Tratamento antirretroviral da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)

PorEdward R. Cachay, MD, MAS, University of California, San Diego School of Medicine
Revisado/Corrigido: fev 2023
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Os medicamentos antirretrovirais usados para tratar a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) têm por objetivo:

  • Reduzir a quantidade de RNA do HIV (carga viral) no sangue até um valor indetectável

  • Restaurar a contagem de CD4 a um nível normal

Várias classes de medicamentos antirretrovirais são utilizadas em conjunto para tratar a infecção pelo HIV. Esses medicamentos bloqueiam a penetração do HIV em células humanas ou bloqueiam a atividade de uma das enzimas de que o HIV precisa para se replicar dentro de células humanas e/ou integrar seu material genético ao DNA humano.

Os medicamentos são agrupados em classes com base na forma como agem contra o HIV:

  • Inibidores da transcriptase reversa impedem a transcriptase reversa do HIV de converter RNA de HIV em DNA. Há três tipos desses medicamentos: nucleosídeo, nucleotídeo e não nucleosídeo.

  • Os inibidores de protease impedem que a protease ative certas proteínas no interior dos vírus recém-produzidos. O resultado é um HIV imaturo e defeituoso que não infecta novas células.

  • Inibidores de entrada (fusão) impedem o HIV de entrar nas células. Para entrar na célula humana, o HIV deve se ligar a um receptor CD4 e outro receptor, tal como o receptor CCR5. Um tipo de inibidor de entrada, inibidor de CCR-5, bloqueia o receptor de CCR-5 impedindo que o HIV entre nas células humanas.

  • Inibidores pós-fixação também impedem o HIV de entrar nas células, mas de forma diferente dos inibidores de fusão. Estes são usados principalmente para infecção por HIV resistente a vários outros medicamentos.

  • Os inibidores da integrase impedem a integração do DNA do HIV ao DNA humano.

  • Os inibidores de fixação impedem o HIV de se ligar às células T do hospedeiro e a outras células do sistema imunológico, impossibilitando, assim, sua entrada nas células.

Locais de ação farmacológica no ciclo de vida do HIV

Os medicamentos usados para tratar a infecção pelo HIV foram desenvolvidos com base no ciclo de vida do HIV. Esses medicamentos impedem a entrada do HIV em suas células-alvo ou inibem as três enzimas (transcriptase reversa, integrase e protease) que o vírus utiliza para se replicar.

  1. 1. Inicialmente, o vírus HIV adere e penetra sua célula alvo. As classes gerais de medicamentos que agem contra o HIV neste estágio são chamadas de inibidores de entrada e incluem inibidores de fixação, inibidores pós‑fixação e inibidores de fusão.

  2. 2. O HIV libera RNA, que constitui o código genético do vírus, no interior da célula. Para o vírus replicar, seu RNA deve ser convertido para DNA. Medicamentos chamados inibidores da transcriptase reversa podem impedir a transcriptase reversa do HIV de converter o RNA do HIV em DNA.

  3. 3. O DNA viral entra no núcleo da célula.

  4. 4. Com a ajuda de uma enzima chamada integrase (igualmente produzida pelo HIV), o DNA viral funde-se com o DNA da célula. Nesse estágio, medicamentos chamados inibidores da integrase podem impedir a integração do DNA do HIV ao DNA humano.

  5. 5. O DNA da célula infectada agora produz RNA viral assim como proteínas que são necessárias para formar um novo HIV.

  6. 6. Forma-se um novo vírus a partir do RNA e de segmentos curtos de proteína.

  7. 7. O vírus é liberado (germina) através da membrana da célula, envolvendo-se em um fragmento desta e apertando a célula infectada.

  8. 7,5 e 8. Para ser capaz de infectar outras células, o vírus recém-formado tem de amadurecer. Outra enzima do HIV (a protease do HIV) é fundamental para essa maturação. Nesse estágio, medicamentos chamados inibidores de protease podem prevenir a maturação do vírus HIV.

Esses medicamentos impedem a replicação do HIV em células e reduzem significativamente a quantidade de HIV no sangue ao longo de alguns dias a semanas. Se a velocidade replicação diminuir o suficiente, a destruição de linfócitos CD4+ pelo HIV diminui e a contagem de CD4 começa a subir. Como resultado, muito do dano ao sistema imunológico causado pelo HIV pode ser revertido. Os médicos podem detectar essa reversão ao medir a contagem de CD4, que começa a retornar para níveis normais ao longo de semanas a meses. A contagem de CD4 continua a aumentar por vários anos, mas a uma taxa mais lenta.

O diagnóstico precoce de infecção por HIV é importante, pois permite aos médicos identificarem pessoas com infecção por HIV antes que sua contagem de células CD4 diminua demais. Quanto mais cedo a pessoa começar a tomar medicamentos antirretrovirais, mais rapidamente sua contagem de CD4 poderá aumentar e mais alta a contagem poderá ser.

Você sabia que...

  • Os medicamentos usados para tratar a infecção por HIV ajudam somente se as pessoas os tomarem regularmente. Perder doses possibilita ao vírus se reproduzir e desenvolver resistência.

O HIV invariavelmente desenvolve resistência a alguns desses medicamentos quando eles são usados isoladamente. A resistência pode começar passados poucos dias ou vários meses de utilização, dependendo dos medicamentos e do vírus. O HIV se torna resistente a medicamentos por causa de mutações que ocorrem quando ele se replica.

O tratamento é mais eficaz quando são administrados dois ou mais medicamentos combinados. Essas combinações de medicamentos são muitas vezes conhecidas como terapia antirretroviral combinada (TARc). A TARc é usada porque

  • As combinações são mais potentes do que cada medicamento isoladamente para reduzir a quantidade de HIV no sangue.

  • As combinações ajudam a evitar o desenvolvimento da resistência ao remédio.

  • Alguns medicamentos para o HIV (tais como o ritonavir) aumentam os níveis sanguíneos de outros medicamentos para o HIV (incluindo a maioria dos inibidores da protease) ao diminuir sua velocidade de eliminação do organismo e, desta forma, aumentar sua eficácia.

A TARc pode aumentar a contagem de CD4 em pessoas com infecção pelo HIV, fortalecendo, assim, seu sistema imunológico e prolongando a sua vida.

Efeitos colaterais de medicamentos antirretrovirais

Os efeitos colaterais das combinações de medicamentos antirretrovirais podem ser sérios e desagradáveis. No entanto, os médicos podem evitar muitos problemas sérios (como anemia, hepatite, problemas renais e pancreatite) examinando regularmente a pessoa e realizando exames de sangue. Os exames de sangue podem detectar efeitos colaterais antes que eles se tornem sérios e permitem aos médicos trocar os medicamentos antirretrovirais quando necessário. Para a maioria das pessoas, os médicos conseguem encontrar uma combinação de medicamentos com efeitos colaterais mínimos.

O metabolismo de gorduras pode ser perturbado, talvez primariamente pelos inibidores da protease. Pode resultar no seguinte:

  • A gordura se acumula no abdômen e nas mamas das mulheres (chamado obesidade central) e é perdida no rosto, braços e pernas.

  • O organismo se torna menos sensível aos efeitos da insulina (chamado resistência à insulina)

  • Os níveis sanguíneos de colesterol e de triglicerídeos (duas formas de gordura no sangue) aumentam.

Esta combinação de problemas (chamada síndrome metabólica) aumenta o risco de ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais e demência.

Erupções cutâneas (reações da pele) são um efeito colateral de muitos medicamentos. Algumas reações da pele podem ser muito perigosas, sobretudo se o medicamento que estiver causando a reação for a nevirapina ou o abacavir.

As mitocôndrias (estruturas dentro das células que geram energia) podem ser danificadas quando certos inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa são usados. Os efeitos colaterais incluem anemia, dor nos pés devido a dano nos nervos (neuropatia), dano no fígado que às vezes evolui para insuficiência hepática grave e dano no coração que pode resultar em insuficiência cardíaca. Certos medicamentos diferem na sua tendência para causar esses problemas.

A densidade óssea pode diminuir quando se usa TARc, resultando em osteopenia ou osteoporose. A maioria das pessoas com esses distúrbios não tem nenhum sintoma, mas elas correm mais risco de fraturar um osso.

Síndrome de reconstituição imunológica inflamatória

A síndrome de reconstituição imunológica inflamatória (immune reconstitution inflammatory syndrome, IRIS) às vezes ocorre quando a TARc é bem‑sucedida.

Na IRIS, os sintomas de várias infecções pioram ou surgem pela primeira vez porque as respostas imunológicas melhoram (são reconstituídas) aumentando a inflamação em locais de infecção. Às vezes os sintomas pioram porque fragmentos dos vírus mortos persistem, desencadeando respostas imunológicas.

Há duas formas desta síndrome:

  • IRIS paradoxal, que se refere à piora dos sintomas de uma infecção que os médicos já diagnosticaram

  • IRIS não mascarada, que se refere ao primeiro surgimento de sintomas de uma infecção que os médicos não haviam diagnosticado anteriormente

A IRIS paradoxal normalmente ocorre durante os primeiros meses de tratamento e geralmente se soluciona por si só. Se isso não ocorrer, os corticosteroides, administrados por curto período, muitas vezes são eficazes. A IRIS paradoxal tem mais probabilidade de ser grave quando a TARc é iniciada logo após o início do tratamento de uma infecção oportunista. Assim, para algumas (mas não todas) infecções oportunistas, a TARc é adiada até o tratamento da infecção oportunista ter reduzido ou eliminado a infecção.

Em pessoas com IRIS não mascarada, os médicos tratam a infecção oportunista recém-identificada com medicamentos antimicrobianos. Ocasionalmente, quando os sintomas são graves, também são usados corticosteroides. Geralmente, quando ocorre IRIS não mascarada, a TARc é mantida. Uma exceção é quando uma infecção criptocócica afeta o cérebro. Neste caso, a TARc é temporariamente interrompida até que a infecção esteja controlada.

Interações com medicamentos antirretrovirais

Pode haver interações medicamentosas entre medicamentos antirretrovirais e outros medicamentos ou entre dois medicamentos antirretrovirais. Por este motivo, as pessoas devem lembrar-se de informar o médico de todos os medicamentos que estiverem tomando.

As interações entre medicamentos antirretrovirais podem aumentar ou diminuir a eficácia dos medicamentos.

Além disso, outras substâncias afetam a forma como o corpo usa alguns medicamentos contra HIV. Essas substâncias incluem as seguintes:

  • O suco de toranja aumenta os níveis de saquinavir, aumentando o risco de efeitos colaterais.

  • A erva-de-são-joão (uma erva medicinal) faz com que o corpo processe mais rapidamente os inibidores da protease e os inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa e, desta forma, torna-os menos eficazes.

Uso de medicamentos antirretrovirais

O tratamento antirretroviral é benéfico somente se os medicamentos forem tomados dentro da programação. Perder doses permite que o vírus se reproduza e desenvolva resistência.

O tratamento não consegue eliminar o vírus do organismo, embora o nível de HIV muitas vezes diminua tanto que não é possível detectá-lo no sangue ou em outros líquidos ou tecidos. Um nível indetectável é a meta do tratamento. Se o tratamento parar, o nível de HIV aumenta e a contagem de CD4 começa a cair.

O melhor momento para começar um tratamento com antirretrovirais é o quanto antes, mesmo se as pessoas não estiverem doentes e sua contagem de CD4 ainda estiver acima de 500 (o normal é 500 a 1.000). Os médicos costumavam aguardar até que a contagem de CD4 estivesse abaixo de 500 para começar um tratamento com antirretrovirais. No entanto, pesquisas mostraram que as pessoas que são prontamente tratadas com medicamentos antirretrovirais têm menos probabilidade de desenvolver complicações relacionadas à AIDS e de morrer em consequência delas.

Antes de iniciar um regime de tratamento, as pessoas são instruídas sobre a necessidade de:

  • Tomar os medicamentos de acordo com as instruções

  • Não pular nenhuma dose

  • Tomar os medicamentos pelo resto da vida

Tomar os medicamentos conforme as instruções pelo resto da vida requer muito empenho. Algumas pessoas pulam doses ou param de tomar os medicamentos por um tempo (chamado férias de medicamentos). Essas práticas são perigosas, pois permitem ao HIV desenvolver resistência aos medicamentos.

Sabendo que tomar medicamentos contra o HIV sem regularidade pode levar a uma resistência ao medicamento, os profissionais de saúde tentam fazer com que as pessoas estejam dispostas e sejam capazes de seguir o regime de tratamento. Para simplificar o cronograma de medicamentos e ajudar as pessoas a tomá-los conforme as instruções, muitas vezes os médicos prescrevem um tratamento que combina dois ou mais remédios em um só comprimido que pode ser tomado apenas uma vez ao dia.

Os médicos interrompem o tratamento temporariamente se as pessoas desenvolverem outro distúrbio que requeira tratamento ou se os efeitos colaterais forem graves e os médicos tiverem que determinar qual medicamento está causando esses efeitos. A interrupção do tratamento é geralmente segura se todos os medicamentos forem suspensos ao mesmo tempo. Os medicamentos são reiniciados assim que a dose do medicamento que estiver causando os problemas tiver sido modificada ou outro medicamento for usado em substituição e os médicos determinarem que é seguro reiniciar o tratamento. Uma exceção é o abacavir. Se as pessoas tiverem manifestado febre ou erupção cutânea enquanto tomavam abacavir, o abacavir deve ser interrompido em caráter permanente. Essas pessoas podem ter uma reação grave e potencialmente fatal ao abacavir se o tomarem novamente.

Prevenção de infecções oportunistas

Se a contagem de CD4 for baixa, são receitados rotineiramente medicamentos para evitar infecções oportunistas, como nos casos seguintes:

Outros medicamentos

Outros medicamentos podem ajudar na fraqueza, perda de peso e obesidade central que pode resultar da infecção por HIV:

  • Megestrol e dronabinol (um derivado da maconha) estimulam o apetite. Muitas pessoas consideram a maconha natural ainda mais eficaz, e sua utilização para esse objetivo foi legalizada em alguns estados.

  • Se os homens tiverem níveis baixos de testosterona além de fadiga, anemia e/ou perda muscular, eles podem receber testosterona por injeção ou por adesivos colocados na pele. Os tratamentos com testosterona podem aumentar os níveis de testosterona e diminuir os sintomas.

  • Hormônios de crescimento e tesamorrelina (um medicamento injetável que libera hormônio de crescimento) reduzem a obesidade central que pode resultar do HIV e seu tratamento.

Se surgir resistência à insulina, os medicamentos para aumentar a sensibilidade à insulina podem ajudar. Se os níveis de colesterol e triglicerídeos no sangue aumentarem, podem ser usados medicamentos redutores de lipídios (estatinas) para reduzi‑los.

Mais informações

Os seguintes recursos em inglês podem ser úteis. Vale ressaltar que O MANUAL não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. Escritório de pesquisa sobre AIDS: informações do National Institutes of Health (NIH), incluindo um glossário de termos relacionados ao HIV e um banco de dados de medicamentos

  2. The American Foundation for AIDS Research: recursos referentes ao apoio a pesquisas sobre AIDS, prevenção do HIV, instruções sobre tratamento e defesa

  3. Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC): Tratamento do HIV como prevenção: informações para pacientes sobre a terapia antirretroviral utilizada para reduzir a quantidade de HIV no corpo, para manter o funcionamento do sistema imunológico e prevenir doença

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