Amnésia dissociativa

PorDavid Spiegel, MD, Stanford University School of Medicine
Revisado/Corrigido: mai 2023
Visão Educação para o paciente

É um tipo de transtorno dissociativo que envolve a incapacidade de recordar importantes informações pessoais que tipicamente não seriam perdidas pelo esquecimento normal. É geralmente causada por trauma ou estresse. O diagnóstico se baseia na história após outras causas serem descartadas. O tratamento é psicoterápico, algumas vezes combinado com hipnose ou entrevistas facilitadas por fármacos.

(Ver também Visão geral dos transtornos dissociativos.)

Na amnésia dissociativa, a informação perdida normalmente faria parte da percepção consciente e seria descrita como memória autobiográfica.

Embora a informação esquecida possa estar inacessível para a consciência, algumas vezes, continua a influenciar o comportamento (p. eg., uma mulher que foi estrupada em um elevador se recusa a andar de elevador embora ela não consiga se lembrar do estrupo).

Provavelmente, a amnésia dissociativa é subdetectada. A prevalência não está bem estabelecida, mas as estimativas variam de 0,2 a 7,3% (1).

A amnésia parece ser causada por experiências traumáticas ou estressantes enfrentadas ou presenciadas (p. ex., abuso físico ou sexual, estupro, combate, genocídio, desastres naturais, morte de um ente querido, problemas financeiros sérios) ou por conflitos internos intensos (p. ex., perturbações sobre ações ou impulsos relacionados a culpa, dificuldades interpessoais que aparentemente não podem ser resolvidas, comportamentos criminosos).

Referência geral

  1. 1. Staniloiu A, Markowitsch HJ: Dissociative amnesia. Lancet Psychiatry 1(3):226-241, 2014. doi: 10.1016/S2215-0366(14)70279-2

Sinais e sintomas da amnésia dissociativa

O principal sintoma da amnésia dissociativa é perda de memória que é inconsistente com o esquecimento normal. A amnésia pode ser relativa a um período de tempo discreto, no caso de certos tipos de experiências, ou a extensos períodos da infância.

  • Localizada

  • Seletiva

  • Generalizada

Raramente, a amnésia dissociativa é acompanhada de viagens propositais ou vagar confuso, chamado fuga (da palavra latina fugere "fugir").

A amnésia localizada envolve a incapacidade de recordar um evento ou eventos específicos, ou um período de tempo específico; essas lacunas na memória geralmente estão relacionadas a trauma ou estresse. Por exemplo, pacientes podem esquecer os meses ou anos em que sofreram abusos quando criança ou os dias passados em combate intenso. A amnésia pode não se manifestar por horas, dias ou mais depois do período traumático. Com frequência, o período de tempo esquecido, que pode variar de minutos a décadas, é claramente demarcado. Tipicamente, os pacientes experimentam um ou mais episódios de perda de memória.

A amnésia seletiva envolve o esquecimento de somente uma parte dos eventos durante certo período de tempo ou somente uma parte de um evento traumático. Pacientes podem ter tanto amnésia localizada como seletiva.

Na amnésia generalizada, os pacientes se esquecem da sua identidade e história de vida—p. ex., quem são, onde eles foram, com quem falaram, e o que eles fizeram, disseram, pensaram, experimentaram e sentiram. Alguns pacientes não mais conseguem acessar habilidades bem aprendidas e perdem informações anteriormente conhecidas sobre o mundo. A amnésia dissociativa generalizada é rara; é mais comum entre veteranos de guerra, pessoas que foram abusadas sexualmente e aquelas que experimentam estresse ou conflito extremo. O início geralmente é súbito.

Na amnésia sistematizada, os pacientes se esquecem de informações em uma categoria específica, como todas as informações sobre uma determinada pessoa ou sobre sua família.

Na amnésia contínua, os pacientes se esquecem de cada novo evento à medida que ele ocorre.

A maioria dos pacientes é parcial ou completamente alheio de que eles têm lacunas na memória. Eles só se tornam conscientes quando a identidade pessoal é perdida ou quando as circunstâncias tornam-os cientes—p. ex., quando outros contam ou lhe perguntam sobre eventos que eles não conseguem lembrar.

Pacientes avaliados logo após ficarem amnésicos podem parecer confusos. Alguns estão muito perturbados; outros estão indiferentes. Se aqueles que estão alheios da sua amnésia se apresentam para ajuda psiquiátrica, eles podem fazer isso por outras razões.

Pacientes têm dificuldade para formar e manter relacionamentos.

Alguns pacientes relatam flashbacks, como ocorre no transtorno de estresse pós-traumático (TEPT); flashbacks podem se alternar com a amnésia para o conteúdo dos flashbacks. Alguns pacientes desenvolvem transtorno do estresse pós-traumático mais tarde, especialmente quando se tornam cientes dos eventos traumáticos ou estressantes que desencadearam a amnésia.

Sintomas depressivos e neurológicos funcionais são comuns, assim como comportamentos suicidas e outros autodestrutivos. O risco de comportamentos suicidas pode aumentar quando amnésia desaparece subitamente e os pacientes são oprimidos pelas memórias traumáticas.

Fuga dissociativa

Fuga dissociativa é um fenômeno raro que às vezes ocorre na amnésia dissociativa. É classificada como um tipo de amnésia dissociativa no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto revisado (DSM-5-TR), uma vez que a amnésia é um sintoma proeminente e a fuga é relativamente rara.

Fuga dissociativa costuma se manifestar como

  • Viagem súbita, inesperada e intencional para longe do lar

  • Perambular confuso

Pacientes, depois de perder suas identidades habituais, deixam a família e o trabalho. Uma fuga pode durar horas a meses, ocasionalmente até mais. Se a fuga é breve, pode parecer que eles simplesmente deixaram de realizar algum trabalho ou chegaram tarde em casa. Se a fuga dura vários dias ou mais, eles podem viajar para longe de casa, assumir um novo nome e identidade, e começar um novo trabalho, sem que tenham ciência de qualquer mudança em suas vidas.

Muitas fugas parecem representar a realização dissimulada de desejos, a única forma permitida de escapar de um sofrimento ou constrangimento pesado, especialmente para pessoas com uma família ou conflito interpessoal que eles não podem resolver. Por exemplo, um executivo estressado pelos reveses nos negócios deixa uma vida agitada na cidade e passa a viver como fazendeiro no campo.

Durante a fuga, os pacientes podem parecer e agir normalmente ou apenas levemente confusos. Mas quando a fuga termina, os pacientes relatam que de repente se encontram na nova situação sem memória de como eles chegaram lá ou o que eles fizeram. Muitas vezes, sentem vergonha, desconforto, sofrimento e/ou depressão. Alguns ficam assustados, especialmente se não lembrarem o que aconteceu durante a fuga. Essas manifestações podem chamar a atenção das autoridades médicas ou legais. A maioria das pessoas com o tempo lembra suas identidades e vidas passadas, embora essa lembrança possa ser um processo demorado; muito poucos lembram nada ou quase nada indefinidamente sobre seus passados.

Muitas vezes, um estado de fuga só é diagnosticado depois que os pacientes retornam abruptamente à sua identidade pré-fuga e ficam angustiados por se encontrarem em circunstâncias desconhecidas. O diagnóstico costuma ser feito retrospectivamente, com base em documentações das circunstâncias antes da viagem, da própria viagem e do estabelecimento de uma vida alternativa.

Diagnóstico da amnésia dissociativa

  • Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto Revisado (DSM-5-TR)

  • Exame médico e psiquiátrico para descartar outras causas

Diagnosis of dissociative amnesia is clinical, based on presence of the following criteria in the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-5-TR):

  • Os pacientes não conseguem recordar informações pessoais importantes (geralmente relacionadas a trauma ou estresse) que normalmente não seriam perdidas com o esquecimento normal.

  • Os sintomas causam sofrimento significativo ou prejudicam muito o funcionamento social ou ocupacional.

Além disso, os sintomas podem não ser mais bem explicados pelos efeitos de um fármaco ou outra doença (p. ex., demência, convulsões parciais complexas, uso de substâncias, lesão encefálica traumática, transtorno de estresse pós-traumático, outro transtorno dissociativo).

O diagnóstico requer exame médico e psiquiátrico para excluir outras possíveis causas. A avaliação inicial deve incluir

  • RM para excluir causas estruturais

  • Eletroencefalografia (EEG) para excluir doença epilética

  • Exames de sangue e urina para descartar causas tóxicas, como o uso de drogas ilícitas

Testes psicológicos podem ajudar a caracterizar melhor a natureza das experiências dissociativas.

Tratamento da amnésia dissociativa

  • Para recuperar a memória, um ambiente que forneça apoio e, algumas vezes, hipnose ou um estado semi-hipnótico induzido por fármaco

  • Psicoterapia para lidar com questões associadas às memórias recuperadas dos eventos estressantes ou traumáticos

Se a perda da memória ocorrer por período muito curto, o tratamento de suporte da amnésia dissociativa é geralmente adequado, sobretudo, se os pacientes não tiverem necessidade aparente de recuperar a memória de algum evento doloroso.

O tratamento para perda de memória mais grave começa com a criação de um ambiente seguro e que ofereça suporte. Essa medida isolada resulta quase sempre em recuperação gradual das memórias esquecidas.

Quando um ambiente de suporte não resultar em melhora ou quando a necessidade de recuperar memórias é urgente, questionar os pacientes enquanto estão sob hipnose ou, mais raramente, em um estado semi-hipnótico induzido por medicamento (barbitúrico ou benzodiazepina), pode dar bom resultado. Tais estratégias devem ser utilizadas delicadamente, pois as circunstâncias traumáticas que estimularam a perda de memória provavelmente serão recuperadas e podem ser muito sofridas. O entrevistador precisa ser cuidadoso ao expressar as questões para não sugerir a existência de um evento e correr o risco de criar uma memória falsa. Pacientes que sofreram abuso, sobretudo durante a infância, provavelmente esperam que os terapeutas explorem ou abusem deles e imponham memórias desconfortáveis, em vez de ajudá-los a lembrar memórias reais (transferência traumática).

A precisão de memórias recuperadas com essas estratégias só pode ser determinada com corroboração externa. Entretanto, independente do grau de precisão histórica, preencher essa lacuna, o máximo possível, com frequência é útil terapeuticamente para restaurar a continuidade da identidade e noção do eu do paciente, além de criar uma narrativa coerente de vida.

Uma vez que a amnésia for preenchida, o tratamento ajuda com o seguinte:

  • Dar sentido ao trauma ou conflito subjacente

  • Resolver problemas associados ao episódio amnésico

  • Ajudar o paciente a seguir em frente com sua vida

Se os pacientes experimentaram fuga dissociativa, psicoterapia, às vezes combinada com hipnose ou entrevistas facilitadas por fármacos, pode ser utilizada para tentar restaurar a memória; esses esforços nem sempre são bem-sucedidos. Independente disso, a psicoterapia pode ser útil para os pacientes explorarem como lidar com os tipos de situações, conflitos e emoções que precipitaram a fuga e, assim, desenvolver respostas melhores a esses eventos e ajudar a prevenir a recorrência das fugas.

Prognóstico para amnésia dissociativa

Às vezes as memórias voltam rapidamente, como pode acontecer quando os pacientes são retirados da situação traumática ou estressante (p. ex., combate). Em outros casos, a amnésia, particularmente em pacientes com fuga dissociativa, persiste durante um longo período de tempo. A capacidade de dissociação pode diminuir com a idade.

Muitos pacientes recuperam suas memórias perdidas e a amnésia desaparece. Entretanto, alguns nunca são capazes de reconstruir seu passado esquecido.

O prognóstico é principalmente determinado pelos seguintes:

  • As circunstâncias de vida do paciente, em particular estresses e conflitos associados à amnésia

  • O ajuste psicológico geral do paciente

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