(Ver também Regulação ácido-base Regulação ácido-base Os processos metabólicos no corpo humano produzem continuamente ácidos e, em menor grau, bases. O íon hidrogênio (H+) é especialmente reativo; pode se ligar a proteínas com cargas... leia mais e distúrbios ácido-base Distúrbios ácido-base Os desequilíbrios ácido-base são alterações patológicas da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) ou de bicarbonato sérico (HCO3−) que tipicamente produzem valores de pH arterial... leia mais .)
Etiologia da acidose metabólica
Acidose metabólica é o acúmulo de ácido por causa de
Aumento da produção de ácido ou ingestão ácida
Diminuição da excreção ácida
Perdas gastrointestinais ou renais de HCO3−
Ocorre acidemia (pH arterial < 7,35) quando a sobrecarga de ácido ultrapassa a compensação respiratória. As causas são classificadas pelos seus efeitos no hiato aniônico Cálculo do hiato aniônico Os desequilíbrios ácido-base são alterações patológicas da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) ou de bicarbonato sérico (HCO3−) que tipicamente produzem valores de pH arterial... leia mais (ver tabela ).
Acidose com hiato aniônico elevado
As causas mais comuns de acidose com hiato aniônico elevado são
Cetoacidose
Acidose láctica
Insuficiência renal
Ingestão de toxinas
A cetoacidose é uma complicação comum do diabetes mellitus tipo 1 (ver cetoacidose diabética Cetoacidose diabética (CAD) Cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação metabólica aguda do diabetes caracterizada por hiperglicemia, hipercetonemia e acidose metabólica. A hiperglicemia causa diurese osmótica com perda... leia mais ), mas também ocorre com transtorno por uso de álcool crônico (ver cetoacidose alcoólica Cetoacidose alcoólica A cetoacidose alcoólica é uma complicação metabólica da utilização de álcool e do jejum, caracterizada por hipercetonemia e acidose metabólica, com hiato aniônico positivo, sem hiperglicemia... leia mais ), desnutrição Visão geral da desnutrição Desnutrição é uma forma de má nutrição. (Desnutrição também engloba a nutrição excessiva.) A desnutrição pode resultar de ingestão inadequada de nutrientes, má absorção, metabolismo prejudicado... leia mais e, em menor grau, jejum. Nesses casos, o corpo troca o metabolismo da glicose pelo de ácidos graxos livres (AGLs); AGLs são convertidos pelo fígado em cetoácidos, ácido acetoacético e beta-hidroxibutirato (todos ânions não dosáveis). A cetoacidose também é uma manifestação rara da acidemia congênita isovalérica Acidemia isovalérica Valina, leucina e isoleucina são aminoácidos de cadeia ramificada; a deficiência de enzimas envolvidas no seu metabolismo leva ao acúmulo de ácidos orgânicos com acidose metabólica grave. Existem... leia mais ou acidemia metilmalônica congênita Acidemia metilmalônica Valina, leucina e isoleucina são aminoácidos de cadeia ramificada; a deficiência de enzimas envolvidas no seu metabolismo leva ao acúmulo de ácidos orgânicos com acidose metabólica grave. Existem... leia mais , que são doenças raras que envolvem o metabolismo anormal dos aminoácidos.
A acidose láctica Acidose láctica A acidose láctica é acidose metabólica com um hiato aniônico alto devido a lactato elevado no sangue. A acidose láctica resulta da produção excessiva de ácido láctico e/ou da diminuição de sua... leia mais é a causa mais comum de acidose metabólica em pacientes hospitalizados. O acúmulo de lactato resulta da associação do excesso de formação de lactato e da diminuição do seu metabolismo. Ocorre produção excessiva de lactato nos estados de metabolismo anaeróbico. A forma mais grave se dá nos vários tipos de choque. A diminuição do metabolismo geralmente cursa com disfunção hepatocelular decorrente da diminuição da perfusão hepática ou como parte do quadro de choque generalizado. Doenças e fármacos que prejudicam a função mitocondrial podem causar acidose láctica.
A insuficiência renal Doença renal crônica Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais causa acidose com aumento do hiato aniônico pela diminuição da excreção de ácidos e menor reabsorção de HCO3−. O acúmulo de sulfatos, fosfatos, uratos e hipuratos contribui para o hiato aniônico elevado.
Toxinas podem ter metabólitos ácidos ou desencadear acidose lática.
A rabdomiólise Rabdomiólise A rabdomiólise é uma síndrome clínica que envolve a ruptura do tecido muscular esquelético. Os sinais e sintomas incluem fraqueza muscular, mialgias e urina marrom-avermelhada, embora essa tríade... leia mais é uma causa rara de acidose metabólica, provavelmente resultante da liberação de prótons e ânions diretamente dos músculos.
Acidose com hiato aniônico normal
As causas mais comuns de acidose com hiato aniônico normal são
Perdas gastrointestinais ou renais de HCO3−
Excreção renal de ácidos prejudicada
A acidose metabólica com hiato aniônico normal também é denominada acidose hiperclorêmica, pois, em vez de reabsorver cloreto (Cl−) os rins reabsorvem HCO3−.
Muitas secreções gastrointestinais são ricas em HCO3− (p. ex., líquidos biliar, pancreático e intestinal); perdas decorrentes de diarreia, drenagem por sonda ou fístulas podem causar acidose. Na ureterossigmoidostomia (inserção dos ureteres em uma seção do colo sigmoide após obstrução ou cistectomia), o colo secreta e perde HCO3− em troca do cloreto (Cl−) urinário e absorve amônio urinário, que se dissocia em amônia (NH3+) e íon hidrogênio (H+).
As resinas trocadoras de íons raramente causam perdas de HCO3− por se ligarem ao HCO3−.
A acidose tubular renal Acidose tubular renal A acidose tubular renal (ATR) consiste em acidose e distúrbios de eletrólitos decorrentes do prejuízo da excreção de íons hidrogênio (tipo 1), prejuízo da reabsorção de bicarbonato (tipo 2)... leia mais prejudica a secreção de H+ (tipos 1 e 4) ou a absorção de HCO3− (tipo 2). Excreção ácida prejudicada e hiato aniônico normal também ocorrem em insuficiência renal inicial, doenças tubulointersticiais renais e por ingestão de inibidores da anidrase carbônica (p. ex., acetazolamida).
Sinais e sintomas de acidose metabólica
Os sinais e sintomas (ver tabela ) são, primariamente, relacionados à causa de base.
A acidemia leve é, em si, assintomática. Acidemia mais grave (pH < 7,10) pode causar náuseas, vômitos e mal-estar. Pode haver sinais e sintomas com pH mais elevados se a acidose ocorrer rapidamente.
O sinal mais característico é a hiperpneia (respirações longas e profundas em velocidade normal), refletindo um aumento compensatório da ventilação alveolar; essa hiperpneia não é acompanhada por uma sensação de dispneia.
A acidemia aguda e grave predispõe à disfunção cardíaca com hipotensão e choque Choque O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais , arritmias ventriculares Visão geral das arritmias O coração normal bate de maneira regular e coordenada, pois impulsos elétricos gerados e transmitidos pelos miócitos com propriedades elétricas singulares deflagram uma sequência de contrações... leia mais e coma. A acidemia crônica causa doenças relacionadas à desmineralização óssea (p. ex., raquitismo, osteomalacia Deficiência e dependência de vitamina D Exposição inadequada à luz solar predispõe à deficiência de vitamina D. A deficiência prejudica a mineralização óssea, causando raquitismo em crianças e osteomalacia em adultos e, possivelmente... leia mais , osteopenia).
Diagnóstico da acidose metabólica
Gasometria arterial e eletrólitos séricos
Cálculo do hiato aniônico e intervalo delta
Fórmula de Winter para calcular as alterações compensatórias
Avaliação da causa
O reconhecimento da acidose metabólica e a compensação respiratória apropriada foram discutidos em Diagnóstico de distúrbios ácido-base Diagnóstico Os desequilíbrios ácido-base são alterações patológicas da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) ou de bicarbonato sérico (HCO3−) que tipicamente produzem valores de pH arterial... leia mais . A determinação da causa da acidose metabólica começa pelo hiato aniônico.
A causa do aumento do hiato aniônico pode ser clinicamente evidente (p. ex., choque hipovolêmico, hemodiálise não realizada); mas se não for, os exames de sangue devem contemplar
Nitrogênio da ureia sanguínea
Creatinina
Glicose
Lactato
Possíveis toxinas
As concentrações de salicilatos podem ser medidas na maioria dos laboratórios, mas o metanol e o etilenoglicol geralmente não podem; sua presença pode ser sugerida pela presença de uma diferença osmolar.
A osmolaridade sérica calculada [2 (sódio) + (glicose)/18 + BUN/2,8 + álcool no sangue/5, com base em unidades convencionais] é subtraída da osmolaridade medida. Diferença > 10 implica a presença de substâncias osmoticamente ativas, que, no caso de acidose com hiato aniônico elevado, são metanol ou etilenoglicol. Embora a ingestão de etanol possa causar diferença osmolar e discreta acidose, nunca deve ser considerada a única causa de uma acidose metabólica importante.
Se o hiato aniônico sérico estiver normal, os eletrólitos urinários são medidos e o hiato aniônico urinário é calculado como [sódio] + [potássio] – [cloreto]. Um hiato aniônico urinário normal em uma pessoa sem acidose tem valor próximo de zero. Se o hiato aniônico urinário se tornar negativo, há excesso de íons carregados positivamente não mensurados na urina, tipicamente amônia (NH4+), que normalmente é secretada pelos rins em resposta à depleção de volume. Se o hiato aniônico urinário em um paciente com acidose metabólica sem hiato aniônico é -30 a -50 mEq/L (-30 a -50 mmol/L), os rins estão respondendo a perdas de volume extrarrenais tipicamente do trato GI. A elevação do hiato aniônico urinário nesses pacientes (resultado positivo calculado) é decorrente da perda de íons de carga negativa não mensurados na urina e sugere perda renal de HCO3−, que mais comumente ocorre na acidose tubular renal (a avaliação da acidose tubular renal Diagnóstico A acidose tubular renal (ATR) consiste em acidose e distúrbios de eletrólitos decorrentes do prejuízo da excreção de íons hidrogênio (tipo 1), prejuízo da reabsorção de bicarbonato (tipo 2)... leia mais é discutido em outras partes).
Além disso, em caso de acidose metabólica, calcular a variação da diferença Cálculo do hiato aniônico Os desequilíbrios ácido-base são alterações patológicas da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) ou de bicarbonato sérico (HCO3−) que tipicamente produzem valores de pH arterial... leia mais para identificar alcalose metabólica Alcalose metabólica Alcalose metabólica é o aumento primário de bicarbonato (HCO3−), com ou sem aumento compensatório da pressão parcial do dióxido de carbono (Pco2); o pH pode estar elevado ou quase... leia mais concomitante e verificar se a fórmula de Winters é utilizada para constatar se a compensação respiratória está apropriada ou reflete um segundo desequilíbrio ácido-base.
Tratamento da acidose metabólica
Tratamento da causa
Bicarbonato de sódio (NaHCO3) principalmente para acidemia grave — administrar com cautela
O tratamento é direcionado para a causa. É necessária hemodiálise Hemodiálise Na hemodiálise, o sangue do paciente é bombeado para dentro de um dialisador contendo 2 compartimentos de líquidos configurados como feixes de fibras capilares ocas ou como sanduíches de folhas... leia mais para insuficiência renal e, às vezes, para intoxicação por etilenoglicol, metanol ou envenenamento por salicilato.
O tratamento da acidemia com bicarbonato de sódio (NaHCO3) só está claramente indicado em alguns casos, sendo provavelmente deletério em outros. Quando a acidose metabólica resultar da perda de HCO3− ou do acúmulo de ácidos inorgânicos (isto é, ou seja, acidose com hiato aniônico normal), o tratamento com bicarbonato costuma ser seguro e apropriado. Entretanto, quando a acidose resultar do acúmulo de ácidos orgânicos (isto é, ou seja, acidose com hiato aniônico aumentado), o tratamento com bicarbonato é controverso; não diminui claramente a mortalidade nesses casos e existem vários riscos possíveis.
Com o tratamento das condições subjacentes, o lactato e os cetoácidos são metabolizados de volta a HCO3−; a carga exógena de HCO3− pode causar alcalose metabólica “rebote”. Em qualquer doença, o bicarbonato de cálcio também pode causar sobrecarga de sódio e de volume, hipopotassemia e, inibindo o estímulo respiratório, hipercapnia. Além disso, como o HCO3− não se difunde pelas membranas celulares, a acidose intracelular não é corrigida e pode se agravar paradoxalmente, pois parte do HCO3−acrescentado pode ser convertida em dióxido de carbono (COCO2), que entra na célula e é hidrolisado para H+ e HCO3−. Depuração de adicional CO2 também requer ventilação adequada por minuto. Pacientes com comprometimento do estado respiratório decorrente de doença pulmonar subjacente podem não conseguir atender à ventilação minuto aumentada. Pacientes que necessitam suporte ventilatório mecânico Insuficiência ventilatória Insuficiência ventilatória é uma elevação da PaCO2 (hipercapnia), que ocorre quando a carga respiratória não consegue mais ser sustentada pela resistência ou atividade do sistema. As causas... leia mais serão necessários ajustes apropriados do ventilador para levar em consideração o aumento da ventilação minuto.
Apesar dessas e outras controvérsias, a maioria dos especialistas recomenda a administração de bicarbonato venoso na acidose metabólica grave (pH < 7,0) principalmente por causa de preocupações com a piora da instabilidade cardiovascular com valores mais baixos de pH.
O tratamento requer dois cálculos (tanto para unidades convencionais como unidades do sistema SI). O primeiro é o nível em que o HCO3− deve ser elevado, calculado pela equação de Kassirer-Bleich, utilizando um valor alvo para [H+] de 79 nEq/L (79 nmol/L), que corresponde a um pH de 7,10:
79 = 24 × Pco2/HCO3−
ou
HCO3− desejado = 0,30 × Pco2
A quantidade necessária de bicarbonato para alcançar esse nível é
NaHCO3 necessário (mEq/mmol) = ([HCO3−] desejado − [HCO3−]) observado × 0,4 × peso corporal (kg)
Por exemplo, um homem de 70 kg tem acidose metabólica grave com pH de 6,92, PCO2 de 40 mmHg e HCO3− de 8 mEq/L (8 mmol/L). O nível alvo de bicarbonato necessário para alcançar um pH de 7,10 é 0,30 × 40 = 12 mEq/L (12 mmol/L). Esse nível é 4 mEq/L (4 mmol/L) a mais que o seu nível atual de bicarbonato, que é de 8. Para aumentar o bicarbonato em quatro vezes, multiplicar 4 por 0,4 vezes 70 (o peso corporal), o que resulta em 112 mEq (112 mmol) de HCO3−. Essa quantidade de bicarbonato de sódio é administrada ao longo de várias horas. O pH do sangue e os níveis de HCO3− podem ser verificados 30 minutos a 1 hora após a administração, o que permite o equilíbrio com o HCO3− extravascular. Não há consenso sobre a concentração da solução de bicarbonato a ser utilizada, mas é importante perceber que a ampola típica de 50 mL de NaHCO3 contêm 50 mEq de bicarbonato de sódio e podem piorar a sobrecarga de volume e também causar hiperosmolalidade, especialmente se múltiplas ampolas forem administradas em um curto período de tempo. Formulações iso-osmóticas como 75 mEq de NaHCO3 misturado com 1 L de solução salina a 0,45% e 150 mEq de NaHCO3 misturados com 1 L de água estéril também são utilizados.
As alternativas ao bicarbonato de sódio são
Lactato, quer na solução de Ringer lactato ou como lactato de sódio (metabolizado mEq para mEq em bicarbonato quando a função hepática é normal)
Acetato de sódio (mEq metabolizado por mEq em bicarbonato quando a função hepática está normal)
Trometamina, um aminoálcool que tampona tanto o ácido metabólico (H+) como o respiratório (H2CO3)
O Carbicarb, uma mistura equimolar de bicarbonato e carbonatode sódio (o último consome CO2 e produz HCO3−)
Dicloroacetato, que aumenta a oxidação do lactato
Essas alternativas não oferecem benefícios comprovados em relação ao bicarbonato isoladamente e podem causar suas próprias complicações.
A depleção de potássio (K+), comum na acidose metabólica, deve ser identificada por meio do monitoramento frequente do K+ sérico e tratada, conforme necessário, com cloreto de potássio oral ou parenteral.
Pontos-chave
A acidose metabólica pode ser causada pelo acúmulo de ácido decorrente do aumento da produção ou da ingestão de ácido, pela diminuição da excreção de ácido ou pelas perdas de bicarbonato (HCO3−), renais ou gastrointestinais.
Acidoses metabólicas são classificadas com base no hiato aniônico alto ou normal.
A acidose com hiato aniônico alto é mais frequentemente causada por cetoacidose, acidose láctica, doença renal crônica ou ingestão de certas substâncias tóxicas.
As acidoses com hiato aniônico normal ocorrem mais frequentemente por causa da perda de HCO3−, gastrointestinal ou renal.
Calcular o intervalo delta para identificar alcalose metabólica concomitante e aplicar a fórmula de Winter para verificar se a compensação respiratória é apropriada ou reflete um 2º distúrbio ácido-base.
Tratar a causa.
O bicarbonato de sódio (NaHCO3) intravenoso está indicado quando a acidose é decorrente da alteração do nível de HCO3− (acidose com hiato aniônico normal).
O bicarbonato de sódio intravenoso é controverso na acidose com aumento do hiato aniônico (mas pode ser considerado com pH < 7,00, com um pH alvo de ≥ 7,10).