Emergências hipertensivas em crianças

(Hipertensão aguda grave)

PorBruce A. Kaiser, MD, Nemours/Alfred I. DuPont Hospital for Children
Revisado/Corrigido: set 2021 | modificado set 2022
Visão Educação para o paciente

Emergência hipertensiva é a hipertensão grave com manifestações de danos a órgãos-alvo (principalmente o encéfalo, os olhos, o sistema cardiovascular e os rins). Emergências hipertensivas são relativamente raras em crianças, ocorrendo em cerca de 2 a cada 10.000 consultas ao pronto-socorro (1). Realiza-se o diagnóstico pela medição da pressão arterial e exames à procura de danos em órgãos-alvo, incluindo ECG, urinálise e medição dos níveis séricos de nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina. O tratamento consiste em redução imediata da pressão arterial, geralmente com fármacos IV.

(Ver também Hipertensão em crianças e Emergências hipertensivas em adultos.)

No passado, a hipertensão grave sem lesão de órgão-alvo era chamada urgência hipertensiva e a hipertensão grave com disfunção ou lesão de órgão-alvo era chamada emergência hipertensiva. A distinção desses dois estados clínicos é um tanto arbitrária porque uma urgência hipertensiva pode progredir para uma emergência. Atualmente, o termo preferido é "hipertensão aguda grave", mas os termos "urgência" e "emergência" ainda são utilizados na prática clínica.

As diretrizes de 2017 para monitoramento e tratamento da pressão arterial elevada em crianças e adolescentes da American Academy of Pediatrics sugerem que os médicos devem se preocupar com lesão aguda de órgão-alvo em pacientes cuja medição da pressão arterial (PA) é ≥ 30 mmHg acima do percentil 95 de acordo com a idade, sexo e altura (ver tabelas dos níveis percentuais de PA para meninos e meninas). Para adolescentes mais velhos, uma PA preocupante é aquela > 180/120. Para esses níveis de hipertensão grave, utilizar o termo "emergência hipertensiva" para crianças com disfunção ou lesão de órgão-alvo (principalmente do coração, encéfalo e/ou rins) e utilizar o termo "urgência hipertensiva" para crianças sem sintomas e sem manifestações de órgãos-alvo pode ajudar a direcionar o tratamento porque crianças com uma emergência hipertensiva precisam ser encaminhadas rapidamente a um pronto-socorro ou unidade de terapia intensiva para avaliação, exames rápidos, monitoramento atento e tratamento IV. Crianças com urgência hipertensiva também precisam ser avaliadas rapidamente e tratadas por um médico com experiência no tratamento de crianças com hipertensão grave, mas a PA não precisa ser reduzida tão rapidamente porque esses pacientes podem ter hipertensão de longa duração (razão pela qual não têm sintomas) e, às vezes, fármacos orais podem ser utilizados.

Mais importante, crianças com hipertensão secundária aguda (particularmente decorrente de glomerulonefrite aguda) podem ser sintomáticas e até mesmo desenvolver encefalopatia em níveis de PA que seriam considerados leves em adultos ou adolescentes hipertensos porque, além do nível de PA, a taxa de elevação é importante porque há menos tempo para que os sistemas de órgãos se adaptem à hipertensão.

Elevação acentuada da PA pode afetar vários sistemas de órgãos. As mais comuns e essenciais são

  • Encéfalo: encefalopatia hipertensiva

  • Olhos: alterações na retina

  • Coração: insuficiência cardíaca ventricular esquerda

  • Rins: insuficiência renal (creatinina elevada)

Referência geral

  1. 1. Wu HP, Yang WC, Wu YK, et al: Clinical significance of blood pressure ratios in hypertensive crisis in children. Arch Dis Child 97(3):200–205, 2012. doi: 10.1136/archdischild-2011-300373

Etiologia

Em geral, emergências hipertensivas são o resultado de elevação rápida da PA, que pode se desenvolver em crianças, independentemente de elas terem sido previamente diagnosticadas com hipertensão.

As causas da hipertensão aguda grave variam significativamente de acordo com a idade:

  • Ao nascimento: doença renal congênita, doença vascular renal, displasia broncopulmonar, coarctação da aorta, trombose da veia renal

  • Infância: doença do parênquima renal, doença vascular renal, distúrbios endócrinos, hipertensão induzida por substâncias ou toxinas

  • Adolescência: doença do parênquima renal; hipertensão primária, às vezes com falta de adesão ao tratamento; uso de drogas como estimulantes, esteroides anabolizantes ou corticoides, alguns contraceptivos orais ou certas drogas ilícitas (p. ex., cocaína, anfetaminas)

Sinais e sintomas

A PA está marcadamente elevada, tipicamente para níveis de hipertensão no estágio 2 ou mais altos (ver tabela Classificação da PA em crianças).

Em crianças, as emergências hipertensivas se manifestam principalmente como uma encefalopatia hipertensiva, geralmente com cefaleia, estado mental alterado (p. ex., letargia, confusão mental, coma), convulsões e, em lactentes, irritabilidade. Essas manifestações devem se resolver com a redução da PA.

Insuficiência cardíaca em crianças hipertensas pode causar taquipneia, edema pulmonar, ritmo de galope ou um sopro cardíaco novo ou alterado.

Em geral, a insuficiência renal é assintomática, mas pode haver edema periférico.

Pode ocorrer retinopatia hipertensiva, com papiledema, hemorragias e/ou exsudatos.

Diagnóstico

  • Medição da pressão arterial (PA)

  • Teste para envolvimento de órgãos-alvo

Deve-se medir a PA elevada utilizando uma técnica adequada para crianças. Em uma emergência hipertensiva, geralmente realizam-se as medições da PA com um aparelho oscilométrico, que facilita as medições frequentes (tão frequentes quanto a cada 2 a 3 minutos) necessárias. Entretanto, deve-se confirmar a medição inicial por ausculta.

A identificação das condições que impactariam o tratamento é uma preocupação imediata, especialmente massa intracraniana, coarctação da aorta não corrigida, eclâmpsia, dor intensa, hiperatividade simpática ou insuficiência renal. Além da história e dos achados no exame físico, deve-se avaliar o envolvimento de órgãos-alvo utilizando exames que podem ser feitos rapidamente:

  • ECG e radiografia de tórax para avaliar à procura de insuficiência cardíaca e hipertrofia ventricular — se possível, um ecocardiograma, que é muito mais preciso

  • Urinálise para rastreamento à procura de doença do parênquima renal

  • Eletrólitos séricos, nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina para rastreamento à procura de disfunção renal (creatinina elevada) e anormalidades adrenais (nível baixo de potássio)

  • Hemograma completo para rastreamento à procura de síndrome hemolítico-urêmica

  • TC ou RM da cabeça se houver achados neurológicos significativos

  • Uso de drogas e testes de gravidez em adolescentes

A encefalopatia hipertensiva é um diagnóstico de exclusão. Exames de imagem do encéfalo são necessários para descartar massa ou hemorragia intracraniana, que pode estar associada à PA elevada, mas requer uma abordagem de tratamento diferente do que a encefalopatia hipertensiva.

Se a hipertensão do paciente não foi diagnosticada ou avaliada previamente, outros exames para determinar a etiologia da hipertensão podem ser feitos mais tarde, depois que o paciente estiver estabilizado.

Tratamento

  • Para emergências hipertensivas, internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e introdução de anti-hipertensivos IV (entretanto, se não houver leito na UTI, é melhor manter o paciente no pronto-socorro)

  • Para urgências hipertensivas, internação hospitalar e introdução de tratamento anti-hipertensivo

(Ver também the American Academy of Pediatrics' 2017 guidelines for screening and management of high blood pressure in children and adolescents.)

Para emergências hipertensivas, o objetivo é reduzir rapidamente a PA a níveis que eliminem a ameaça à vida e interrompam lesões adicionais em órgãos-alvo. Quando possível, deve-se internar a criança em uma UTI e um médico experiente em hipertensão arterial pediátrica grave deve tratá-la. Entretanto, não se deve adiar o tratamento se a internação em UTI e/ou especialista não estiverem prontamente disponíveis. Nesse caso, deve-se tratar a criança em um pronto-socorro pelo profissional mais experiente disponível. Deve-se reduzir a PA rápido o suficiente para evitar lesões em órgãos-alvo, mas de maneira lenta o suficiente para não causar hipoperfusão desses órgãos. A infusão IV contínua de fármacos é superior, com taxa de complicações de apenas 4%, em comparação a 23% com o uso de fármacos em bolus IV. Quando infusões IV são utilizadas, a PA deve ser monitorada a cada 1 a 2 minutos; se houver habilidade técnica e equipamentos disponíveis, deve-se inserir um catéter arterial para possibilitar o monitoramento contínuo da PA. Entretanto, o tratamento não deve ser adiado e o monitoramento da PA utilizando aparelhos oscilométricos ou ausculta é aceitável. Uma taxa segura de redução da PA é fazer com que a PA sistólica diminua em 25% a cada 6 horas até os sintomas desaparecerem. Então o tratamento pode avançar mais lentamente até uma PA ≤ percentil 95 (ou < 140/90 em crianças > 12 anos). Mais importante, pode-se tratar crianças previamente normotensas com hipertensão aguda de maneira mais agressiva do que crianças com hipertensão de longa duração; estas últimas são menos propensas a ter sintomas, mas têm maior probabilidade de desenvolver hipoperfusão; portanto, a PA deve ser reduzida mais lentamente.

Os fármacos IV preferíveis são o labetalol e a nicardipina (ver Fármacos intravenosos para crianças com hipertensão grave e sinais ou sintomas de lesão de órgão-alvo). O objetivo é que a PA comece a diminuir depois de 30 minutos. Se não diminuir, deve-se aumentar a dose lentamente até a taxa máxima; se o efeito sobre a PA for inadequado ou os sintomas persistirem, então adiciona-se o outro fármaco. Utiliza-se um fármaco de 2ª linha se o outro fármaco de primeira linha for contraindicado ou a combinação de labetalol e nicardipina falhar em doses mais altas. Depois que a PA foi controlada com os fármacos IV, pode-se alternar para fármacos orais, às vezes com diferentes medicamentos ou combinações de agentes, especialmente se a etiologia foi determinada.

Em urgências hipertensivas (hipertensão grave assintomática sem manifestações de disfunção de órgãos), geralmente não é necessário tratamento IV e pode-se administrar fármacos orais (ver tabela Fármacos orais para crianças com hipertensão grave assintomática). Monitoram-se inicialmente os sintomas e a PA dos pacientes a cada 15 minutos a 1 hora e, em seguida, com menos frequência, dependendo da diminuição da PA e de o paciente permanecer assintomático. Após a redução e estabilização da PA, pode-se monitorar os pacientes a cada 1 a 4 horas. Ajusta-se o tratamento para tentar alcançar o percentil 95 ou 130/80 nas próximas 24 a 72 horas. Os pacientes são mantidos no hospital até a PA estar estável com o uso de medicação entre o percentil 95 e percentil 95 + 12 mmHg ou, para crianças maiores, 130-140/80-90.

Tabela
Tabela

Pontos-chave

  • Emergências hipertensivas envolvem disfunção de órgãos-alvo causada por PA elevada.

  • Avaliar danos em órgãos-alvo utilizando ECG, urinálise, eletrólitos séricos, nitrogênio da ureia sanguínea, creatinina e, se houver sintomas neurológicos, TC da cabeça.

  • Internar em uma unidade de terapia intensiva e consultar um especialista em hipertensão pediátrica, tratar com terapia IV, mas não adiar o tratamento se esses recursos não estiverem imediatamente disponíveis.

  • Fármacos preferidos para uso incluem o labetalol e a nicardipina.

  • O objetivo da terapia inicial é reduzir a PA para interromper a lesão em órgãos-alvo rapidamente, mas não tão rápido a ponto de causar hipoperfusão.

  • Deve-se reduzir a PA em 25% a cada 6 horas até o percentil 95 ser alcançado e quaisquer sintomas relacionados com disfunção de órgãos-alvo desaparecerem.

  • Crianças que desenvolvem uma emergência hipertensiva grave além de sua hipertensão crônica precisam de uma abordagem mais cautelosa para reduzir a PA.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso

  1. American Academy of Pediatrics: Clinical Practice Guideline for Screening and Management of High Blood Pressure in Children and Adolescents (2017)

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