Fisiopatologia
Criptosporídios são protozoários coccídios intracelulares obrigatórios que se reproduzem em células epiteliais do intestino delgado de um hospedeiro vertebrado.
Depois que oocistos Cryptosporidium são ingeridos, eles eclodem no trato GI e liberam esporozoítas, que parasitam as célula GI epiteliais. Nessas células, os esporozoítas se transformam em trofozoítos, replicam e produzem oocistos.
Dois tipos de oocistos são produzidos:
Oocistos infecciosos de parede espessa entram no lúmen e passam pelas fezes do hospedeiro infectado; são imediatamente infectantes e podem ser transmitidos diretamente de uma pessoa para outra por via fecal-oral. Muito poucos oocistos (p. ex., < 100) são necessários para provocar doença, aumentando assim o risco de transmissão de pessoa para pessoa.
Quando os oocistos infectantes são ingeridos por seres humanos ou outro hospedeiro vertebrado, o ciclo recomeça.
Os oocistos são resistentes a condições difíceis, incluindo os níveis de cloro normalmente utilizados nos sistemas públicos de tratamento de água e piscinas, independentemente da adesão aos níveis de cloro recomendados.
Epidemiologia
Cryptosporidium spp infectam uma ampla gama de animais. Cryptosporidium parvum e C. hominis (antigo genótipo 1 do C. parvum) são responsáveis pela maioria dos casos humanos de criptosporidiose. Infecções resultam de:
A doença ocorre mundialmente. Criptosporidiose é responsável por 0,6 a 7,3% da doença diarreica em países industrializados e por uma porcentagem ainda mais alta em áreas com condições sanitárias precárias. Foi a causa de grandes surtos de diarreia por água contaminada nos EUA (1). Em Milwaukee, Wisconsin (EUA), > 400.000 pessoas foram afetadas em uma epidemia transmitida pela água, em 1993, quando o fornecimento de água da cidade foi contaminado pelo esgoto durante as chuvas de primavera e o sistema de filtragem não funcionou corretamente.
Crianças, viajantes para países estrangeiros, pacientes imunocomprometidos e equipes médicas que cuidam de pacientes com criptosporidiose estão em maior risco. Epidemias ocorrem em creches. O pequeno número de oocistos necessário para causar infecção, excreção prolongada de oocistos, resistência dos oocistos à cloração e seu pequeno tamanho levantam a preocupação do uso de piscinas por crianças com fraldas.
Diarreia crônica grave decorrente de criptosporidiose é um problema em pacientes com aids.
Referência sobre epidemiologia
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1. Painter JE, Gargano JW, Yoder JS, et al: Evolving epidemiology of reported cryptosporidiosis cases in the United States, 1995–2012. Epidemiol Infect 144(8):1792–1802, 2016. doi: 10.1017/S0950268815003131.
Sinais e sintomas
O período de incubação da criptosporidiose é de aproximadamente 1 semana e a doença clínica ocorre em > 80% das pessoas infectadas. O início costuma ser súbito, com diarreia líquida abundante, cólica abdominal e, menos comumente, náuseas, anorexia, febre e mal-estar. Os sintomas geralmente persistem por 1 a 2 semanas, raramente por ≥ 1 mês, e então diminuem. A excreção fecal de oocistos pode continuar durante várias semanas depois que os sintomas cessam. A eliminação assintomática de oocistos é comum entre crianças mais velhas em países em desenvolvimento.
No hospedeiro imunocomprometido, o início pode ser insidioso, mas a diarreia pode ser mais grave. A menos que o defeito imunitáro subjacente seja corrigido, a infecção pode persistir, provocando diarreia profusa intratável por toda a vida. Perdas fluidas de > 5 a 10 L/dia foram relatadas em alguns pacientes com aids. O intestino é o local mais comum de infecção em hospedeiros imunocomprometidos; porém, outros órgãos podem ser envolvidos (p. ex., trato biliar, pâncreas, trato respiratório).
Diagnóstico
O diagnóstico da criptosporidiose é confirmado pela identificação de oocistos álcool-ácido resistentes nas fezes, mas métodos convencionais de exame de fezes (parasitológicos de rotina com pesquisa de "ovos e parasitas") não são confiáveis. A excreção de oocistos é intermitente, e múltiplas amostras de fezes podem ser necessárias. Várias técnicas de concentração aumentam o rendimento. Oocistos de Cryptosporidium podem ser identificados por meio de microscopia de fase-contraste ou coloração com técnicas modificadas de Ziehl-Neelsen ou de Kinyoun. Microscopia de imunofluorescência com anticorpos monoclonais marcados com fluoresceína permite maior sensibilidade e especificidade.
EIA para antígeno de Cryptosporidium fecal é mais sensível do que exames microscópicos para oocistos. Foram desenvolvidos ensaios baseados em DNA para detecção e especiação de C. parvum e C. hominis. São cada vez mais usados em laboratórios diagnósticos de referência.
Biópsia intestinal pode demonstrar Cryptosporidium dentro de células epiteliais.
Tratamento
Em pessoas imunocompetentes, a criptosporidiose é autolimitada. Para infecções persistentes, pode-se usar nitazoxanida oral; as doses recomendadas, administradas por 3 dias, são:
Em pacientes com aids, a reconstituição imunitária promovida pela TARV é fundamental. Dose alta de nitazoxanida (500 mg a 1000 mg bid) por 14 dias foi eficaz em adultos com uma contagem de CD4 > 50 células/μL. Os sintomas diminuíram após a TARV em alguns pacientes.
São indicadas medidas de suporte, reidratação oral e parenteral e hiperalimentação para pacientes imunocomprometidos.
Prevenção
Fezes de pacientes com criptosporidiose são altamente infecciosas; devem ser tomadas precauções rigorosas com as fezes. Foram desenvolvidas diretrizes de biossegurança especiais para manipulação de amostras clínicas. Água fervente por 1 minuto (3 minutos em altitudes > 2.000 m) é o método de assepsia mais seguro; somente filtros contendo poros ≤ 1 μm (especificados como “1 mícron absoluto” ou certificados sob o NSF/ANSI International Standard nº 53 ou nº 58) removem os cistos de Cryptosporidium.
Pontos-chave
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Criptosporidiose se propaga facilmente porque a excreção fecal de oocistos persiste por semanas após o desaparecimento dos sintomas, um número muito pequeno de oocistos é necessário para a infecção; os oocistos são difíceis de remover da água por filtração convencional e são resistentes à cloração.
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Diarreia aquosa profusa com cólicas geralmente é autolimitada, mas pode ser grave e por toda a vida em pacientes com aids.
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Diagnosticar usando imunoensaio enzimático para antígeno fecal de Cryptosporidium e exames direto por microscopia para oocistos nas fezes. O último é menos sensível e requer técnicas especializadas (p. ex., microscopia de contraste de fase, coloração álcool-ácido resistente).
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Para pessoas que não têm aids, usar nitazoxanida se os sintomas persistirem.
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Tratar as pessoas com aids com TARV e altas doses de nitazoxanida; os sintomas podem diminuir quando o sistema imunitário melhorar com o TARV.