Estratégias de tomada de decisão clínica

PorBrian F. Mandell, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: mai 2021
Visão Educação para o paciente

Uma das estratégias mais utilizadas para a tomada de decisão médica mimetiza o método científico de geração de hipótese seguida de teste da hipótese. As hipóteses diagnósticas são aceitas ou rejeitadas com base em testes.

Geração de hipótese

A geração de hipótese envolve a identificação das principais possibilidades diagnósticas (diagnóstico diferencial) que podem explicar o problema do paciente. A principal queixa do paciente (p. ex., dor torácica) e os dados demográficos básicos (idade, sexo, raça) são os pontos de partida para o diagnóstico diferencial, que geralmente é gerado por um padrão de reconhecimento. Idealmente, cada elemento na lista de possibilidades recebe uma estimativa de probabilidade, ou plausibilidade, deste ser o diagnóstico correto (probabilidade pré-teste — para obter um exemplo, ver tabela Diagnóstico diferencial hipotético e probabilidades pré e pós-teste).

Os médicos geralmente utilizam termos vagos como “altamente provável”, “improvável”, “não pode ser excluído” para descrever a probabilidade da doença. Tanto médicos quanto pacientes podem interpretar equivocadamente esses termos semi-quantitativos; em vez disso, deve-se utilizar a terminologia estatística explícita, se e quando disponível. A computação matemática auxilia a tomada de decisão clínica e mesmo quando os números exatos não estão disponíveis, eles podem definir melhor as probabilidades e reduzir mais a lista de doenças hipotéticas.

Probabilidade e chances

A probabilidade de uma doença (ou evento) ocorrer em um paciente cujas informações clínicas são desconhecidas é a frequência em que a doença ou evento ocorre em na população. A probabilidade varia de 0,0 (impossível) a 1,0 (certeza) e geralmente é expressa em porcentagem (de 0 a 100). Uma doença que ocorre em 2 de cada 10 pacientes tem uma probabilidade de 2/10 (0,2 ou 20%). As probabilidades muito pequenas ao redor de 0, excluindo assim toda possibilidade da doença (algumas vezes feito raciocínio clínico implícito), podem levar a conclusões errôneas quando são utilizados métodos quantitativos.

A chance (odds) representa a relação de pacientes afetados e não afetados (isto é, a relação de doença e não doença). Assim, uma doença que ocorre em 2 de 10 pacientes (probabilidade de 2/10) tem chance de 2/8 (0,25, geralmente expressa como 1 para 4). Chances (Ω) e probabilidades (p) podem ser convertidas entre si, como Ω = p/(1 p) ou p = Ω/(1 + Ω).

Calculadora clínica

Teste de hipótese

O diagnóstico diferencial inicial baseado na queixa principal e dados demográficos costuma ser amplo, de modo que o médico primeiro produz e filtra as possibilidades hipotéticas obtendo uma anamnese detalhada e fazendo um exame físico direcionado para corroborar ou refutar os diagnósticos suspeitos. Por exemplo, em um paciente com dor torácica, história de dor, edema no membro inferior e dor à palpação do membro inferior, aumenta a probabilidade de embolia pulmonar.

Quando a história e o exame físico formam um padrão reconhecível, realiza-se um diagnóstico presuntivo. Os exames diagnósticos são utilizados quando as incertezas persistem após a histó- ria e o exame físico, particularmente, quando doenças consideradas são graves ou tem um tratamento perigoso ou de custo elevado. Os resultados de exames modificam mais as probabilidades dos diferentes diagnósticos (probabilidade pós-teste). Por exemplo, a tabela Diagnóstico diferencial hipotético e probabilidades pré e pós-teste mostra como os achados adicionais que o paciente hipotético apresenta dor e edema nos membros inferiores e ECG e radiografia de tórax normais modificam as probabilidades diagnósticas — a probabilidade de síndrome coronariana aguda, aneurisma dissecante e pneumotórax diminui, e a probabilidade de embolia pulmonar aumenta. Essas alterações da probabilidade podem levar à realização de outros exames (neste exemplo, provavelmente angioTC de tórax) que modificam ainda mais a probabilidade pós-teste (ver tabela) e, em alguns casos, confirmam ou refutam o diagnóstico.

Pode parecer incontestável que a soma das probabilidades de todas as possibilidades diagnósticas devem ser iguais a aproximadamente 100% e que um único diagnóstico possa ser derivado de um conjunto complexo de sinais e sintomas. No entanto, a aplicação desse princípio de que a melhor explicação para uma situação complexa é uma causa única (muitas vezes referida como navalha de Occam) pode levar os médicos a cometer erros. Uma aplicação rígida desse princípio depreza a possibilidade de que um paciente possa ter mais de uma doença em atividade. Por exemplo, pode-se presumir que um paciente dispneico com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) conhecida esteja tendo uma exacerbação da DPOC, mas ele também pode ter uma embolia pulmonar ou insuficiência cardíaca.

Tabela

Estimativa de probabilidades e limiar de teste

Mesmo quando o diagnóstico for incerto, o exame nem sempre é útil. Os testes devem ser feitos apenas se os resultados alterarem o tratamento. Quando a probabilidade de doença pré-exame está acima de certo limiar, justifica-se o tratamento (limiar terapêutico) e exames pode não indicados.

Abaixo do limiar de tratamento, os exames só são indicados quando um resultado positivo aumentaria a probabilidade de doença após o teste acima do limiar terapêutico. A menor probabilidade pré-teste em que isto ocorre depende das características do exame e é denominada limiar para teste. O limiar de realização de exames é discutido em mais detalhes em outras partes.

Estimativa de probabilidades e limiar de tratamento

O limiar de tratamento é a probabilidade da doença na qual, ou acima da qual, é administrado o tratamento e não são realizados mais exames.

O exemplo hipotético anterior, de um paciente com dor torácica, convergiu para uma quase certeza diagnóstica (probabilidade de 98%). Quando o diagnóstico da doença é definido, a decisão de tratar é uma determinação direta do fato de existir ou não algum benefício com o tratamento (em comparação a não tratar e levando em conta os potenciais efeitos adversos do tratamento). Quando há certo grau de incerteza diagnóstica, como quase sempre é o caso, a decisão de tratar também deve levar em consideração o benefício de tratar uma pessoa enferma contra ao risco de tratar erroneamente uma pessoa saudável ou com uma doença diferente; o risco e o benefício abrangem consequências financeiras, sociais e clínicas. Este equilíbrio deve levar em conta ambos a probabilidade da doença e a magnitude do benefício e do risco. Esse equilíbrio determina onde o médico estabelece o limiar terapêutico.

Dicas e conselhos

  • Quando há certo grau de incerteza diagnóstica, a decisão de tratar deve também avaliar o benefício de tratar bem um indivíduo enfermo, ou tratar erroneamente uma pessoa saudável ou um indivíduo com outra doença.

Conceitualmente, se o benefício do tratamento é muito alto e o risco é muito baixo (como ao administrar um antibiótico seguro para um paciente com diabetes que possivelmente tem uma infecção potencialmente fatal), os médicos tendem a aceitar uma alta incerteza diagnóstica e podem iniciar o tratamento empiricamente mesmo se a possibilidade de infecção for razoavelmente baixa (p. ex., 30%, ver figura Variação do limiar de tratamento (LT) em relação ao risco do tratamento). Entretanto, quando o risco do tratamento for muito alto (como ao fazer uma pneumectomia para um possível câncer de pulmão), os médicos querem estar extremamente seguros do diagnóstico, podendo só recomendar o procedimento quando a possibilidade de câncer for muito alta, talvez > 95% (ver figura). Observe que o limiar de tratamento não corresponde necessariamente à probabilidade da doença ser confirmada ou descartada. Ele simplesmente indica que o risco de não tratar é maior que o risco de tratar.

Variação do limiar de tratamento com risco de tratamento

As linhas horizontais representam a probabilidade pós-teste.

Quantitativamente, pode-se descrever o limiar de tratamento como o ponto em que a probabilidade da doença (p) multiplicada pelo benefício de tratar uma pessoa com a doença (B) é igual à probabilidade de ausência da doença (1 p), multiplicada pelo risco de tratar uma pessoa sem a doença (R). Assim, no limiar de tratamento

p × B = (1 p) × R

Resolvendo para p, esta equação é reduzida para

p = R/(B + R)

Por essa equação, é evidente que se B (benefício) e R (risco) são iguais, o limiar de tratamento torna-se 1/(1 + 1) = 0,5, o que significa que, quando a probabilidade de doença for > 50%, os médicos a tratariam, e quando a probabilidade for < 50%, os médicos não a tratariam.

Como exemplo clínico, pode-se considerar o paciente com dor torácica. Quão elevada deve ser a probabilidade clínica de IM agudo antes de o tratamento trombolítico ser administrado, considerando que o único risco considerado seja a mortalidade a curto prazo? Se for postulado (para ilustrar) que a mortalidade decorrente de hemorragia intracraniana com tratamento trombolítico é de 1%, então R é 1% a taxa fatalidade ao tratar erroneamente um paciente que não tem IM. Se a mortalidade líquida (net) em pacientes com IM for reduzida em 3% com tratamento trombolítico, então 3% é B. Portanto, o limiar de tratamento é 1/(3 + 1), ou 25%; assim, deve-se tratar se a probabilidade de infarto agudo do miocárdio for > 25%.

Alternativamente, a equação do limiar de tratamento pode ser recalculada para mostrar que o limiar de tratamento é o ponto no qual a possibilidade da doença p/(1 p) é igual à razão entre o risco e o benefício (R/B). Obtêm-se o mesmo resultado numérico que no exemplo recém-descrito, com o limiar de tratamento ocorrendo em desacordo com a razão entre o risco e o benefício (1/3); 1/3 de chance corresponde à probabilidade previamente obtida de 25% (ver probabilidade e chances).

Limitações dos métodos de decisão quantitativos

A tomada de decisão clínica quantitativa parece precisa, mas, como vários elementos dos cálculos (p. ex., probabilidade pré-teste) costumam ser imprecisos (se forem conhecidos), esse método é difícil de aplicar em todos os casos clínicas, exceto os mais bem definidos e estudados. Adicionalmente, a filosofia do paciente em relação aos cuidados de saúde (isto é, tolerância ao risco e incerteza) também precisa ser considerada em um processo compartilhado de tomada de decisão. Por exemplo, embora as diretrizes clínicas não recomendem iniciar um curso por toda a vida de fármacos redutores de urato após uma primeira crise de gota, alguns pacientes preferem iniciar esse tratamento imediatamente porque querem evitar veementemente uma segunda crise.

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