Hipoglicemia

PorErika F. Brutsaert, MD, New York Medical College
Revisado/Corrigido: set 2022
Visão Educação para o paciente

Hipoglicemia ou baixo nível de glicose no plasma podem resultar em estimulação do sistema nervoso simpático e disfunção do sistema nervoso central. Em pacientes com diabetes em uso de insulina ou em tratamento anti-hiperglicêmico, a hipoglicemia é comum e é definida como um nível de glicose ≤ 70 mg/dL. Por outro lado, a hipoglicemia não relacionada com o tratamento com insulina exógena é uma síndrome clínica incomum causada por diversas doenças ou fármacos. O diagnóstico requer exame de glicemia no momento dos sintomas ou durante jejum de 72 hora. O tratamento da hipoglicemia consiste em fornecer glicose associada ao tratamento da causa subjacente.

Mais comumente, a hipoglicemia sintomática é uma complicação do tratamento farmacológico do diabetes mellitus com anti-hiperglicemiantes orais (especialmente sulfonilureias) e insulina.

A hipoglicemia sintomática não relacionada com o tratamento do diabetes mellitus é relativamente rara, em parte pelo fato de o organismo ter amplos mecanismos contrarreguladores para compensar as baixas concentrações de glicose. A elevação em pico das concentrações de glucagon e adrenalina em resposta à hipoglicemia aguda parece ser a primeira linha de defesa. Cortisol e o GH (growth hormone) também se elevam agudamente e são importantes na recuperação da hipoglicemia prolongada. O limiar para liberação desses hormônios é, geralmente, superior aos sintomas de hipoglicemia. Síndromes hereditárias ou congênitas que causam hipoglicemia na infância e adolescência não são discutidas aqui.

Etiologia da hipoglicemia

A hipoglicemia em pacientes sem diabetes é rara. Pode ocorrer em jejum e/ou no estado pós-prandial e pode ser classificada como mediada pela insulina ou não mediada pela insulina.

Uma classificação útil e prática baseia-se no estado clínico: se a hipoglicemia ocorre em pacientes com aspecto saudável ou enfermo.

Em adultos com bom aspecto e sem diabetes, o diagnóstico diferencial inclui distúrbios mediados pela insulina e não mediados pela insulina.

As causas mediadas pela insulina são

  • Insulina exógena

  • Uso de secretagogos de insulina (sulfonilureia)

  • Insulinoma

  • Síndrome de hipoglicemia pancreogênica não insulinoma (SHPNI)

  • Hipoglicemia pós-cirurgia bariátrica

  • Hipoglicemia autoimune com anticorpos anti-insulina

Insulinoma é um tumor neuroendócrino raro de células beta produtoras de insulina. Tipicamente, causa hipoglicemia em jejum, embora também possa ocorrer hipoglicemia pós-prandial. A hipoglicemia pós-cirurgia bariátrica é uma hipoglicemia hiperinsulinêmica que às vezes se desenvolve anos após a cirurgia bariátrica (especialmente o bypass gástrico em Y de Roux). É rara, mas sua frequência real não é conhecida e as amostras patológicas mostram nesidioblastose (hipertrofia das células beta pancreáticas). A hipoglicemia é tipicamente pós-prandial. A síndrome de hipoglicemia pancreatogênica não insulinoma (SHPNI) é uma doença rara na qual os pacientes têm hipoglicemia hiperinsulinêmica com exames de imagem local negativos e sem história de cirurgia bariátrica. Em geral, a hipoglicemia é pós-prandial e as amostras cirúrgicas mostram características de nesidioblastose.

A hipoglicemia autoimune por anticorpos anti-insulina é uma doença que ocorre mais frequentemente em pacientes com outras doenças autoimunes, como lúpus. Os autoanticorpos se ligam à insulina ou ao receptor e se dissociam. A insulina circulante torna-se disponível para se ligar ao receptor na dissociação dos anticorpos que causam hipoglicemia. O tratamento é com corticoides ou imunossupressores.

As causas não mediadas por insulina são

  • Insuficiência adrenal

  • Uso de outros fármacos além de insulina ou sulfonilureia (p. ex., quinina, gatifloxicina, pentamidina, álcool)

Em pacientes enfermos, o diagnóstico diferencial também inclui distúrbios mediados pela insulina e não mediados pela insulina.

Os transtornos mediados por insulina são

  • Insulina exógena

  • Uso de secretagogos de insulina (sulfonilureia)

Os transtornos não mediados por insulina são

Em pacientes hospitalizados, a hipoglicemia espontânea que não é causada por fármacos pressagia um prognóstico ruim e pode ocorrer quando a má nutrição é combinada com insuficiência de órgãos em fase avançada (especialmente insuficiência hepática, renal ou cardíaca) e/ou sepse. A hipoglicemia decorrente de tumor que não da ilhota pancreática é uma doença rara causada pela produção de grandes quantidades de formas aberrantes do fator 2 de crescimento semelhante à insulina (IGF-2) por um tumor. A forma aberrante do IGF-2 liga-se ao receptor de insulina e causa hipoglicemia. Quando a hipoglicemia se desenvolve, o tumor geralmente está em fase avançada.

Pseudo-hipoglicemia ocorre quando o processamento de amostras de sangue em tubos de ensaio não tratados é retardado e as células, como eritrócitos e leucócitos (em especial se estiverem aumentados, como em leucemia ou policitemia), consomem a glicose. A má circulação nos dígitos também pode provocar medições erroneamente baixas na glicemia medida na ponta dos dedos.

A hipoglicemia factícia é a hipoglicemia verdadeira induzida pela administração não terapêutica de sulfonilureias ou insulina.

Sinais e sintomas da hipoglicemia

Uma elevação de atividade autonômica em resposta a baixas concentrações plasmáticas de glicose causa sudorese, náuseas, calor, ansiedade, tremores, palpitação e, possivelmente, fome e parestesias. O suprimento inadequado de glicose para o cérebro causa cefaleia, visão turva ou dupla, confusão, dificuldade para falar, agitação e coma. Nos idosos, a hipoglicemia pode causar sinais e sintomas semelhantes aos de um acidente vascular encefálico com afasia ou hemiparesia e tem maior probabilidade de causar um acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio e morte súbita.

Pacientes com diabetes mellitus de longa data podem não perceber os episódios de hipoglicemia por não apresentarem mais os sintomas autonômicos (hipoglicemia despercebida).

Em pesquisas sob condições controladas, os sintomas autonômicos iniciam-se em ou abaixo de um nível plasmático de glicose de cerca de 60 mg/dL (3,3 mmol/L), ao passo que os sintomas no sistema nervoso central ocorrem em ou abaixo de um nível de glicose de cerca de 50 mg/dL (2,8 mmol/L). Entretanto, sintomas sugestivos de hipoglicemia são muito mais comuns que a própria condição. A maioria das pessoas com níveis de glicose nesses limiares não apresenta sintomas e as pessoas com sintomas sugestivos de hipoglicemia podem ter concentrações normais de glicose.

Diagnóstico da hipoglicemia

  • Medição do nível de glicose no sangue

Em pacientes com diabetes em uso de insulina ou de anti-hiperglicêmicos, um nível sérico de glicose < 70 mg/dL (3,8 mmol/L) correlacionado com achados clínicos é consistente com hipoglicemia.

A gravidade da hipoglicemia em pacientes com diabetes depende dos níveis séricos de glicose e da necessidade de assistência

  • Hipoglicemia de nível 1 (leve): glicemia < 70 mg/dL (< 3,8 mmol/L), mas 54 mg/dL ( 3 mmol/L)

  • Hipoglicemia de nível 2 (moderada): glicose no sangue < 54 mg/dL

  • Hipoglicemia de nível 3 (grave): hipoglicemia que exige assistência de outra pessoa por causa da alteração do estado mental ou físico

Em pacientes que não recebem tratamento para o diabetes, o diagnóstico de um transtorno hipoglicêmico requer a confirmação da tríade de Whipple ou a confirmação de baixa glicemia em jejum. A tríade de Whipple é

  • Sintomas de hipoglicemia

  • Baixo nível plasmático de glicose (< 55 mg/dL) que acontece concomitantemente aos sintomas

  • Diminuição dos sintomas quando se administra dextrose ou outro açúcar

Se um médico estiver presente quando os sintomas ocorrem, deve-se enviar o sangue para teste de glicose em um tubo contendo um inibidor glicolítico. Se a glicose está normal, descartar hipoglicemia e considerar outras causas dos sintomas. Se a glicose está anormalmente baixa e não é possível identificar uma causa a partir da anamnese (p. ex., fármacos, insuficiência adrenal, desnutrição grave, falência de órgãos ou sepse), deve-se verificar os níveis séricos de insulina, anticorpos anti-insulina e sulfonilureia. O peptídeo C e a pró-insulina medidos no mesmo tubo podem distinguir a hipoglicemia mediada pela insulina da não mediada pela insulina e a hipoglicemia factícia da fisiológica, podendo evitar a necessidade de testes adicionais.

Na prática, entretanto, é incomum que clínicos estejam presentes quando os pacientes experimentam os sintomas que sugerem hipoglicemia. Medidores caseiros de glicose não são confiáveis para quantificar a hipoglicemia e não há limiares claros de hemoglobina A1C que distingam hipoglicemia a longo prazo de normoglicemia. Portanto, a necessidade de exames diagnósticos mais extensos baseia-se na probabilidade de que exista uma doença subjacente que possa causar hipoglicemia com base na aparência clínica do paciente e em doenças coexistentes.

Para diferenciar entre a hipoglicemia mediada pela insulina da não mediada pela insulina e para determinar a etiologia da hipoglicemia, pode ser necessário jejum de 48 ou 72 horas.

Jejum de 72 horas realizado em um ambiente controlado é o padrão para diagnóstico. Entretanto, em quase todos os pacientes com distúrbio hipoglicêmico, o jejum de 48 hora é adequado para detectar a hipoglicemia e o jejum completo de 72 hora pode não ser necessário. Os pacientes consomem apenas bebidas não calóricas e descafeinadas e a glicemia é dosada ao início do procedimento, sempre que houver algum sintoma e a cada 4 a 6 horas ou a cada 1 a 2 horas se a glicose cair abaixo de 70 mg/dL (3,8 mmol/L).

Deve-se medir a insulina sérica, peptídeo C e pró- insulina quando a glicemia simultânea é < 55 mg/dL para distinguir a hipoglicemia endógena da exógena (factícia). O jejum termina em 72 horas se o paciente não experimentar sintomas e se a glicose permanecer normal; acaba antes se a glicose cair para 45 mg/dL ( 2,5 mmol/L) na presença de sintomas de hipoglicemia.

As dosagens ao final do jejum contemplam o beta-hidroxibutirato (que deve ser baixa se a causa for um insulinoma), a sulfonilureia sérica para detectar hipoglicemia farmacológica e a glicemia após injeção IV de glucagon para detectar o aumento típico do insulinoma. Sensibilidade, especificidade e valores preditivos para detectar hipoglicemia por esse protocolo não foram relatados.

Não há um limiar inferior estabelecido de glicose que defina inequivocamente hipoglicemia patológica durante o jejum monitorado. Mulheres normais tendem a apresentar concentrações de glicose mais baixas que as dos homens e podem apresentar concentrações de até 50 mg/dL (2,8 mmol/L) sem sintomas. Se não ocorrer hipoglicemia sintomática em 48 a 72 horas, o paciente deve realizar atividades físicas vigorosa por cerca de 30 minutos. Se ainda não ocorrer hipoglicemia, o insulinoma estará essencialmente excluído e, geralmente, não se indicam mais exames.

Em pacientes com hiperglicemia pós-prandial, pode-se fazer a medição da glicemia capilar com testes laboratoriais depois da ingestão dos alimentos desencadeantes.

Tratamento da hipoglicemia

  • Açúcares por via oral ou glicose IV

  • Às vezes, glucagon por via parenteral

Tratamento em pacientes em uso de anti-hiperglicêmicos

O tratamento imediato da hipoglicemia envolve fornecimento de glicose. Indivíduos em risco de hipoglicemia devem ter glucagon ou dasiglucagon em casa e em outros locais; deve-se instruir seus familiares e outras pessoas de confiança acerca do tratamento de emergências hipoglicêmicas.

Em pacientes tratados com fármacos para redução da glicose (insulina ou sulfonilureias), considera-se hipoglicemia quando o nível de glicose no sangue é < 70 mg/dL (< 3,8 mmol/L); a hipoglicemia deve ser tratada para evitar reduções adicionais no nível de glicose e as consequências da hipoglicemia.

Pacientes capazes de comer ou beber podem ingerir sucos, água com açúcar ou soluções de glicose; comer doces ou outros alimentos; ou mastigar comprimidos de glicose quando os sintomas ocorrerem.

Deve-se seguir a regra dos 15 para o tratamento da hipoglicemia. Tipicamente, deve-se ingerir 15 g de glicose ou sacarose. Os pacientes devem verificar seus níveis glicêmicos 15 minutos após a ingestão de glicose ou sacarose e ingerir um adicional de 15 g se o nível glicêmico não estiver > 80 mg/dL (4,4 mmol/L). Depois que os níveis de glicose melhoram para > 80 mg/dL, pode-se ingerir um lanche contendo carboidratos e proteínas complexas para evitar que o nível de glicose caia novamente.

No caso de adultos e crianças incapazes de comer ou beber, pode-se administrar 0,5 mg (< 25 kg de peso corporal) ou 1 mg ( 25 kg) de glucagon por via subcutânea ou intramuscular. Também pode-se usar glucagon em spray nasal, 3 mg, ou dasiglucagon subcutâneo, 0,6 mg por via subcutânea (também disponível em autoinjetor).

Para o tratamento da hipoglicemia em ambiente hospitalar, lactentes e crianças menores podem receber solução de dextrose a 10%, em bolus IV, de 2 a 3 mL. Adultos ou crianças maiores podem ser tratados com dextrose a 50%, 50 a 100 mL IV em bolus, com ou sem infusão contínua de solução de dextrose a 5 a 10%, suficiente para resolver os sintomas.

A eficácia do glucagon depende do tamanho dos depósitos hepáticos de glicogênio; o glucagon tem pouco ou nenhum efeito sobre a glicemia em pacientes que permanecem em jejum ou que apresentam hipoglicemia por períodos prolongados.

A hiperglicemia pode ocorrer após hipoglicemia por ingestão de excesso de açúcar ou em razão de a hipoglicemia causar um pico de hormônios contrarreguladores (glucagon, adrenalina, cortisol, hormônio do crescimento).

Tratamento em pacientes que não usam fármacos anti-hiperglicêmicos

Também deve-se corrigir a hipoglicemia em pacientes que não tomam insulina ou sulfonilureia; usa-se açúcar oral, dextrose IV ou glucagon. As causas subjacentes de hipoglicemia também devem ser tratadas. Tumores de células das ilhotas ou de outras células devem ser primeiro localizados e depois removidos por enucleação ou pancreatectomia parcial; cerca de 6% reincidem em 10 anos. Diazóxido e octreotida podem ser utilizados para controle dos sintomas enquanto o paciente aguarda a cirurgia, ou quando o paciente se recusa ou não é candidato ao procedimento.

A síndrome de hipoglicemia pancreogênica não insulinoma (HPNI) é mais frequentemente um diagnóstico de exclusão depois que um tumor de células das ilhotas é procurado, mas não identificado. Diazóxido ou octreotida foram utilizados, e pancreatectomia parcial pode ser necessária nos casos refratários.

Pacientes com hipoglicemia após bypass gástrico podem às vezes ser tratados com refeições frequentes com baixo nível de carboidratos, mas outros tratamentos como acarbose ou diazóxido podem ser necessários.

Fármacos que causam hipoglicemia, incluindo álcool, devem ser suspensas.

Tratamentos dos distúrbios hereditários e endócrinos, insuficiência hepática, insuficiência renal ou insuficiência cardíaca, e sepse são descritos em outros capítulos.

Pontos-chave

  • Em pacientes em tratamento farmacológico para o diabetes, considera-se hipoglicemia quando o nível plasmático de glicose é < 70 mg/dL.

  • A maior parte da hipoglicemia é causada por fármacos usados para tratar diabetes mellitus (incluindo a utilização sub-reptícia); tumores que secretam insulina são causas raras.

  • O diagnóstico de uma doença hipoglicêmica não decorrente do tratamento do diabetes exige baixa glicemia [< 55 mg/dL (< 3 mmol/L)] mais sintomas hipoglicêmicos simultâneos revertidos com administração de dextrose.

  • Se a etiologia da hipoglicemia não estiver clara, fazer jejum de 48 ou 72 horas com dosagem da glicemia em intervalos regulares e sempre que houver algum sintoma.

  • Medir a insulina sérica, C-peptídeo e proinsulina em períodos de hipoglicemia para distinguir hipoglicemia endógena de exógena (factícia).

  • Tratar os pacientes com hipoglicemia decorrente de insulina ou de fármacos anti-hiperglicêmicos com glicose e glucagon oral ou parenteral, dependendo da gravidade clínica.

  • Em pacientes com hipoglicemia não decorrente de insulina ou outros agentes anti-hiperglicêmicos, administrar glicose e glucagon e tratar a causa subjacente.

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