Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica são clinicamente semelhantes, exceto em sua distribuição. Por uma definição comum aceita, as alterações afetam < de 10% da superfície da área corporal na SJS e > de 30% da superfície corporal na NET; o acometimento de 15 a 30% da superfície corporal é considerado sobreposição SJS/NET.
A doença afeta entre 1 e 5 indivíduos/milhão. A incidência e/ou gravidade das doenças é maior em indivíduos submetidos a transplante de medula óssea, em pacientes infectados com HIV-Pneumocystis jirovecii, em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e outras doenças reumatológicas.
Etiologia
Os fármacos causam mais de 50% dos casos de SJS e até 95% dos casos de NET. As fármacos mais comuns implicados são
-
Sulfas (p. ex., cotrimoxazol, sulfassalazina)
-
Outros antibióticos (p. ex., aminopenicilinas [normalmente ampicilina ou amoxicilina], fluoroquinolonas, cefalosporinas)
-
Antiepilépticos (p. ex., fenitoína, carbamazepina, fenobarbital, valproato, lamotrigina)
-
Outros fármacos geralmente (p. ex., piroxicam, alopurinol, clormezanona)
Os casos não relacionados com fármacos são atribuídos a
Raramente não é possível identificar a causa.
Fisiopatologia
O mecanismo exato da síndrome Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica é desconhecido; mas uma teoria sustenta que o metabolismo alterado do fármaco (p. ex. falha em limpar metabólitos reativos) em alguns pacientes desencadeia uma reação citotóxica mediada por células T para antígenos de fármacos nos queratinócitos. Identificaram-se os linfócitos T CD8 + como importantes mediadores da formação de bolhas.
Achados recentes sugerem que a granulisina liberada das células T citotóxicas e células natural killer podem ter um papel na morte dos queratinócitos; concentração de granulisina no líquido bolhoso se correlaciona com a gravidade da doença. Outra teoria é de que interações entre Fas (um receptor celular de superfície que induz apoptose) e seus ligantes, em particular uma forma solúvel do Fas ligante liberada por células mononucleares, leva à morte celular e formação de bolhas. Sugeriu-se uma predisposição genética à SSJ/NET.
Sinais e sintomas
Entre 1 e 3 semanas após a introdução do fármaco, os pacientes desenvolvem pródromos, como febre, mal-estar, cefaleia, tosse e ceratoconjuntivite. As máculas geralmente têm aspecto em alvo, e aparecem subitamente, no pescoço, face e tronco superior. Também surgem de forma simultânea em qualquer outro lugar do corpo, coalescendo em grandes bolhas flácidas, e são recobertas por crostas em um período de 1 a 3 dias. As unhas e sobrancelhas podem desaparecer junto com o epitélio. As palmas das mãos e plantas dos pés podem estar envolvidos. Dor na pele, mucosa e olhos é comum. Em alguns casos, eritema difuso é a primeira anormalidade da necrólise epidérmica tóxica.
Em casos graves da necrólise epidérmica tóxica, grandes lâminas de epitélio de todo o corpo se destacam em áreas de pressão (sinal de Nikolski), expondo a pele exsudativa, dolorosa e eritematosa. Crostas dolorosas na cavidade oral e erosões, ceratoconjuntivite e alterações genitais (p. ex., uretrite, fimose e sinéquias vaginais) acompanham as feridas na pele em até 90% dos casos. O epitélio dos brônquios também é afetado, causando tosse, dispneia, pneumonia, edema pulmonar e hipoxemia. Podem se desenvolver também glomerulonefrite e hepatite.
Diagnóstico
O diagnóstico geralmente é óbvio pelo aspecto clínico das lesões e rápida progressão dos sintomas. O exame histológico da pele lesada mostra um epitélio necrótico como um dado importante.
O diagnóstico diferencial entre a síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica precoce engloba eritema multiforme, exantema viral e outras farmacodermias; SSJ/NET geralmente podem ser diferenciadas clinicamente à medida que a doença evolui e se caracterizam por dor de forte intensidade com descamação da pele. Nos estágios avançados da NET, como diagnóstico diferencial temos:
-
Síndrome do choque tóxico (geralmente apresenta envolvimento mais proeminente de múltiplos órgãos e diferentes manifestações cutâneas, como exantema macular nas palmas das mãos e plantas dos pés que evolui para descamação ao longo de aproximadamente 2 semanas)
-
Eritroderma esfoliativo (geralmente poupa as mucosas e não é tão doloroso)
-
Pênfigo paraneoplásico (às vezes com diferentes achados mucocutâneos ou em pacientes com evidências de câncer)
Em crianças, a NET é menos comum e precisa ser diferenciada da síndrome estafilocócica da pele escaldada, normalmente observando as mucosas poupadas e os fatores de risco, como história de fármacos e suspeita clínica de infecção estafilocócica.
Prognóstico
Necrólise epidérmica tóxica grave é semelhante a queimaduras extensas; os pacientes tornam-se gravemente enfermos, podendo ser incapazes de se alimentar ou abrir os olhos e sofrem grande perda de líquidos e eletrólitos. Esses indivíduos estão em grande risco de se contagiar com infecções, sofrer falência de múltiplos órgãos e morte. Com a introdução rápida da terapia, a sobrevida chega a 90%. O grau de gravidade da doença na NET ( Classificação de gravidade da doença da necrólise epidérmica tóxica (SCORTEN)) gradua sistematicamente 7 fatores de risco independentes nas primeiras 24 h de internação hospitalar para determinar a mortalidade em um paciente em particular.
Classificação de gravidade da doença da necrólise epidérmica tóxica (SCORTEN)
Tratamento
O tratamento tem mais sucesso quando síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica são reconhecidas precocemente e tratadas em unidade de internação dermatológica ou unidade de terapia intensiva; tratamento e uma unidade de queimados em estado grave. A consulta com um oftalmologista e cuidados oculares especializados são imprescindíveis quando há lesões oculares. Fármacos potencialmente causadoras devem ser suspensas imediatamente. Os pacientes são isolados para minimizar a exposição a infecções e são tratados com reposição de líquidos, eletrólitos, sangue e suplementos nutricionais, quando houver necessidade. Os cuidados da pele se direcionam a um rápido tratamento de infecção bacteriana secundária e cuidados diários das feridas para queimaduras graves. O uso de antibióticos profiláticos sistêmicos é controverso e deve ser evitado.
O tratamento farmacológico da síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica é controverso. A ciclosporina (3 a 5 mg/kg VO uma vez ao dia) inibe as células CD8, tendo demonstrado reduzir a duração da doença ativa em 2 a 3 dias em certos casos e possivelmente menor mortalidade. O uso de corticoides sistêmicos é controverso e muitos especialistas consideram que eles aumentam a mortalidade por causa das taxas mais altas de infecção e do risco de mascarar uma sepse. Mas estudos recentes mostraram melhora nos desfechos oculares com pulsoterapia precoce com corticoides.
A troca plasmática pode remover metabólitos ou anticorpos reativos a fármacos e pode ser considerada. A administração precoce de alta dose de IGIV 2,7 g/kg, por 3 dias, bloqueia anticorpos e ligantes Fas. Mas apesar de alguns resultados iniciais notáveis com o uso de doses altas de IGIV para NET, estudos clínicos adicionais envolvendo pequenos grupos não sugeriram nenhuma melhoria ou até mesmo taxas mais altas de mortalidade do que o esperado (1).
Referência sobre o tratamento
-
Kirchhof MG, Miliszewski MA, Sikora S, et al: Retrospective review of Stevens-Johnson syndrome/toxic epidermal necrolysis treatment comparing intravenous immunoglobulin with cyclosporine. J Am Acad Dermatol 71(5):941-947, 2014. doi: 10.1016/j.jaad.2014.07.016.
Pontos-chave
-
Os fármacos causam > 50% dos casos de SSJ e até 95% dos casos de NET, mas infecção, vacinação e doença do enxerto versus hospedeiro também são causas potenciais.
-
Confirmar o diagnóstico por biópsia (que mostra epitélio necrosado) se as características clínicas (p. ex., lesões alvo progredindo para bolhas, envolvimento ocular e de mucosas, sinal de Nikolsky, descamação em folhas) forem inconclusivas.
-
O tratamento precoce diminui a taxa de mortalidade, que frequentemente é alta.
-
Exceto para casos leves, tratar a SSJ/NET em uma unidade de queimados e em terapia intensiva.
-
Consultar um oftalmologista se os olhos forem afetados.
-
Considerar ciclosporina e, possivelmente, troca plasmática para casos graves.