Distúrbios autoimunes na gestação

PorLara A. Friel, MD, PhD, University of Texas Health Medical School at Houston, McGovern Medical School
Revisado/Corrigido: out 2021 | modificado set 2022
Visão Educação para o paciente

Os distúrbios autoimunes são 5 vezes mais frequentes em mulheres, incidência que atinge um pico na idade reprodutiva. Dessa maneira, é comum ocorrer esses distúrbios autoimunes em gestantes.

Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo na gestação

A síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF), ou síndrome antifosfolipídica, é uma doença autoimune que predispõe as pacientes à trombose e, durante a gestação, aumenta o risco de morte fetal, hipertensão induzida pela gestação, pré-eclâmpsia e restrição do crescimento intrauterino

A síndrome antifosfolipídica é causada por autoanticorpos contra certas proteínas de ligação de fosfolipídios que de outro modo protegem contra a ativação excessiva da coagulação.

Diagnóstico

  • Medição dos anticorpos antifosfolipídicos na circulação

  • Critérios clínicos

Suspeita-se da síndrome antifosfolipídica em mulheres com história de qualquer um dos seguintes:

  • ≥ 1 perdas fetais inexplicadas ou ≥ 3 perdas embrionárias inexplicadas

  • Tromboembolia venosa ou arterial prévia inexplicada

  • Novo tromboembolia arterial ou venoso durante a gestação

O diagnóstico da síndrome antifosfolipídica é pela medição dos níveis de anticorpos antifosfolipídios (anticardiolipina, beta-2 glicoproteína I, anticoagulante lúpico) na circulação com resultados positivos em ≥ 2 vezes em intervalos de 12 semanas.

O diagnóstico da síndrome antifosfolipídica requer ≥ 1 critério clínico, além de ≥ 1 dos critérios laboratoriais acima. Os critérios clínicos podem ser vasculares (tromboembolia arterial ou venoso prévio inexplicado em qualquer tecido) ou relacionados à gestação. Os critérios relacionados à gestação incluem:

  • ≥ 1 mortes inexplicáveis de um feto morfologicamente normal (via ultrassonografia ou exame direto) com ≥ 10 semanas de gestação

  • ≥ 1 nascimento prematuro de um neonato morfologicamente normal com ≤ 34 semanas de gestação devido à eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave ou com características de insuficiência placentária

  • ≥ 3 perdas por abortos consecutivos inexplicados com ≤ 10 semanas da gestação, excluindo anormalidades anatômicas e hormonais maternas e causas cromossômicas paternas e maternas

Tratamento

  • Profilaxia com anticoagulantes e baixa dose de aspirina

Mulheres com a síndrome antifosfolipídica normalmente são tratadas profilaticamente com anticoagulantes e baixa dose de aspirina durante a gestação e por 6 semanas pós-parto.

Púrpura trombocitopênica imunitária na gestação

A púrpura trombocitopênica imunitária (PTI), mediada pela produção de IgG antiplaquetária materna, tende a piorar durante a gestação e aumenta o risco de morbidade materna.

Os corticoides reduzem os níveis de IgG e causam remissão do quadro na maioria das mulheres, mas a melhora é mantida em apenas 50% casos. A terapia imunossupressora e troca plasmática também alteram os níveis de IgG, aumentando a contagem de plaquetas. Raramente, a esplenectomia é necessária para os casos refratários; é mais bem indicada durante o 2º trimestre, causando remissão persistente em até 80% dos casos.

Imunoglobulinas IV aumentam os níveis de plaquetas de modo significativo, mas por pouco tempo; assim, com o seu uso, o trabalho de parto pode ser induzido em pacientes com baixos níveis de plaquetas. Indicam-se transfusões de plaquetas apenas quando

  • Cesariana é necessária e a contagem de plaquetas materna é < 50.000/microL.

  • Espera-se parto vaginal e a contagem de plaquetas é < 10.000/microL.

Embora a IgG possa cruzar a barreira placentária, causando trombocitopenia fetal e neonatal, isso raramente acontece. Os níveis maternos de anticorpos antiplaquetários (aferidos por meios diretos e indiretos) não podem predizer o envolvimento fetal. O risco de hemorragia intracraniana neonatal decorrente de PTI materna não é afetado pela maneira como o parto é feito, nem por trauma no nascimento. Consequentemente, a prática atual aceita é o parto vaginal, sem determinar rotineiramente a contagem plaquetária fetal, e cesariana somente por indicações obstétricas.

Miastenia gravis na gestação

Miastenia grave tem curso variável durante a gestação. Com frequência, episódios agudos da doença podem necessitar de aumento das doses de fármacos anticolinesterásicos (p. ex., neostigmina), as quais podem produzir sintomas de excesso de medicação (p. ex., dor abdominal, diarreia, vômitos e fraqueza progressiva); nesses casos, a atropina pode ser necessária. Algumas vezes, a miastenia se torna refratária à terapia padrão, necessitando assim do uso de corticoides ou imunossupressores.

Durante o trabalho de parto, mulheres com miastenia grave podem precisar de suporte respiratório (ventilação assistida) e são extremamente sensíveis aos fármacos que causam depressão respiratória (p. ex., opioides, sedativos, magnésio). Como os anticorpos que causam essa doença podem atravessar a placenta, 20% dos recém-nascidos, filhos de mães com miastenia grave, apresentam a doença ao nascimento, principalmente se a mãe não tiver realizado timectomia.

Artrite reumatoide na gestação

A artrite reumatoide (AR) pode começar durante a gestação ou, mesmo mais frequentemente, no período pós-parto. A AR preexistente em geral diminui temporariamente durante a gestação. O feto não é afetado especificamente, mas o parto pode ser dificultado se a coluna lombar ou as articulações dos quadris estiverem afetadas.

Se a mulher tiver um agravamento da AR durante a gestação o tratamento inicial com frequência começa com prednisona. Para casos refratários, outros imunossupressores podem ser utilizados.

Lúpus eritematoso sistêmico na gestação

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) pode aparecer inicialmente na gestação; mulheres que apresentaram óbito fetal inexplicado no 2º trimestre, feto com restrição de crescimento, parto prematuro ou abortos espontâneos recorrentes são frequentemente diagnosticadas mais tarde como portadoras de LES.

O curso de um caso de lúpus eritematoso sistêmicopreexistente durante a gestação não pode ser predito, mas o lúpus eritematoso sistêmico pode piorar, em particular logo após o parto. Os resultados são melhores se for possível adiar a concepção até a doença estar inativada por pelo menos 6 meses, o regime medicamentoso já foi ajustado e a hipertensão arterial e função renal estão normais.

As complicações podem incluir

Complicações renais ou cardíacas significativas e preexistentes aumentam o risco de morbidade e mortalidade materna. Nefrite difusa, hipertensão ou a presença de anticorpos antifosfolipídios circulantes (geralmente anticorpos anticardiolipina ou anticoagulante lúpico) têm risco maior de mortalidade perinatal. Os neonatos podem ter anemia, trombocitopenia ou leucopenia; essas desordens tendem a desaparecer durante as primeiras semanas após o nascimento, quando os anticorpos maternos desaparecem.

Se a hidroxicloroquina foi usada antes da concepção, ela pode ser mantida por toda a gestação. Crises de lúpus eritematoso sistêmico são normalmente tratadas com baixa dose de prednisona, metilprednisolona de pulso IV, hidroxicloroquina e/ou azatioprina. Doses altas de prednisona e ciclofosfamida aumentam os riscos obstétricos e são, portanto, reservadas para complicações graves do lúpus.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS