Picadas de cobra

PorRobert A. Barish, MD, MBA, University of Illinois at Chicago;
Thomas Arnold, MD, Department of Emergency Medicine, LSU Health Sciences Center Shreveport
Revisado/Corrigido: jan 2022
Visão Educação para o paciente

Das cerca de 3.000 espécies de cobra existentes no planeta, somente 15% das encontradas no mundo e 20% das encontradas nos Estados Unidos são perigosas para o homem devido ao seu veneno ou à sua secreção salivar tóxica (ver tabela Cobras venenosas significantes por região geográfica). Pelo menos uma espécie de cobra venenosa é nativa de cada estado dos Estados Unidos, exceto Alaska, Maine e Havaí. Quase todas são crotálicas (também denominadas de víboras de fossetas, em virtude das depressões semelhantes a buracos localizadas em cada lado da cabeça, que são órgãos de sensibilidade ao calor):

  • Cascavéis

  • Copperheads

  • Cottonmouths (cobra venenosa da água)

Mais de 60.000 mordidas e picadas são anualmente notificadas nos centros de controle de intoxicação e resultam em 100 mortes a cada ano nos Estados Unidos. Cerca de 45.000 são mordidas de cobra (das quais 7.000 a 8.000 são venenosas e causam 5 mortes). Cascavéis são responsáveis pela maioria das mordidas de cobra e por quase todas as mortes. A maioria das outras picadas de cobras peçonhentas é decorrente de copperheads e, um número menor de picadas, de bocas-de-algodão. À cobra coral (elapídeos) e as espécies importadas (em zoológicos, escolas, fazendas de cobras e colecionadores amadores ou profissionais), atribuem-se < 1% de todas as picadas.

A maioria das vítimas constitui-se de homens entre 17 e 27 anos, dos quais 50% estão embriagados e deliberadamente manipularam ou molestaram as cobras. A maioria das picadas ocorre nos membros superiores. Somente 5 a 6 mortes ocorrem anualmente nos Estados Unidos. Os riscos de evolução para morte são extremos de idade, manipulação de cobras capturadas (ao invés das encontradas na natureza), demora no tratamento e tratamento inadequado.

Fora dos Estados Unidos, picadas de cobra fatais são muito mais comuns, registrando > 100.000 mortes todos os anos.

Tabela

Fisiopatologia das mordidas de cobra

Os venenos de cobra são substâncias complexas, principalmente proteínas, com atividade enzimática. Apesar das enzimas terem papel importante, as propriedades letais do veneno podem ser decorrentes de certos pequenos peptídeos. A maioria dos componentes dos venenos parece se ligar a múltiplos receptores fisiológicos, e tentativas de classificar os venenos como tóxicos a um sistema específico (p. ex., neurotoxina, hemotoxina, cardiotoxina, miotoxina) são enganosas e podem levar a erro de julgamento clínico.

Víboras de fossetas

O veneno da maioria das víboras de fossetas nos Estados Unidos causa efeitos locais, bem como efeitos sistêmicos como coagulopatia. Os resultados são

  • Lesão tecidual local, resultando em edema e equimose

  • Lesão endotelial vascular

  • Hemólise

  • Síndrome semelhante à coagulação intravascular disseminada (CIVD) (desfibrinação)

  • Anomalias cardíacas, pulmonares, renais e neurológicas

O veneno altera a permeabilidade da membrana capilar, causando extravasamento de eletrólitos, albumina e eritrócitos através das paredes dos vasos na região envenenada. Este processo pode ocorrer em pulmões, miocárdio, rins, peritônio e raramente no sistema nervoso central. Síndromes clínicas comuns secundárias ao grave envenenamento por víboras de fossetas incluem:

  • Edema: inicialmente ocorre edema, hipoalbuminemia e hemoconcentração.

  • Hipovolemia: depois, sangue e líquidos introduzem-se na microcirculação, causando hipotensão, acidemia láctica, choque e, em casos graves, insuficiência de múltiplos órgãos. O volume efetivo de sangue circulante diminui, contribuindo para insuficiências cardíaca e renal.

  • Sangramento: trombocitopenia clinicamente significativa (contagem de plaquetas < 20.000/mcL) é comum em mordidas de cascavéis e pode ocorrer isoladamente ou com outras coagulopatias. O veneno que induz a formação do coágulo intravascular pode desencadear síndrome de desfibrinação, resultando em sangramento.

  • Insuficiência renal: A insuficiência renal resulta de grave hipotensão, hemólise, rabdomiólise, efeitos nefrotóxicos do veneno ou de síndrome semelhante à coagulação intravascular disseminada (CIVD). Em casos graves de picadas por cascavel, há proteinúria, hemoglobinúria e mioglobinúria.

O veneno da maioria das víboras de fossetas nos Estados Unidos produz muito poucas alterações na condução neuromuscular, exceto em venenos de cascavel de Mojave e da cascavel-diamente-oriental, que causam graves deficiências neurológicas.

Cobras corais

O veneno da cobra coral contém primariamente componentes de neurotoxinas, que causam bloqueio neuromuscular pré-sináptico, resultando potencialmente em paralisia respiratória. A falta de significativa atividade proteolítica enzimática é o motivo da pobreza de sinais e sintomas no local da picada.

Sinais e sintomas das picadas de cobra

Uma picada de cobra, independentemente de ser venenosa ou não, causa, geralmente, terror, frequentemente com manifestações autonômicas (p. ex., náuseas, vômitos, taquicardia, diarreia, diaforese) que, às vezes, são difíceis de distinguir das manifestações sistêmicas do envenenamento.

Picadas de cobra não venenosas produzem somente sinais e sintomas locais, usualmente dor e 2 a 4 fileiras de escoriações da mandíbula superior da cobra no local da picada.

Sinais e sintomas de envenenamento são locais, sistêmicos, coagulopáticos ou uma combinação destes, dependendo do grau de envenenamento e da espécie da cobra. Anafilaxia pode ocorrer particularmente em pessoas que manipulam cobras e que já foram sensibilizadas anteriormente.

Víboras de fossetas

Cerca de 25% das cobras de fossetas são secas (o veneno não é depositado) e não há desenvolvimento de sinais ou sintomas sistêmicos.

Sinais locais são escoriações e 1 marca da presa da serpente. Se ocorrer envenenamento, haverá no local da picada e em tecidos adjacentes, dentro de 30 a 60 minutos, edema e eritema. O exsudato da ferida sugere envenenamento. Edema progride rapidamente e pode acometer toda a extremidade em horas. Desenvolvem-se linfangite e linfadenopatia regional, e a temperatura aumenta no local da picada. Nos casos de envenenamentos moderados ou graves, a equimose é comum e surge no local ou ao redor da picada emtre 3 e 6 horas. Equimose é mais grave após mordidas por

  • Cascavéis-diamante-oriental e ocidental

  • Bocas-de-algodão

  • Cascavéis de pradaria, do Pacífico e da madeira

A pele ao redor da picada pode parecer tensa e descorada. Em 8 horas, geralmente, surgem bolhas serosas, hemorrágicas ou ambas. O edema resultante do envenenamento da cascavel dos Estados Unidos é usualmente limitado aos tecidos dérmico e subcutâneo, apesar do envenenamento grave raramente causar edema no tecido subfascial, acarretando síndrome de compartimento (definida por pressão compartimental 30 mmHg por mais de 1 hora ou < 30 mmHg abaixo da pressão diastólica). É comum necrose no local da picada após envenenamento por cascavel. O pico do efeito do veneno nos tecidos moles é em 2 a 4 dias.

As equimoses são menos comuns após picadas de copperhead e cascavéis de Mojave.

Manifestações sistêmicas do envenenamento incluem náuseas, vômitos, diarreia, diaforese, ansiedade, confusão, sangramento espontâneo, febre, dor torácica, dificuldade respiratória, parestesias, hipotensão e choque. Algumas vítimas da picada de cascavel sentem na boca gosto metálico, de menta ou semelhante à borracha. O veneno da maioria das víboras de buraco dos Estados Unidos produz poucas alterações da condução neuromuscular, incluindo fraqueza, parestesia generalizada e fasciculações musculares. Alguns pacientes têm alteração do estado mental. O veneno das cascavéis de Mojave e diamondback do Leste pode causar graves deficiências neurológicas, como depressão respiratória.

A anafilaxia pode causar sintomas sistêmicos imediatos.

O envenenamento por picada de cascavel causa ainda várias anormalidades de coagulação, como trombocitopenia, prolongamento do tempo de protrombina [TP, medido pela razão normalizada internacional (RNI)] ou tempo de tromboplastina parcial (TPP) ativado, hipofibrinogenemia, aumento dos produtos de degradação da fibrina ou uma combinação destas alterações, lembrando uma síndrome semelhante à coagulação intravascular disseminada (CID). A trombocitopenia é usualmente a primeira manifestação, podendo ser assintomática ou, na presença de coagulopatia multicomponente, causar sangramento espontâneo. As vítimas com coagulopatia sangram no local da picada ou em locais de venopunturas ou mucosas, com epistaxe, sangramento gengival, hematêmese, hematoquezia, hematúria ou uma combinação. O aumento do hematócrito é um achado precoce secundário à hemoconcentração. Tardiamente, o hematócrito diminui como resultado da reposição de líquidos e da perda de sangue da síndrome semelhante à coagulação intravascular disseminada (CIVD). Em casos graves, a hemólise causa rápida queda do hematócrito.

Cobras corais

Dor e edema podem ser mínimos ou ausentes e frequentemente transitórios. A ausência de sinais e sintomas locais sugere erroneamente picada seca, causando falsa impressão de segurança ao médico e ao paciente.

Dicas e conselhos

  • Suspeitar de envenenamento em todas as mordidas de cobras peçonhentas, mesmo se não houver sinais de envenenamento logo após a mordida.

A fragilidade da extremidade picada pode se tornar evidente em algumas horas. Manifestações sistêmicas neuromusculares podem demorar 12 horas e compreender fraqueza e letargia; alteração sensorial (p. ex., euforia e entorpecimento); paralisia do par craniano, causando ptose, diplopia, visão borrada, disartria e disfagia; aumento da salivação; flacidez muscular e insuficiência ou dificuldade respiratória. Uma vez manifestados, os efeitos neurotóxicos do veneno são dificilmente revertidos, podendo durar de 3 a 6 dias. Paralisia do músculo respiratório, se não tratada, pode ser fatal.

Diagnóstico de mordidas de cobra

  • Identificação da cobra

  • Classificação da gravidade do envenenamento

O diagnóstico definitivo de uma picada de cobra é auxiliado pela identificação da cobra junto às manifestações clínicas do envenenamento. A história deve incluir tempo decorrido da picada, descrição da cobra, tipo de terapia de atendimento prévio, condições médicas subjacentes, alergia a produtos de cavalos ou carneiros e história de picadas anteriores de cobras peçonhentas e tratamentos. Deve-se realizar exame físico completo. Deve-se utilizar um marcador para indicar a borda principal do edema no membro ou na região afetada, e deve-se registrar a data e hora da marcação.

Cascavéis são consideradas venenosas até que se prove o contrário através da clara identificação da espécie ou por um período de observação.

Identificação da cobra

Os pacientes frequentemente não conseguem recordar os detalhes da aparência da cobra. Crotalídeos e cobras não venenosas podem ser diferenciados por algumas características físicas (ver figura Identificação das víboras de poço). Consulta a um zoológico, aquário ou centro de controle de envenenamento (1-800-222-1222, nos Estados Unidos) pode ajudar a identificar a espécie da cobra.

Identificação das víboras de poço

As víboras de fossetas têm as seguintes características que ajudam a diferenciá-las das cobras não venenosas:

  • Cabeça em forma de seta (triangular)

  • Pupilas elípticas

  • Depressões sensoriais ao calor entre olhos e nariz (fossetas loreal)

  • Presas retráteis

  • Uma simples fileira de lâminas subcaudais estendendo-se da lâmina anal até a região inferior da cauda

Cobras corais nos Estados Unidos têm pupilas redondas e focinho negro, mas faltam depressões faciais. Elas têm cabeça rombuda ou em forma de charuto e faixas alternadas de vermelho, amarelo (creme) e negro, frequentemente causando confusão com a cobra-falsa-coral não venenosa escarlate, que tem faixas alternadas de vermelho, negro e amarelo. A característica que diferencia a cobra coral é que os anéis vermelhos só são adjacentes aos anéis amarelos, não aos anéis pretos (vermelho com amarelo perto, fique esperto; vermelho com preto ligado, pode ficar sossegado”). As cobras corais têm presas curtas, fixas e injetam veneno através de sucessivos movimentos mastigatórios.

As marcas de presas são sugestivas, mas não conclusivas; cascavéis podem deixar marcas simples ou duplas das presas ou outras marcas de dentes, ao passo que picadas de cobras não venenosas geralmente mostram múltiplas marcas superficiais de dentes. Contudo, o número de marcas de dentes e locais de picada pode variar, pois as cobras dão bote e picam muitas vezes.

A picada seca da víbora de fossetas é diagnosticada quando não aparecem sinais ou sintomas de envenenamento até 8 horas após a picada.

Gravidade do envenenamento

A gravidade do envenenamento depende de:

  • Tamanho e espécies da cobra (cascavéis > bocas-de-algodão > serpente-mocassim-cabeça-de-cobre)

  • Quantidade de veneno injetada por picada (não pode ser determinada pela história)

  • Número de picadas

  • Localização e profundidade da picada (p. ex., envenenamento em picadas em cabeça e tronco tendem ser mais graves que nas extremidades)

  • Idade, tamanho e saúde da vítima

  • Tempo decorrido antes do tratamento

  • Suscetibilidade da vítima (resposta) ao veneno

A gravidade do envenenamento é classificada como mínima, moderada ou grave, com base no nos achados locais, sinais e sintomas sistêmicos, provas de coagulação e achados laboratoriais (ver tabela Gravidade do envenenamento por picada de víbora de poço). A graduação deve ser determinada pelos sintomas, sinais ou achados laboratoriais mais graves.

O envenenamento pode progredir rapidamente de mínimo a grave e precisa ser continuamente reavaliado.

Se sintomas sistêmicos começarem imediatamente, a anafilaxia deve ser feita.

Tabela

Tratamento das picadas de cobra

  • Primeiros-socorros

  • Cuidados de suporte

  • Soro antiofídico

  • Cuidados com ferimentos

Abordagem geral

O tratamento de uma picada de cobra começa imediatamente antes de o paciente ser removido para um hospital.

No campo, os pacientes devem se mover ou ser movidos para longe do bote da cobra. Eles devem evitar exercícios e ser tranquilizados, manter-se aquecidos e rapidamente ser transportados para a instalação médica mais próxima possível. Após a picada em uma extremidade, esta deverá ser frouxamente imobilizada em posição funcional próxima ao nível do coração e todos os anéis, relógios e roupas apertadas devem ser removidos. A imobilização sob pressão para retardar a absorção sistêmica do veneno (p. ex., envolver com atadura de crepe ao redor do membro) pode ser apropriada para picadas de cobra coral, mas não é recomendável nos Estados Unidos, pois a maioria das picadas decorre de cobras de fossetas; a imobilização com pressão pode causar insuficiência arterial e necrose.

Os primeiros socorristas devem atentar para vias respíratórias e respiração, administrar oxigênio e estabelecer o acesso IV em um membro não acometida, enquanto transportam a vítima o mais rápido possível para o atendimento médico mais próximo. Todas as outras intervenções não hospitalares (p. ex., torniquetes, preparações tópicas, qualquer forma de sucção com ou sem incisão, crioterapia, choque elétrico) não provaram seu beneficio, podendo ser danosas e retardar o tratamento apropriado. Todavia, torniquetes que já foram colocados, a não ser que esteja causando isquemia do membro, deve permanecer colocado até que o paciente seja transportado ao hospital e o envenenamento controlado ou que seja instituído tratamento definitivo.

Dicas e conselhos

  • Não fazer incisão nem aplicar torniquetes nas feridas de mordida de cobra.

Avaliação serial e testes começam no departamento de emergência. Marcar as margens do edema local com um marcador indelével a cada 15 a 30 minutos pode ajudar os médicos a avaliar a progressão da difusão local do veneno. A circunferência do membro atingido também deve ser medida na chegada e em intervalos regulares até a evolução local diminuir. Todas as mordidas de crotalídeos requerem

  • Um hemograma completo basal (incluindo plaquetas)

  • Perfil de coagulação (p. ex., tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial, fibrinogênio)

  • Mensuração dos produtos da degradação do fibrinogênio e fibrina séricos

  • Exame de urina

  • Mensuração de eletrólitos séricos, nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina

Em envenenamentos moderados e graves, requer-se dos pacientes tipagem sanguínea e reação cruzada; ECG e radiografia de tórax; além de exames de creatinoquinase (CK), usualmente a cada 4 horas nas primeiras 12 horas e, depois, diariamente ou dependendo do estado do paciente. No tratamento dos pacientes mordidos por cobra coral, é necessário monitorar os efeitos neurotóxicos do veneno sobre a saturação de oxigênio e testes da função pulmonar basal (isto é, p. ex., capacidade vital, fluxograma de pico).

A duração da observação para todas as vítimas de picada de cobra de fossetas deve de pelo menos 8h. Pacientes sem evidência de envenenamento após 8 horas devem ser enviados para casa após cuidado adequado do ferimento. As vítimas de picada de cobra coral necessitam de monitoramento rigoroso por pelo menos 12 horas se houver desenvolvimento de paralisia respiratória. O envenenamento inicialmente avaliado como leve pode progredir para grave em algumas horas.

Cuidado de suporte pode incluir auxílio respiratório, benzodiazepinas para ansiedade e sedação, opioides para dor, reposição de líquidos e vasopressores para choque. Transfusões podem ser necessárias (p. ex., plasma fresco resfriado, concentrado de eritrócitos, plaquetas, crioprecipitados), mas não devem ser realizadas antes do paciente receber quantidades adequadas de antiveneno neutralizante porque a maioria das coagulopatias melhora com quantidades suficientes de soro antiofídico neutralizante. Anafilaxia suspeitada (p. ex., com início imediato de sintomas sistêmicos) é tratada com medidas padrão, incluindo adrenalina. A traqueostomia é necessária por excessiva salivação, espasmo laringiano e trismo.

Soro antiofídico

Juntamente com vigorosos cuidados de suporte, o soro antiofídico é o tratamento primordial para pacientes com envenenamento.

Para envenenamento por víboras de buraco, a base do tratamento nos Estados Unidos consiste no soro antiofídico Crotalidae FAb imunitário polivalente derivado de ovinos (fragmentos FAb purificados de imunoglobulina G IgG] coletados do veneno de víbora de fossetas imunizado de ovelha). A eficácia desse soro antiofídico depende de tempo e dose; ele é mais eficaz para a prevenção de lesão tecidual induzida pelo veneno quando administrado precocemente. Ele é menos eficaz se administrado tardiamente, mas pode reverter coagulopatias, sendo efetivo mesmo quando iniciado 24 horas após o envenenamento. Crotalidae FAb imunitário polivalente é muito seguro, apesar de causar reações agudas (cutâneas ou anafiláticas) e reações de hipersensibilidade retardada (doença do soro). A doença do soro se desenvolve em mais de 16% dos pacientes, 1 a 3 semanas após a administração dos produtos FAb.

Administrar uma dose de ataque de 4 a 12 frascos de Crotalidae FAb imunitário polivalente reconstituída diluída em 250 mL de soro fisiológico, lentamente, a 20 a 50 mL/hora, pelos primeiros 10 minutos; então, se não houver reações adversas, o restante é infundido ao longo das próximas horas. A mesma dose pode ser repetida 2 vezes, se necessário, para controle inicial dos sintomas, reverter coagulopatia ou corrigir parâmetros fisiológicos. Em crianças, a dose não é diminuída (p. ex., baseada em peso ou altura). Medir a circunferência da extremidade acometida em 3 pontos próximos à picada e a borda da extensão do edema a cada 15 a 30 minutos pode auxiliar na decisão acerca da necessidade de doses adicionais. Quando o controle for obtido, 2 doses de frascos pequenos, em 250 mL de soro fisiológico, são administradas em 6, 12 e 18 horas, a fim de prevenir a recorrência do edema do membro e outros efeitos do veneno.

Crotalidae imune F(ab')2 (equino) é um soro antiofídico derivado de cavalo recém-disponibilizado que consiste em fragmentos Fab2 imunes reconstituídos de Crotalidae e é utilizado para tratar picadas de cobra-cascavel na América do Norte em adultos e crianças. A dose inicial recomendada é 10 frascos diluídos em 250 mL de soro fisiológico normal e infundidos em 25 a 50 mL/hora durante os primeiros 10 minutos, observando quaisquer evidências de reações alérgicas. Se nenhuma reação ocorrer, a infusão pode prosseguir na velocidade de 250 mL/hora até a conclusão. Pode-se repetir essa dose inicial a cada hora, se necessário, para interromper a progressão dos sintomas. Pode-se tratar os sintomas tardios ou recidivantes com 4 frascos adicionais.

Dicas e conselhos

  • As crianças mordidas por crotalídeos devem receber doses de soro antiofídico igual às dos adultos.

A espécie da víbora de fosseta pode afetar a dose. O envenenamento por boca-de-algodão e cascavel pode requerer doses menores de soro antiofídico. Mas o soro antiofídico não deve deixar de ser administrado com base na espécie da cobra e deve ser administrado de acordo com a gradação do envenenamento, independentemente da espécie. As crianças, os idosos e os pacientes com doenças de base (p. ex., diabetes mellitus, doença coronariana) devem receber atenção especial dado que podem ser mais sensíveis ao efeitos do veneno.

No envenenamento por cobra coral, o soro antiofídico de cobra coral polivalente derivado de equino é administrado na dose de 5 frascos pequenos, em suspeitas de envenenamento, e mais 10 a 15 frascos, se houver desenvolvimento de sintomas. A dose é similar em adultos e crianças. Essa recomendação posológica pode ser reduzida nos períodos de escassez nacional de soro antiofídico.

Deve-se considerar as precauções antes do tratamento com soro antiofídico para pacientes com hipersensibilidade conhecida ao soro antiofídico ou ao soro equino ou ovino e para aqueles com história de asma ou múltiplas alergias. Nesses pacientes, se o envenenamento for considerado potencialmente fatal para o membro ou a vida, deve-se administrar bloqueadores de H1 e H2 antes do soro antiofídico em uma unidade de saúde equipada para tratar a anafilaxia. Reações anafilactoides precoces ao soro antiofídico costumam ser observadas e, geralmente, resultam de infusão muito rápida; o tratamento consiste na descontinuação temporária da infusão e administração de adrenalina, bloqueadores H1 e H2 e líquidos IV dependendo da gravidade. Usualmente, o soro antiofídico pode ser retomado após diluição adicional e infusão em ritmo lento.

A doença do soro pode se desenvolver, manifestando-se de 7 a 21 dias após o tratamento, causando sintomas como febre, exantema, mal-estar, urticária, artralgia e linfadenopatia. O tratamento é feito com bloqueador H1 e pulso de corticoide oral.

Medidas adjuvantes

Os pacientes devem receber profilaxia antitetânica (toxoide e, às vezes, imunoglobulina), como indicado pela sua história (ver tabela Profilaxia antitetânica no tratamento de rotina de ferimentos). Picadas de cobra raramente se infectam e antibióticos são indicados somente se houver evidência de infecção. Se necessário, as opções incluem 1ª geração de cefalosporinas (p. ex., cefalexina oral, cefazolina IV) ou penicilina de amplo espectro (p. ex., amoxicilina/cla-vulanato oral, ampicilina/sulbactam IV). A escolha de antibióticos subsequentes baseia-se no resultado da cultura e na sensibilidade do material das feridas.

O cuidado das feridas por picadas é similar ao de outras feridas por puntura. Limpar e aplicar curativos na área. Para picadas em membros, a extremidade é colocada em posição funcional e elevada. As feridas devem ser examinadas e limpas diariamente e cobertas com curativos estéreis. Debridamento cirúrgico de bolhas, vesículas sanguinolentas ou necrose superficial deve ser realizado entre 3 a 10 dias, necessitando ser realizado em estágios. Indicam-se sessões de jatos de água estéreis para o debridamento de feridas e terapia física. A fasciotomia (isto é, para síndrome compartimental) é raramente indicada e deve ser considerada apenas quando a pressão compartimental é 30 mmHg por mais de 1 hora ou < 30 mmHg abaixo da pressão diastólica, causa grave comprometimento vascular e não responde à elevação do membro, nem a manitol 1 a 2 g/kg IV nem a doses apropriadas do soro antiofídico. O edema maciço por si só não constitui indicação de fasciotomia. Após 2 dias da picada, é preciso avaliar movimentação articular, força muscular, sensibilidade e medida da cintura. Para evitar contratura, a imobilização é interrompida por períodos frequentes de exercícios, progredindo de passivos para ativos.

Centros regionais e zoológicos são excelentes fontes ao lidar com picadas de cobra, incluindo aquelas de cobras não nativas. Tais instalações mantêm uma lista de médicos treinados em cuidados de picadas de cobra, bem como o Antivenin Index, publicado e periodicamente atualizado pela American Zoo and Aquarium Association e pela American Association of Poison Control Centers. Esse índice cataloga a localização e o número de frascos de soro antiofídico disponíveis para todas as cobras peçonhentas nativas e para a maioria das espécies exóticas. Nos Estados Unidos, uma linha de ajuda está disponível em 1-800-222-1222.

Pontos-chave

  • Nos Estados Unidos, as cobras peçonhentas comuns são cascavéis, serpente cabeça-de-cobre e boca-de-algodão (todas crotalídeos), mas as cascavéis respondem pela maioria das mordeduras e por quase todas as mortes.

  • O envenenamento crotálico pode causar efeitos locais (p. ex., dor, edema progressivo, equimose) e efeitos sistêmicos (p. ex., vômitos, sudorese, confusão, sangramento, febre, dor no peito, dispneia, parestesias, hipotensão).

  • As características que podem ajudar a diferenciar os crotalídeos das cobras não venenosas são pupila elíptica, cabeça triangular, presas retráteis, fossetas loreais de detecção de calor e uma única fileira de placas subcaudais que se estendem da placa anal na parte inferior da cauda.

  • No campo, remover o paciente para fora do alcance do bote da cobra, providenciar transporte rápido, enfaixar o membro picado sem apertar, imobilizá-lo em uma posição na altura do coração e remover os dispositivos constritivos como anéis e relógios; não fazer incisão no local da mordida, nem aplicar torniquete.

  • Monitorar os pacientes vítimas de acidente crotálico continuamente por pelo menos 8 horas, e durante mais tempo se algum achado sugerir envenenamento.

  • Tratar as feridas e os sintomas, e consultar um centro de controle toxicológico.

  • Administrar o soro antiofídico precocemente e em doses adequadas, incluindo as doses plenas para adultos e crianças.

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