Diabetes mellitus na gestação

(Diabetes gestacional; diabetes pré-gestacional)

PorLara A. Friel, MD, PhD, University of Texas Health Medical School at Houston, McGovern Medical School
Revisado/Corrigido: out 2021 | modificado out 2022
Visão Educação para o paciente

A gestação agrava o diabetes tipo 1 (dependente de insulina) e tipo 2 (não dependente de insulina) preexistentes, mas parece não exacerbar a retinopatia, nefropatia ou neuropatia diabéticas (1).

O diabetes gestacional [diabetes que começa durante a gestação (2)] pode se desenvolver em mulheres com sobrepeso, hiperinsulinêmicas e com resistência à insulina, bem como em mulheres magras com deficiência insulínica relativa. O diabetes gestacional ocorre em pelo menos 5% de todas as gestações, mas essa taxa pode ser muito maior em alguns grupos étnicos (p. ex., mulheres de ascendência mexicana, índias americanas, indianas, asiáticas e das ilhas do Pacífico). Mulheres com diabetes gestacional têm maior risco futuro de diabetes tipo 2.

As diretrizes para o tratamento do diabetes mellitus durante a gestação estão disponíveis a partir do American College of Obstetricians and Gynecologists [ACOG (1, 2)].

Tratamento do diabetes gestacional durante a gestação

O diabetes na gestação aumenta a morbidade e a mortalidade materna e fetal. Os neonatos estão em risco de desconforto respiratório, hipoglicemia, hipocalcemia, hiperbilirrubinemia, policitemia e hiperviscosidade.

O descontrole do diabetes preexistente (pré-gestacional) ou gestacional durante a organogênese (até aproximadamente 10 semanas da gestação) aumenta o risco de:

Controle deficiente do diabetes mais tarde na gestação aumenta o risco de:

Entretanto, o diabetes gestacional pode resultar em macrossomia até mesmo se a glicemia plasmática for mantida próxima aos valores normais.

Referências gerais

  1. 1. Committee on Practice Bulletins—Obstetrics: ACOG Practice Bulletin No. 201: Clinical management guidelines for obstetrician-gynecologists: Pregestational diabetes mellitus. Obstet Gynecol 132 (6):e228–e248, 2018.  doi: 10.1097/AOG.0000000000002960

  2. 2. Committee on Practice Bulletins—Obstetrics: ACOG Practice Bulletin No. 190: Gestational diabetes mellitus. Obstet Gynecol 131 (2):e49–e64, 2018. doi: 10.1097/AOG.0000000000002501

Diagnóstico do diabetes mellitus na gestação

  • Teste de tolerância à glicose oral (TTGO) ou uma única medição de glicose no plasma (em jejum ou aleatória)

Muitos especialistas recomendam que todas as gestantes sejam testadas para diabetes gestacional. Um TTGO geralmente é recomendado, mas o diagnóstico provavelmente pode ser feito com base em glicemia em jejum de > 126 mg/dL (> 6,9 mmol/L) ou glicemia aleatória de > 200 mg/dL (> 11 mmol/L).

O método de triagem recomendado tem 2 etapas. A primeira é um teste de triagem com uma carga de 50 g de glicose oral e uma única medição do nível de glucose em 1 hora. Se o nível de glucose de 1 horas é > 130 a 140 mg/dL (> 7,2 a 7,8 mmol/L), um segundo teste de confirmação de 3 horas é feito utilizando uma carga de glucose de 100 g (ver tabela Limiares de glicose para diabetes gestacional usando teste de tolerância à glicose de 3 horas).

A maioria das organizações de fora dos Estados Unidos recomenda um teste de 2 horas com uma única fase.

Tabela

Tratamento do diabetes mellitus na gestação

  • Acompanhamento intenso

  • Controle rigoroso do nível de glicose

  • Tratamento das complicações

O aconselhamento pré-concepcional e o ótimo controle do diabetes, antes, durante e após a gestação, minimizam os riscos maternos e fetais, incluindo as malformações congênitas. Visto que malformações podem se desenvolver antes do diagnóstico da gestação, a necessidade de controle constante e estrito dos níveis glicêmicos é enfatizada às portadoras de diabetes que estejam planejando engravidar (ou não estejam usando anticoncepcionais).

Para diminuir os riscos, os médicos devem observar o seguinte:

  • Envolver uma equipe de especialistas em diabetes (p. ex., médicos, enfermeiras, nutricionistas, assistentes sociais) e um pediatra

  • Diagnosticar e tratar prontamente possíveis problemas com a gestação, não importa se triviais

  • Planejar o parto e ter um pediatra experiente presente

  • Assegurar que os cuidados neonatais estejam disponíveis

Os especialistas em tratamento de diabéticos podem ser encontrados em centros perinatais regionais.

Durante a gestação

O tratamento pode variar, mas algumas diretrizes gerais de tratamento são úteis (ver tabelas Tratamento do diabetes tipo 1 durante a gestação, Tratamento do diabetes tipo 2 durante a gestação, e Tratamento do diabetes gestacional durante a gestação).

Mulheres com diabetes tipo 1 ou 2 devem monitorar seus níveis glicêmicos em casa. Durante a gestação, níveis normais de glucose no sangue em jejum são cerca de 76 mg/dL (4,2 mmol/L).

Os objetivos do tratamento são

  • Níveis de glicose em jejum no sangue em < 95 mg/dL (< 5,3 mmol/L)

  • Níveis pós-prandiais em 2 horas em ≤ 120 mg/dL (≤ 6,6 mmol/L)

  • Nenhuma flutuação ampla de glicose no sangue

  • Níveis de hemoglobina glicosilada (HbA1c) em < 6,5%

Tabela
Tabela
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Insulina é o fármaco de escolha, pois não atravessa a placenta e provê controle glicêmico melhor e mais previsível; utiliza-se para os diabetes tipo 1 ou 2. A insulina humana é utilizada, se possível, pois minimiza a formação de anticorpos. Esses anticorpos da insulina atravessam a placenta, mas seu efeito sobre o feto é desconhecido. Em algumas mulheres com diabetes tipo 1 de longa data, a hipoglicemia não ocasiona a liberação dos hormônios contrarreguladores (catecolaminas, glucagon, cortisol e hormônio de crescimento); assim, elevadas concentrações de insulinas podem causar coma hipoglicêmico sem sintomas premonitórios. Todas as gestantes com diabetes tipo 1 devem ter seus kits de glucagon e serem instruídas (bem como seus familiares) a administrarem glucagon, caso ocorra hipoglicemia grave (indicada por inconsciência, confusão ou níveis de glicose sanguínea < 40 mg/dL [< 2,2 mmol/L]).

Dicas e conselhos

  • Todas as gestantes com diabetes tipo 1 devem ter seus kits de glucagon e serem instruídas (bem como seus familiares) a administrar glucagon, caso ocorra hipoglicemia grave.

Fármacos hipoglicemiantes orais (p. ex., gliburida) são cada vez mais utilizadas para controlar o diabetes na gestação, pela facilidade de administração (pílulas comparadas a injeções), terem baixo custo e ser dose única diária. Diversos estudos têm demonstrado a segurança de gliburida na gestação e que provê controle equivalente ao da insulina em mulheres com diabetes gestacional. Para mulheres com diabetes tipo 2 diagnosticado antes da gestação, dados relacionados à utilização de medicação oral são escassos; a insulina é geralmente preferida. As mulheres que usaram hipoglicemiantes orais na gestação podem continuar com a medicação no pós-parto, enquanto estiverem amamentando, mas as crianças devem ser monitoradas quanto à presença de sinais de hipoglicemia.

Tratamento das complicações

Embora a retinopatia, a nefropatia e a neuropatia leves relacionadas ao diabetes não contraindiquem a gestação, essas condições necessitam de aconselhamento pré-concepção e manejo rigoroso antes e durante a gestação.

A retinopatia necessita de avaliação oftalmológica a cada trimestre. Caso se perceba retinopatia proliferativa na primeira visita pré-natal, deve-se utilizar fotocoagulação o mais rápido possível, com vistas a evitar a degeneração progressiva.

A nefropatia, em particular nas mulheres com transplante renal anterior, predispõe à hipertensão induzida pela gestação. O risco de parto prematuro é maior se a função renal da paciente estiver prejudicada ou o transplante renal tenha ocorrido recentemente. O prognóstico é melhor se o parto ocorrer 2 anos após o transplante renal.

Malformações congênitas dos principais órgãos pelos níveis elevados de HbA1c na concepção e durante as primeiras 8 semanas da gestação. Se o nível é 8,5% durante o 1º trimestre, o risco de malformações congênitas é significativamente maior e realizam-se ultrassonografia e ecocardiografia fetal durante o 2º trimestre para verificá-las (1). Se a paciente com diabetes tipo 2 recebe hipoglicemiantes orais no 1º trimestre, o risco fetal de malformações congênitas é desconhecido (ver tabela Fármacos com efeitos adversos durante a gestação).

Trabalho de parto e parto

Algumas precauções devem ser tomadas para se assegurar um resultado satisfatório.

O momento do parto depende do bem-estar fetal. As mulheres são orientadas a contar o número de movimentos fetais em um período de 60 min (por dia) e relatar imediatamente ao obstetra qualquer diminuição súbita. O Exame pré-natal começa na 32ª semana; é feito mais cedo se as mulheres têm hipertensão grave, doença renal ou suspeita-se de restrição do crescimento fetal. A amniocentese, com o intuito de avaliar a maturidade pulmonar fetal pode ser necessária geralmente para mulheres com:

  • Complicações obstétricas em gestações anteriores

  • Cuidados pré-natais inadequados

  • Idade gestacional incerta

  • Controle glicêmico pobre

  • Baixa adesão à terapia

O tipo de parto é usualmente espontâneo vaginal a termo. O risco de natimortos e distocia de ombro aumenta perto do parto. Assim, se o trabalho de parto não iniciar espontaneamente na 39ª semana, a indução costuma ser necessária; além disso, o parto pode ser induzido entre 37ª e 39ª semanas sem amniocentese se a adesão à terapia é baixa ou se a glicose no sangue está mal controlada. O trabalho de parto disfuncional, a desproporção cefalopélvica e o risco de distocia de ombro podem tornar necessária a cesariana.

Durante o trabalho de parto e o parto, o nível glicêmico é mais bem controlado pelo emprego de infusão contínua de insulina em baixas doses. Se a indução for planejada, no dia anterior a mulher se alimenta com sua dieta usual e toma a dose habitual de insulina. Na manhã da indução do trabalho de parto, suspendem-se o café da manhã e a insulina, mede-se a glicemia basal em jejum e inicia-se a infusão em bomba IV de dextrose a 5% em soro fisiológico a 0,45% a 125 mL/hora. A taxa de infusão de insulina inicial é determinada pelos níveis de glicemia capilar. A dose de insulina é determinada como a seguir:

  • Dose inicial de insulina: 0 para um nível de glicemia capilar < 80 mg/dL (< 4,4 mmol/L) ou de 0,5 UI/hora para níveis de 80 a 100 mg/dL (4,4 a 5,5 mmol/L)

  • A partir de então: a dose de insulina é aumentada de 0,5 UI/hora para cada 40 mg/dL (2,2 mmol/L) de elevação nos níveis de glicose acima de 100 mg/dL até 2,5 UI/hora para níveis > 220 mg/dL (> 12,2 mmol/L)

  • A cada hora do trabalho de parto: Os níveis de glicose são mensurados e a dose de insulina é ajustada para mantê-los a 70 a 120 mg/dL (3,8 a 6,6 mmol/L)

  • Caso os níveis de glicose estejam muito elevados: Doses adicionais em bolo podem ser necessárias

Para o trabalho de parto espontâneo, o procedimento é o mesmo, exceto se a insulina de ação intermediária tiver sido ministrada nas 12 horas anteriores, caso em que a dose de insulina deve ser diminuída. Para pacientes com infecção, febre ou outras complicações e para mulheres obesas com diabetes tipo 2 que necessitem de > 100 unidades de insulina/dia antes da gestação, aumenta-se a dose de insulina.

Pós-parto

Após o parto, a perda da placenta, que sintetiza grandes quantidades de hormônios antagonistas da ação da insulina por toda a gestação, reduz imediatamente as quantidades necessárias de insulina. Assim, as pacientes portadoras de diabetes gestacional e muitas daquelas com diabetes tipo 2 podem não necessitar de insulina no pós-parto. Para as mulheres com diabetes tipo 1, as exigências de insulina caem de forma drástica, mas então aumentam gradualmente após 72 horas.

Durante as primeiras 6 semanas pós-parto, a meta é acertar os níveis glicêmicos. Estes são checados antes das refeições e ao deitar. A amamentação não é contraindicada, mas pode ocasionar hipoglicemia neonatal em decorrência do uso de hipoglicemiantes orais. As pacientes que tiveram diabetes gestacional devem ser submetidas a teste oral de tolerância à glicose de 2 horas com 75 g de glicose, 6 a 12 semanas após o parto, para determinar se o diabetes resolveu.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Miller E, Hare JW, Cloherty JP, et al: Elevated maternal hemaglogin A1c in early pregnancy and major congenital anomalies in infants of diabetic mothers. N Engl J Med 304 (22):1331–1334, 1981. doi: 10.1056/NEJM198105283042204

Pontos-chave

  • Diabetes na gestação aumenta o risco de macrossomia fetal, distocia do ombro, pré-eclâmpsia, parto cirúrgico, natimorto, aborto espontâneo, natimortos e, se o diabetes gestacional ou preexistente está mal controlado durante a organogênese, malformações congênitas e aborto espontâneo.

  • Examinar todas as gestantes diabetes gestacional utilizando um teste de tolerância à glicose oral.

  • Se disponível, envolver uma equipe de profissionais em diabetes, e procurar manter os níveis de glicemia em jejum abaixo de 95 mg/dL (< 5,3 mmol/L) e os níveis em 2 horas pós-prandiais em ≤ 120 mg/dL (≤ 6,6 mmol/L).

  • Começar os testes antenatais na 32ª semana e o parto na 39ª semana.

  • Ajustar a dose de insulina imediatamente após a dequitação da placenta.

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