Os nervos cranianos se originam no tronco encefálico. Anormalidades em sua função sugerem patologia em partes específicas do tronco encefálico ou ao longo do trajeto do nervo craniano fora do tronco encefálico. Por exemplo, fraqueza unilateral da perna com sinais motores superiores os podem ser devidos a uma patologia em qualquer lugar entre o córtex cerebral e a coluna lombar. Contudo, a presença de um sinal anormal do nervo craniano sugere fortemente que a fraqueza observada resulta de um problema no tronco encefálico. Combinações específicas de sinais dos nervos cranianos podem sugerir patologia em locais específicos ao redor da base do crânio.
É importante determinar se os déficits dos nervos cranianos refletem um processo dentro (intra-axial) ou fora (extra-axial) do tronco encefálico. Em geral, a presença de sinais de trato longo como espasticidade ou perda de sensibilidade abaixo da cabeça e pescoço indica lesões intra-axiais. As neuropatias cranianas isoladas são mais frequentemente, embora nem sempre, extra-axiais.
(Ver também Doenças neuroftalmológicas e de pares cranianos.)
Nervo craniano I
O olfato (olfação), função do I par craniano, geralmente é avaliado após traumatismo craniano, quando há suspeita de lesões na fossa anterior (p. ex., meningioma) ou quando os pacientes relatam olfato ou paladar anormal.
Pede-se ao paciente para identificar odores (p. ex., sabonete, café, cravos) colocados junto às narinas enquanto a outra narina é ocluída. Álcool, amônia e outros irritantes, que testam os receptores nociceptivos do nervo trigêmeo (V), são utilizados apenas quando houver suspeita de simulação.
Nervo craniano II
Para o nervo craniano óptico (II), a acuidade visual é testada utilizando um quadro de Snellen para visão a distância ou um quadro manual para visão de perto; cada olho é avaliado individualmente, com o outro olho coberto.
A percepção de cores é avaliada utilizando placas pseudoisocromáticas de Ishihara ou Hardy-Rand-Ritter que têm números ou figuras dentro de um campo de pontos especificamente coloridos.
Os campos visuais são avaliados por confrontação direta nos 4 quadrantes visuais. As respostas pupilares diretas e consensuais são avaliadas. Também é realizado exame fundoscópico.
Nervos cranianos III, IV, VI
Na avaliação dos pares cranianos oculomotor, troclear e abducente (III, IV e VI, respectivamente), os olhos são observados quanto a simetria de movimento, posição do globo ocular, assimetria ou queda das pálpebras (ptose) e espasmos ou tremulações dos globos ou das pálpebras. Os movimentos extraoculares controlados por esses nervos são testados pedindo-se ao paciente para acompanhar um alvo em movimento (p. ex., dedo do examinador, sinal luminoso) nos 4 quadrantes (inclusive através da linha mediana) e em direção à ponta do nariz; esse teste pode detectar nistagmo e paralisia de músculos oculares. O nistagmo de amplitude tênue breve do olhar na extremidade lateral é normal.
Anisocoria (diferença no tamanho pupilar) deve ser observada em ambiente com pouca luz. O reflexo pupilar à luz é testado para simetria e rapidez.
Nervo craniano V
Para o nervo craniano trigêmeo (V), as 3 divisões sensoriais (oftálmica, maxilar, mandibular) são avaliadas utilizando-se um objeto pontiagudo para testar a sensibilidade facial e passando uma mecha de algodão na parte inferior ou lateral da córnea para avaliar o reflexo corneano. Quando há perda de sensibilidade facial, deve-se examinar o ângulo da mandíbula; a preservação dessa área (inervada pela raiz espinal C2) sugere um deficit trigeminal. Um piscar fraco, decorrente de fraqueza facial (p. ex., paralisia do VII par craniano), deve ser distinguido de sensibilidade corneana diminuída ou ausente, comum em indivíduos que utilizam lentes de contato. Um paciente com fraqueza facial normalmente sente a mecha de algodão em ambos os lados, até mesmo com o piscar diminuído.
A função motora do trigêmeo é testada palpando-se o músculo masseter, enquanto o paciente cerra firmemente os dentes, e pede-se para que abra a boca contra resistência. Quando o músculo pterigoideo está fraco, a mandíbula desvia-se para o lado desse músculo.
Nervo craniano VII
O nervo craniano facial (VII) é avaliado verificando a fraqueza hemifacial. Com frequência, a assimetria de movimentos faciais é mais evidente durante a conversação espontânea, em especial quando o paciente sorri. Para pacientes obnubilados, um estímulo nocivo é utilizado para provocar caretas. O sulco nasolabial está deprimido e a fissura palpebral está alargada no lado enfraquecido. Se o paciente apresentar apenas fraqueza da parte inferior da face (isto é, com preservação do enrugamento da fronte e do fechamento das pálpebras), a etiologia da fraqueza do nervo craniano VII é central, e não periférica.
A sensibilidade gustativa nos dois terços anteriores da língua pode ser testada com soluções doces, azedas, salgadas e amargas aplicadas com um cotonete, primeiro em um lado da língua, depois no outro. A língua do paciente deve ser mantida protraída durante o teste de cada lado, porque o sabor pode ser detectado com o outro lado da língua ao ser recolhida.
A hiperacusia, que indica fraqueza do músculo estapédio, pode ser detectada com um diapasão vibratório ao lado da orelha, mas geralmente é mais bem identificada simplesmente perguntando ao paciente se os sons são exagerados em um lado.
Nervo craniano VIII
Como o nervo craniano VIII (vestibulococlear, acústico, auditivo) transmite entradas auditivas e vestibulares, a avaliação envolve
Testes da função vestibular
A audição é testada primeiro em cada ouvido sussurrando algo e ocluindo a orelha oposta. Qualquer perda suspeita deve levar imediatamente a testes audiológicos para confirmar os resultados e diferenciar perda auditiva condutiva de perda neurossensorial. Os testes de Weber e Rinne podem ser realizados no leito para tentar diferenciar os dois, mas eles são difíceis de fazer de modo eficaz, exceto em ambientes especializados.
Pode-se avaliar a função vestibular testando o nistagmo. A presença e características (p. ex., direção, duração, gatilhos) do nistagmo vestibular ajuda a identificar distúrbios vestibulares e, às vezes, diferenciar vertigem central de periférica. O nistagmo vestibular tem 2 componentes:
Um componente lento causado pela entrada vestibular
Um componente rápido corretivo que provoca o movimento no sentido oposto (chamado batimento)
A direção do nistagmo é definida pela direção do componente rápido, pois é mais fácil de ver. O nistagmo pode ser rotatório, vertical ou horizontal e pode ocorrer espontaneamente, com o olhar, ou com o movimento da cabeça.
Ao tentar diferenciar causas centrais e periféricas da vertigem, o seguinte deve ser considerado:
Não existem causas centrais da perda auditiva unilateral porque a entrada sensorial periférica das 2 orelhas é combinado quase que instantaneamente à medida que os nervos periféricos entram na ponte.
Não existem causas periféricas de sinais do sistema nervoso central. Se um sinal do sistema nervoso central (p. ex., ataxia cerebelar) aparece ao mesmo tempo que a vertigem, é praticamente certo que a localização é central.
A avaliação da vertigem utilizando testes de nistagmo é particularmente útil nas seguintes situações:
Quando os pacientes estão tendo vertigem durante o exame
Quando os pacientes têm síndrome vestibular aguda (início rápido de vertigem grave, náuseas e vômitos, nistagmo espontâneo e instabilidade postural)
Quando os pacientes têm vertigem posicional episódica
Se os pacientes têm vertigem aguda durante o exame, nistagmo costuma ser aparente durante a inspeção. Mas a fixação visual pode suprimir o nistagmo. Nesses casos, o paciente é solicitado a utilizar um diopter de +30 ou lentes de Frenzel para evitar a fixação visual de modo que o nistagmo, se presente, pode ser observado. Pistas que ajudam a diferenciar vertigem central de periférica nesses pacientes incluem:
Se o nistagmo está ausente com a fixação visual, mas presente com lentes de Frenzel, ele é provavelmente periférico.
Se o nistagmo muda de direção (p. ex., de um lado para outro quando, p. ex., a direção do olhar muda), ele é provavelmente central. Entretanto, a ausência desse resultado não exclui causas centrais.
Se o nistagmo é periférico, os olhos se afastam do lado disfuncional.
Ao avaliar pacientes com síndrome vestibular aguda, a manobra mais importante para ajudar a diferenciar vertigem central de vertigem periférica é a manobra de impulso cefálico. Com o paciente sentado, o examinador segura a cabeça do paciente e pede que ele focalize um objeto, como o nariz do examinador. Então o examinador de repente e rapidamente vira a cabeça do paciente em cerca de 20° para a direita ou para a esquerda. Normalmente, os olhos continuam focalizando o objeto (por meio do reflexo vestíbulo-ocular). Outros resultados são interpretados como a seguir:
Se os olhos se afastam temporariamente do objeto e então um movimento corretivo frontal retorna os olhos para o objeto, o nistagmo é provavelmente periférico (p. ex., neuronite vestibular). O aparelho vestibular em um dos lados é disfuncional. Quanto mais rápido a cabeça é girada, mais óbvia é a sacada corretiva.
Se os olhos continuam focalizando o objeto e não há necessidade de um movimento corretivo, o nistagmo é provavelmente central (p. ex., enfarto cerebelar).
Quando a vertigem é episódica e provocada pela mudança de posição, a manobra de Dix-Hallpike (ou Barany) é feita para testar a obstrução do canal semicircular posterior com cristais otoconiais deslocados (isto é, para vertigem posicional paroxística benigna [VPPB]). Nessa manobra, o paciente senta ereto na mesa de exame. O paciente é rapidamente abaixado para trás em decúbito dorsal com a cabeça estendida em 45° abaixo do plano horizontal (ao longo da borda da mesa de exame) e girado em 45° para um dos lados (p. ex., para o lado direito). Observam-se a direção e duração do nistagmo, bem como a sensação de vertigem. Volta-se o paciente à posição vertical e a manobra é repetida com a rotação para o outro lado. Nistagmo secundário à vertigem posicional paroxística benigna tem as seguintes características quase patognomônicas:
Um período de latência de 5 a 10 segundos
Normalmente, o nistagmo vertical (olhar para cima) quando os olhos se afastam da orelha afetada e nistagmo rotativo quando os olhos se aproximam da orelha afetada
Nistagmo que causa fadiga quando a manobra de Dix-Hallpike é repetida
Em comparação, a vertigem posicional e nistagmo relacionado com a disfunção do sistema nervoso central não têm um período de latência e não causam fadiga.
A manobra de reposicionamento canalicular de Epley (ver figura Manobra de Epley) pode ser feita em ambos os lados para ajudar a confirmar o diagnóstico de vertigem posicional paroxística benigna. Se o paciente tem vertigem posicional paroxística benigna, há uma alta probabilidade (até 75%) de que os sintomas desaparecerão após a manobra de Epley, e os resultados de uma manobra repetida de Dix-Hallpike serão então negativos (1).
Pares cranianos IX e X
Os nervos cranianos glossofaríngeos e vagos (IX e X, respectivamente) são geralmente avaliados em conjunto. Observa-se se há elevação simétrica do palato quando o paciente diz "ah". Se um lado é parético, a úvula é levantada e separada do lado parético. Uma espátula de língua pode ser utilizada para tocar 1 lado da faringe posterior e, em seguida, o outro, observando-se a simetria do reflexo faríngeo; a ausência bilateral do reflexo faríngeo é comum entre pessoas saudáveis, especialmente em adultos mais velhos, e pode não ser significativa.
Em um paciente intubado, não responsivo, a sucção no tubo endotraqueal deflagra tosse.
Quando há rouquidão, inspecionam-se as pregas vocais. Uma vez confirmada a rouquidão isolada (com reflexo faríngeo e elevação do palato normais), o médico deve buscar lesões (p. ex., linfoma mediastinal, aneurisma de aorta) que comprimam o nervo laríngeo recorrente.
Nervo craniano XI
O nervo craniano acessório espinal (XI) é avaliado testando-se os músculos que inerva:
No caso do esternocleidomastoideo, pede-se ao paciente para girar a cabeça para 1 lado e então manter essa posição contra a resistência imposta pela mão do examinador, enquanto este palpa o músculo ativo (oposto ao lado para o qual a cabeça está virada).
Para a parte superior do trapézio, pede-se ao paciente para levantar os ombros contra a resistência imposta pelo examinador.
Nervo craniano XII
O nervo craniano hipoglosso (XII) é avaliado pedindo-se ao paciente para estender a língua e verificando-se se há atrofia, fasciculações e fraqueza (ocorre desvio para o lado da lesão).
Referência
1. Anagnostou E, Stamboulis E, Kararizou E. Canal conversion after repositioning procedures: comparison of Semont and Epley maneuver. J Neurol. 2014;261(5):866-869. doi:10.1007/s00415-014-7290-2
