCAm (4)].

O estudo VELIA incluiu pacientes com carcinoma seroso ovariano de alto grau em estádio III ou IV sem tratamento prévio. Esse estudo com três braços comparou a quimioterapia padrão isolada versus a quimioterapia padrão mais veliparibe versus quimioterapia padrão mais veliparibe seguido de terapia de manutenção com veliparibe (3). A sobrevida livre de progressão foi mais longa com quimioterapia com veliparibe mais manutenção com veliparibe.

Sugeriu-se quimioterapia intraperitoneal com catéter como uma alternativa à quimioterapia IV. A quimioterapia intraperitoneal entrega os fármacos quimioterápicos diretamente na superfície peritoneal e, assim, elimina a doença microscópica residual. No câncer de ovário em estádio avançado, o tratamento combinado com quimioterapia intraperitoneal e IV parece prolongar a sobrevida geral após cirurgia citorredutora primária (8). Essa abordagem não é isenta de complicações; complicações relacionadas com o catéter podem limitar seu uso (9).

A administração direta de quimioterapia na cavidade abdominal sob condições hipertérmicas (HIPEC) no intraoperatório após citorredução foi usada em pacientes com câncer de colo e está sendo estudada para o câncer de ovário. O potencial benefício da quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) é a maior sensibilidade à quimioterapia pelo prejuízo no reparo do DNA, indução de apoptose e ativação de proteínas de choque térmico.

Tabela

Mesmo que a quimioterapia resulte em uma resposta clínica completa (isto é, exame físico normal, CA 125 normal e TC negativa de abdome e pelve), aproximadamente 50% das pacientes com câncer em estádios III ou IV têm tumores residuais. Dentre as pacientes com elevação persistente de CA 125, 90 a 95% têm tumor residual.

Doença recorrente

Pode-se detectar a recorrência do câncer de ovário sorologicamente com marcadores tumorais (p. ex., CA 125) e/ou por sinais radiológicos de progressão. O tratamento da recorrência depende do tempo entre a conclusão do tratamento com platina e a detecção da recorrência [intervalo livre de platina (ILP)]:

  • Um ILP de ≥ 6 meses sugere doença sensível à platina.

  • Um ILP de < 6 meses sugere doença resistente à platina.

O principal tratamento para pacientes com câncer de ovário recorrente é a terapia sistêmica. Se o câncer recomeçar ou progredir após quimioterapia efetiva, a quimioterapia é reiniciada. Fármacos úteis para câncer de ovário podem incluir doxorrubicina lipossomal, docetaxel, paclitaxel, gencitabina, bevacizumabe e uma combinação de ciclofosfamida mais bevacizumabe ou gemcitabina mais cisplatina (10). A terapia com agentes biológicos está sob estudo.

Se o câncer ovariano sensível à platina recorrer, usa-se um inibidor de PARP — olaparibe, niraparibe ou rucaparib — para terapia de manutenção (11, 12).

Ensaios clínicos randomizados da cirurgia citorredutora secundária em pacientes com câncer de ovário sensível à platina apresentaram resultados variáveis. Diversos ensaios clínicos compararam a citorredução cirúrgica seguida de quimioterapia versus apenas quimioterapia. Em um estudo (GOG-0213), o tempo de sobrevida geral não aumentou, mas em outros trabalhos houve aumento significativo no tempo de sobrevida geral (no DESKTOP III, 53,7 versus 46,0 meses) ou no tempo de sobrevida livre de progressão [no SOC-1, 17,4 versus 11,9 meses (13, 14, 15)].

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Vergote I, Tropé CG, Amant F, et al; Neoadjuvant chemotherapy or primary surgery in stage IIIC or IV ovarian cancer. N Engl J Med 2010;363 (10):943–953, 2010. doi:10.1056/ NEJMoa0908806

  2. 2. Petrillo M, Vizzielli G, Fanfani F, et al: Definition of a dynamic laparoscopic model for the prediction of incomplete cytoreduction in advanced epithelial ovarian cancer: Proof of a concept. Gynecol Oncol. 139 (1):5–9, 2015. doi:10.1016/j.ygyno.2015.07.095 Epub 2015 Jul 18.

  3. 3. Coleman RL, Fleming GF, Brady MF, et al: Veliparib with first-line chemotherapy and as maintenance therapy in ovarian cancer. N Engl J Med 381 (25):2403–2415, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1909707 Epub 2019 Sep 28.

  4. 4. González-Martín A, Pothuri B, Vergote I, et al: Niraparib in patients with newly diagnosed advanced ovarian cancer. N Engl J Med 381 (25):2391–2402, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1910962 Epub 2019 Sep 28.

  5. 5. Ray-Coquard I, Pautier P, Pignata S, et al: Olaparib plus bevacizumab as first-line maintenance in ovarian cancer. N Engl J Med 381 (25):2416–2428, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1911361

  6. 6. Moore K, Colombo N, Scambia G, et al: Maintenance olaparib in patients with newly diagnosed advanced ovarian cancer. N Engl J Med 379 (26):2495–2505, 2018. doi: 10.1056/NEJMoa1810858 Epub 2018 Oct 21.

  7. 7. Banerjee S, Moore KN, Colombo N, et al: Maintenance olaparib for patients with newly diagnosed advanced ovarian cancer and a BRCA mutation (SOLO1/GOG 3004): 5-year follow-up of a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol 22 (12):1721–1731, 2021. doi: 10.1016/S1470-2045(21)00531-3 Epub 2021 Oct 26

  8. 8. Armstrong DK, Bundy B, Wenzel L, et al: Intraperitoneal cisplatin and paclitaxelin in ovarian cancer. N Engl J Med 354:34–43, 2006. doi: 10.1056/NEJMoa052985

  9. 9. Wright AA, Cronin A, Milne DE, et al: Use and effectiveness of intraperitoneal chemotherapy for treatment of ovarian cancer. J Clin Oncol 33:2841–2847, 2015. doi: 10.1200/JCO.2015.61.4776

  10. 10. Zsiros E, Lynam S, Attwood KM, et al: Efficacy and safety of pembrolizumab in combination with bevacizumab and oral metronomic cyclophosphamide in the treatment of recurrent ovarian cancer: A phase 2 nonrandomized clinical trial. JAMA Oncol 7 (1):78–85, 2021. doi: 10.1001/jamaoncol.2020.5945

  11. 11. Ledermann J, Harter P, Gourley C, et al: Olaparib maintenance therapy in platinum-sensitive relapsed ovarian cancer. N Engl J Med 366 (15):1382–1392, 2012. doi: 10.1056/NEJMoa1105535 Epub 2012 Mar 27.

  12. 12. Pujade-Lauraine E, Ledermann JA, Selle F, et al: Olaparib tablets as maintenance therapy in patients with platinum-sensitive, relapsed ovarian cancer and a BRCA1/2 mutation (SOLO2/ENGOT-Ov21): A double-blind, randomised, placebo-controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol 18 (9):1274–1284, 2017. doi: 10.1016/S1470-2045(17)30469-2 Epub 2017 Jul 25.

  13. 13. Coleman RL, Spirtos NM, Enserro D, et al: Secondary surgical cytoreduction for recurrent ovarian cancer. N Engl J Med 381 (20):1929–1939, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1902626

  14. 14. Harter P, Sehouli J, Vergote I, et al: Randomized trial of cytoreductive surgery for relapsed ovarian cancer. N Engl J Med 385 (23):2123–2131, 2021. doi: 10.1056/NEJMoa2103294

  15. 15. Shi T, Zhu J, Feng Y, et al: Secondary cytoreduction followed by chemotherapy versus chemotherapy alone in platinum-sensitive relapsed ovarian cancer (SOC-1): A multicentre, open-label, randomised, phase 3 trial. Lancet Oncol 22 (4):439–449, 2021. doi: 10.1016/S1470-2045(21)00006-1 Epub 2021 Mar 8.

Prevenção do câncer de ovário

Para pacientes com mutações no gene BRCA1 ou BRCA2, o risco de câncer de ovário e, em menor grau, de mama é reduzido se for feita salpingo-ooforectomia profilática antes de se completar o período fértil. Pacientes com mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 devem ser encaminhadas a um oncologista ginecológico para aconselhamento.

Triagem

Não há teste de triagem para câncer de ovário. Entretanto, mulheres com um risco hereditário conhecido, como aquelas com mutações BRCA, deve ser acompanhadas atentamente.

Embora os dados de grandes estudos indiquem que o CA 125 tem alta especificidade (até 99,9% em um estudo), a sensibilidade é apenas moderada (71% em um estudo) e o valor preditivo positivo é baixo; assim, CA 125 não é recomendado como teste de triagem para mulheres assintomáticas com risco médio.

Estudou-se a triagem multimodal, mas não se determinou se é eficaz. Um grande ensaio clínico randomizado comparou a triagem anual multimodal [CA 125, ultrassonografia transvaginal (TVUS)] com a ausência de triagem. Em um seguimento médio de 16,3 anos, a triagem multimodal detectou mais mulheres com câncer de ovário ou de tuba uterina em estádio inicial; entretanto, não houve redução significativa nas mortes por esses cânceres (1).

A maioria dos cânceres de mama e ovário é esporádica; apenas cerca de 6% dos casos de câncer de mama e 15% dos casos de câncer de ovário são causados por mutações nos genes BRCA. Entretanto, deve-se considerar a avaliação de síndrome de câncer hereditário em todas as mulheres diagnosticadas com câncer de ovário, de tubas uterinas ou peritoneal, e elas devem ser submetidas a uma avaliação de risco genético. Uma mutação da linha germinativa ou somática BRCA1 ou BRCA2 pode afetar o tratamento e a terapia de manutenção. Deve-se obter uma história pessoal e familiar detalhada de outros tipos de câncer para identificar mulheres com maior probabilidade de ter uma síndrome de câncer hereditário [p. ex., envolvendo mutações BRCA1 ou BRCA2, síndrome de Lynch (câncer colorretal hereditário sem polipose).

Deve-se examinar nas mulheres anormalidades do gene BRCA se a história familiar incluir qualquer um dos seguintes:

  • Diagnóstico de câncer de ovário, antes de 40 anos, em algum parente em 1º grau

  • Diagnóstico de câncer de mama e ovário em apenas um parente e 1º grau, se um dos cânceres foi diagnosticado antes da idade de 50 anos

  • Dois casos de câncer de ovário em parentes em 1º e 2º graus da mesma linhagem

  • Dois casos de câncer de mama e um caso de câncer de ovário em parentes em 1º ou 2º grau da mesma linhagem

  • Um caso de câncer de mama e um caso de câncer de ovário em parentes em 1º ou 2º grau da mesma linhagem, se o câncer de mama foi diagnosticado antes dos 40 anos, ou o câncer de ovário foi diagnosticado antes dos 50 anos

  • Dois casos de câncer de mama em parentes em 1º ou 2º grau da mesma linhagem, se ambos os casos foram diagnosticados antes dos 50 anos

  • Dois casos de câncer de mama em parentes em 1º ou 2º grau da mesma linhagem, se um deles foi diagnosticado antes dos 40 anos

Além disso, se mulheres judias asquenazes tiverem um membro da família com diagnóstico de câncer de mama antes dos 50 anos de idade ou com câncer de ovário, a triagem para anormalidades no gene BRCA deve ser considerada.

Referência sobre prevenção

  1. 1. Menon U, Gentry-Maharaj A, Burnell M, et al : Ovarian cancer population screening and mortality after long-term follow-up in the UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening (UKCTOCS): A randomised controlled trial. Lancet 397 (10290):2182–2193, 2021. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00731-5 Epub 2021 May 12.

Pontos-chave

  • O câncer de ovário afeta principalmente as mulheres na perimenopausa e pós-menopausa; nuliparidade, fertilidade atrasada, menarca precoce, menopausa atrasada e certos marcadores genéticos (mutações no BRCA) aumentam o risco.

  • Os sintomas (p. ex., dispepsia, distensão abdominal, saciedade precoce, dor causada por gases e/ou dor lombar) são inespecíficos.

  • Se houver suspeita de câncer, primeiro fazer TC (às vezes seguida de TC ou RM) e medir os marcadores tumorais (p. ex., CA 125).

  • Em geral, o tratamento é o estadiamento cirúrgico (como histerectomia, salpingo-ooforectomia bilateral, lavados pélvicos e biópsia peritoneal) e cirurgia citorredutora seguida de quimioterapia (p. ex., carboplatina, paclitaxel e bevacizumabe).

  • Triagem eficaz não está disponível para mulheres de risco médio; triagem para mulheres de alto risco (p. ex., portadores de mutações BRCA) com ultrassonografia e/ou CA 125.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. National Cancer Institute: Ovarian, Fallopian Tube, and Primary Peritoneal Cancer: esse site fornece links para informações sobre causas, genética, prevenção e tratamento do câncer de ovário, de tuba uterina e câncer peritoneal primário, bem como links para informações sobre rastreamento, estatísticas e cuidados de suporte e paliativos.

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