Análise econômica na tomada de decisão clínica

PorBrian F. Mandell, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: mai 2021
Visão Educação para o paciente

Em razão das limitações sociais e pessoais de recursos e das restrições de seguros de saúde, as considerações de custos se tornaram mais relevantes na tomada de decisões clínicas. Os recursos limitados não devem ser desperdiçados; sua autorização depende de uma compreensão dos vários custos e resultados oriundos das estratégias de tratamento.

Custo na tomada de decisão clínica

Os elementos incluídos na análise de custos são determinados pela perspectiva da análise. Diferentes perspectivas podem levar a diferentes conclusões com base em quais custos e resultados são considerados.

  • Provedores (p. ex., agentes de saúde, instituições) tipicamente consideram os custos apenas dentro da organização (p. ex., pessoal, suprimentos, despesas gerais).

  • Pagadores (p. ex., seguradoras) consideram apenas os reembolsos que terão de realizar.

  • Pacientes consideram as despesas efetivas (p. ex., custo do seguro, deduções, transporte, estacionamento) e perda de renda (para eles mesmos e para sua família).

Do ponto de vista da sociedade, todos estes custos são levados em conta juntamente com os custos da perda de produtividade e o custo do tratamento de outras doenças (iatrogências ou que ocorrem naturalmente) que podem ocorrer em pacientes que se recuperam da doença que está sendo tratada. Por exemplo, um homem jovem curado de um linfoma pode desenvolver leucemia ou doença coronariana após alguns anos. A análise de custo de um programa de rastreamento deve incluir os custos de pesquisa de resultados falso-positivos que, com um teste de rastreamento para doença com baixa prevalência, geralmente supera os custos da avaliação e tratamento do paciente que realmente possui a doença.

Custo marginal

O custo marginal é o custo de fornecer (ou reter na fonte) uma unidade de serviço adicional. Este custo, geralmente, é um dos mais relevantes para a tomada de decisão clínica individual e tipicamente é bastante diferente do custo geral alocado ao serviço. Por exemplo, o hospital pode ter determinado que o custo de realizar uma radiografia de tórax é de U$ 50. Entretanto, um protocolo clínico para identificar melhor os pacientes que precisam fazer radiografia de tórax e que resultou na diminuição de uma radiografia de tórax por dia (sem alterações nos resultados), não "economizaria" 50 dólares para o hospital, pois as despesas com a equipe e despesas gerais não se modificariam; apenas a despesa com filmes de radiografia seriam eliminada. Assim, o custo marginal para o hospital de uma radiografia de tórax é, essencialmente, o custo de um filme radiográfico (até menos, se forem utilizadas técnicas de captura digital). Observar o que o custo marginal varia com o volume de uma forma quântica; acrescentar ou suspender um grande número de radiografias em algum ponto orientaria uma mudança de pessoal e talvez de equipamento de radiografia resultando em um custo marginal diferente. Além disso, o custo marginal é diferente para os pagantes e pacientes; suspender uma radiografia economizaria aos pagantes a quantia total que tipicamente seria reembolsada para essa radiografia, um número muito mais elevado que o custo marginal do hospital. Os pacientes economizariam o custo de seu copagamento, se houver algum.

Resultado

A eficácia do tratamento médico é medida por alteração do resultado. Os resultados podem ser

  • Orientados pelos pacientes

  • Orientados pelo processo

  • Orientados pela doença

Os resultados orientados pelo paciente podem ser reduzidos a três “D”:

  • Morte

  • Deficiência

  • Desconforto (físico ou emocional)

Os resultados orientados pelos pacientes são, sem dúvida, os mais importantes.

Dificilmente pode-se afirmar que melhorias no processo (p. ex., redução do tempo de administração de antibióticos ou de permanência no centro cirúrgico) ou melhorias nas manifestações da doença (p. ex., redução do tamanho do tumor melhorando a saturação de O2) que não reduzem a mortalidade, a incapacidade ou o desconforto beneficiem o paciente. Por exemplo, anteriormente administrava-se lidocaína a todos os pacientes com infarto do miocárdio, pois era reconhecido que reduzia a incidência de fibrilação ventricular (melhorava o resultado da doença). O tratamento com lidocaína continuou por vários anos antes de estudos mostrarem que ele não reduzia a mortalidade (não alterava o resultado do paciente) e, assim, esta prática foi interrompida.

Ano de vida ajustado pela qualidade (AVAC)

A mudança na mortalidade total é a forma mais comum de avaliar o efeito sobre a mortalidade. Em uma análise mais complexa, a morte e a incapacidade costumam ser avaliadas em relação ao ano de vida ajustado pela qualidade (AVAC); o tratamento que resulta em mais um ano de vida com 100% de funcionamento normal recebe 1 AVAC; tratamento que resulta em mais um ano de vida com apenas 75% da funcionalidade recebe 0,75 AVAC.

AVAC é mais difícil de ser aplicada a desconforto, mas alguns acreditam que possa ser estimado pelo método de tempo livre; um indivíduo estima quantos anos de desconforto seriam aceitáveis versus um período mais curto de saúde perfeita. Por exemplo, se um indivíduo preferiria 9 anos de saúde a 10 anos de dor crônica (porém, preferiria 10 anos de dor crônica a apenas 8 anos de vida), então cada ano de vida com essa dor em particular é creditada é creditado com 9/10 = 0,9 AVAC. Todas estas estimativas de AVAC são, de alguma forma, problemáticas porque a tolerância ao risco e a aceitação dos diversos resultados variam amplamente entre os indivíduos.

Número necessário para tratamento

O número necessário para tratamento (NNT) ou para causar danos é outra maneira de quantificar a evolução dos resultados dos pacientes; o NNT é o recíproco da alteração absoluta em um resultado dicotômico (morte, deficiência). Assim, se um fármaco causa redução líquida de 3% na mortalidade, 1/0,03 = 33,3 pacientes precisam ser tratados para evitar 1 morte.

O número necessário para causar dano é similar. Assim, para um fármaco que causa leucopenia em 8% dos pacientes, 1/0,08 ou 12,5 precisam ser tratadas para que ocorram danos a 1 indivíduo. Dito de outra forma, 1 a cada 12,5 pacientes tratados sofre danos.

A pertinência do NNT é mais clara ao comparar a mortalidade aos efeitos adversos leves de um tratamento. Torna-se nebuloso ao comparar a redução de determinada morbidade a um efeito adverso mais grave. Do ponto de vista do médico, porém, pode ser uma ferramenta muito útil para explicar a relação entre o risco e o benefício de um tratamento para o paciente.

Como o NNT é derivado de uma mudança absoluta, em oposição a uma mudança relativa, é mais clinicamente relevante para um determinado paciente. Por exemplo, um tratamento que reduziu a mortalidade de 2% para 1% diminui a mortalidade relativa em 50%, mas a mortalidade absoluta em apenas 1%. Isso é fácil de ver quando representado como um NNT de 1/0,01 = 100 tratados para prevenir uma morte. O conceito de mudança relativa é mais relevante para o teste de hipótese (prova do conceito de que uma terapia é eficaz) do que para um paciente específico.

Desfecho clinicamente relevante versus estatisticamente significativo

Mesmo quando medidas de desfecho apropriadas são utilizadas e analisadas corretamente, é extremamente importante observar que um desfecho estatisticamente significativo em um estudo clínico (isto é, com um valor p excelente) não necessariamente é clinicamente relevante para um paciente. A significância estatística é, em grande medida, dependente do tamanho da amostra; com uma amostra suficientemente grande, uma diferença mínima sem importância clínica para um paciente (p. ex., redução da duração dos sintomas de infecção do trato respiratório superior de 7 para 6,5 dias) pode muito bem ser estatisticamente significativa. A magnitude da diferença entre 2 grupos em um ensaio clínico é denominada tamanho do efeito; como no exemplo acima, um tamanho de efeito pode ser pequeno, mas ainda assim ter alta significância estatística.

Análise de custo-benefício na tomada de decisão clínica

A análise simples de consequências econômicas dos resultados (análise de custo-benefício) depende do valor presumido, em dólares, do prolongamento da vida e melhora da saúde. Essas presunções, geralmente, são discutíveis e raramente objetivas. Além disso, embora essas análises estabeleçam se uma determinada estratégia reduz custo ou requer gasto líquido de recursos, elas não indicam se os gastos são válidos.

Análise de custo-efetividade examina os custos médicos e os benefícios de saúde do tratamento separadamente. Ambas as medidas podem ser fortemente afetadas pela perspectiva e duração da análise e pelas suposições subjacentes. A comparação dos custos e dos resultados de saúde das 2 estratégias de tratamento gera 1 de 9 pareamentos (ver tabela Comparação de custo-efetividade entre as estratégias de tratamento A e B). Quando os resultados de saúde são equivalentes (coluna central), a escolha deve se basear no custo; quando os custos são equivalentes (coluna central), a escolha deve se basear nos resultados. Quando uma estratégia tem melhor resultado e custos menores (direita acima e esquerda abaixo), as escolhas são claras. A decisão é difícil somente quando uma estratégia mais cara também produz resultados melhores (células na parte superior esquerda e parte inferior direita); nesses casos, deve-se determinar a relação custo-eficácia marginal.

Tabela

Relação custo-efetividade marginal

O custo-efetividade marginal é o custo adicional de uma estratégia dividido pelos resultados adicionais de saúde que atinge; assim, pertence à situação na qual há uma escolha entre 2 estratégias de tratamento eficazes. A maior melhoria de saúde para um determinado gasto de recurso é obtida quando a relação é menor.

Na análise de diretivas, a medida mais comum da eficácia é o AVAC (quality-adjusted life year), transformando as unidades do custo-eficácia marginal correspondente em “dólares adicionais gastos por AVAC ganho”. Entretanto, a relação custo-eficácia marginal foi criticada porque pacientes idosos ou com comorbidades que limitam a vida apresentam potencial de ganho limitado em termos de sobrevida em um tratamento e, portanto, apresentam relação custo-eficácia marginal mais elevada (menos vantajosa).

Por exemplo (ver tabela Cálculo da razão custo-efetividade marginal, análise 1) considere nenhum tratamento com antiarrítmicos comparado ao uso profilático de um cardiodesfibrilador implantável (CDI) para pacientes que sobreviveram vários meses após IAM anterior e apresentam discreta diminuição da fração de ejeção (entre 0,3 e 0,4). (Todos os valores e custos nesse exemplo são hipotéticos e apenas para fins de ilustração.) Ambas as estratégias supõem custos básicos similares para o tratamento de rotina (US$ 78.300), mas o CDI tem um custo adicional (marginal) de US$ 53.100, com base no custo do equipamento e na remuneração dos profissionais, na hospitalização inicial, no tratamento contínuo (incluindo consultas médicas extras, exames laboratoriais, fármacos, novas hospitalizações decorrentes de complicações relacionadas com a utilização do CDI e reposição da bateria ou dos fios do CDI). Se o paciente com CDI tiver um discreto aumento de expectativa de sobrevida (7,87 versus 7,42 AVAC), a efetividade marginal do tratamento com CDI é 7,87 7,42 = 0,45 AVAC. Assim, o CDI profilático aumenta a sobrevida quando comparado a não utilização de antiarrítmicos a um custo de $53100/0,45 AVAC, ou 118.000 dólares/AVAC.

Agora, considere-se que uma terceira estratégia, como o tratamento profilático com amiodarona, esteja disponível. É menos cara, mas menos eficaz que o CDI. Vale ressaltar o efeito do acréscimo de uma terceira estratégia intermediária, porque a razão custo-efetividade marginal é calculada sequencialmente quando há múltiplas estratégias (Ver tabela Cálculo da razão custo-efetividade marginal, análise 2). A relação custo-eficácia marginal da amiodarona é mais baixa ($68.519/AVAC ganho) que a da CDI calculada no exemplo anterior, uma vez que a efetividade de um CDI é agora comparada à amiodarona e não à ausência de tratamento. O acréscimo de uma estratégia intermediária de custo com eficácia parcial aumenta a relação custo-efetividade marginal de CDI de 118.000 para U$192.222 por AVAC ganho. Essa análise deve sugerir que um tratamento caro com CDI seja utilizado seletivamente em subpopulações em que se espera obter os maiores benefícios.

Tabela
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