Os benefícios terapêuticos dos ansiolíticos e dos sedativos são bem estabelecidos, mas seu valor no alívio do estresse e da ansiedade é também a razão provável para serem abusados tão frequentemente. Ansiolíticos e sedativos abusados incluem benzodiazepínicos, barbitúricos e outras drogas utilizadas para promover o sono.
Fisiopatologia
Benzodiazepínicos e barbitúricos potencializam o GABA em receptores específicos supostamente localizados próximos aos receptores do GABA. O mecanismo exato desse processo de potencialização ainda não é claro, mas pode estar relacionado com a abertura dos canais de cloro, produzindo um estado hiperpolarizado no neurônio pós-sináptico que inibe a excitação celular.
Efeitos crônicos
Pacientes que tomam doses altas de sedativos costumam ter dificuldade em raciocinar, fala e compreensão lentas (com alguma disartria), memória ruim, julgamento errôneo, tempo de atenção restrito e labilidade emocional. Em pacientes suscetíveis, a dependência psicológica da droga pode se desenvolver rapidamente. A extensão da dependência física se relaciona à dose e à duração do uso; p. ex., pentobarbital, 200 mg/dia, administrado por muitos meses pode não induzir tolerância significativa; mas, 300 mg/dia por > 3 meses ou 500 a 600 mg/dia durante 1 mês pode induzir síndrome de abstinência quando interrompido.
Tolerância e taquifilaxia se desenvolvem irregularmente e de maneira incompleta; portanto, distúrbios comportamentais, do humor e cognitivos consideráveis persistem, mesmo em usuários regulares, dependendo da dosagem e dos efeitos farmacodinâmicos do droga. Existe alguma tolerância cruzada entre álcool e barbitúricos, e ansiolíticos e sedativos não barbitúricos, incluindo benzodiazepínicos. (Barbitúricos e álcool são notavelmente semelhantes na dependência, nos sintomas de abstinência e na intoxicação crônica que provocam).
Gestação
O uso prolongado de barbitúricos durante a gestação pode provocar sintomas de abstinência de barbitúricos no neonato. O uso perinatal de benzodiazepínicos também pode causar a síndrome de abstinência ou intoxicação neonatal (p. ex., apneia, hipotermia, hipotonia). O fenobarbital aumenta o risco de malformação congênita fetal (1).
Referência sobre fisiopatologia
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Veroniki AA, Cogo E, Rios P, et al: Comparative safety of anti-epileptic drugs during pregnancy: A systematic review and network meta-analysis of congenital malformations and prenatal outcomes. BMC Med 15 (1):95, 2017. doi: 10.1186/s12916-017-0845-1.
Sinais e sintomas
Toxicidade ou superdosagem
Os sinais de intoxicação progressiva com ansiolíticos e sedativos são diminuição dos reflexos superficiais, nistagmo de olhar lateral fino, redução discreta do estado de alerta com nistagmo grosseiro ou rápido, ataxia, fala arrastada e instabilidade postural.
Conforme a toxicidade aumenta, pode resultar em nistagmo ao olhar para frente, miose, sonolência, ataxia acentuada com quedas, confusão, estupor, depressão respiratória e, por fim, morte. A superdosagem de benzodiazepínicos raramente provoca hipotensão e essas drogas não ocasionam arritmias.
Abstinência
Quando a ingestão de doses terapêuticas de ansiolíticos e sedativos é interrompida ou reduzida abaixo de um nível crítico, uma síndrome de abstinência leve e autolimitada pode ocorrer. Apenas após algumas semanas de uso, tentativas de parar o uso do droga podem exacerbar insônia e resultar em inquietação, sonhos perturbadores, despertares frequentes e sensação de tensão no início da manhã.
A abstinência de benzodiazepínicos raramente ameaça a vida. Os sintomas podem incluir taquipneia, taquicardia, tremores, hiper-reflexia, confusão e convulsões. O início pode ser lento, pois os drogas permanecem no corpo por longo período. A abstinência pode ser mais grave em pessoas que utilizaram drogas com absorção rápida e diminuição também rápida nos níveis séricos (p. ex., alprazolam, lorazepam, triazolam). Muitas pessoas que utilizam erroneamente benzodiazepínicos foram ou são usuários pesados de álcool e uma síndrome de abstinência de benzodiazepínicos tardia pode complicar a abstinência de álcool.
A abstinência de barbitúricos tomados em doses grandes produz síndrome de abstinência abrupta, assustadora e potencialmente fatal, semelhante ao delirium tremens. Às vezes, mesmo depois de abstinência tratada apropriadamente por uma a 2 semanas, há crise convulsiva. Sem tratamento, a abstinência de um barbitúrico de curta ação provoca o seguinte:
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Dentro das primeiras 12 a 20 h: inquietação, tremores e fraqueza crescentes
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No 2º dia: tremor mais proeminente, algumas vezes, reflexos tendíneos profundos aumentados e fraqueza mais intensa
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Durante o 2º e o 3º dias: convulsões (em 75% dos pacientes que estavam tomando ≥ 800 mg/dia), algumas vezes progredindo para estado epiléptico e morte
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Do 2º ao 5º dia: delirium, insônia, confusão e alucinações visuais e auditivas assustadoras e frequentemente hiperpirexia e desidratação
Diagnóstico
O diagnóstico geralmente é clínico. É possível medir os níveis farmacológicos de alguns drogas (p. ex., fenobarbital), mas normalmente os laboratórios hospitalares não podem medir os níveis da maioria dos hipnóticos e sedativos. Benzodiazepínicos e barbitúricos são quase sempre incluídos nos testes qualitativos de triagens de drogas na urina baseados em imunoensaios. Entretanto, a detecção de drogas nesses testes de triagem normalmente não modifica o tratamento clínico; mesmo se os resultados são positivos, se os pacientes não têm história clara de ingestão de sedativos hipnóticos, outras causas devem ser excluídas dos sintomas do paciente.
Tratamento
Toxicidade ou superdosagem
A intoxicação aguda geralmente não requer nada além de observação, embora as vias respiratórias e a respiração devam ser avaliadas com cuidado. Se a ingestão tiver ocorrido em até 1 h, o reflexo laríngeo está preservado e o paciente pode proteger suas vias respiratórias, 50 g de carvão ativado podem ser administradas para reduzir absorção adicional; entretanto, essa intervenção não demonstrou diminuir a morbidade ou a mortalidade. Ocasionalmente, entubação e ventilação mecânica são necessárias.
O antagonista do receptor benzodiazepínico flumazenil pode reverter a sedação grave e depressão respiratória secundária à superdosagem de benzodiazepínico. A dose é de 0,2 mg IV administrada ao longo de 30 s; 0,3 mg podem ser dados após 30 s, seguidos de 0,5 mg a cada 1 minuto até total de 3 mg. No entanto, sua utilidade clínica não está bem definida, pois muitas pessoas com superdosagem de benzodiazepínicos recuperam-se apenas com medidas de suporte e, às vezes, o flumazenil precipita convulsões.
Contraindicações ao uso do flumazenil incluem uso a longo prazo de benzodiazepínicos (uma vez que o flumazenil pode precipitar abstinência), um distúrbio convulsivo subjacente, presença de espasmos ou outras anormalidades motoras, uma superdosagem de fármaco epileptogênico concomitante (em especial de antidepressivos tricíclicos) e arritmias cardíacas. Deste modo, como muitas dessas contraindicações costumam ser desconhecida para a superdosagens com drogas recreacionais, é melhor reservar o flumazenil para os pacientes com depressão respiratória durante um procedimento médico (ou seja, quando a história clínica é inequívoca).
Se superdosagem de fenobarbital for diagnosticada, a alcalinização da urina com bicarbonato de sódio pode aumentar a excreção. Também considera-se a administração de várias doses de carvão ativado no caso de uma quantidade letal na superdosagem de fenobarbital.
A alcalinização da urina é feita adicionando 150 mEq de bicarbonato de sódio diluído em 1 litro de solução de soro glicosado a 5% infundido em 1 a 1,5 litros por hora. Deve-se manter o pH urinário o mais próximo possível de 8 para que a alcalinização seja eficaz.
Abstinência e desintoxicação
A abstinência aguda grave necessita de internação, de preferência em uma unidade de terapia intensiva e o uso de doses apropriadas de benzodiazepínicos IV.
Abordagem para o manejo da dependência de sedativos consiste em remover a droga em um esquema estrito, monitorando os sinais da abstinência. Muitas vezes, a melhor opção é trocar por droga de ação longa, que é mais fácil de retirar.
Assim como para a abstinência de álcool, os pacientes passando pela abstinência de ansiolíticos ou sedativos precisam de monitoramento próximo, de preferência internados, se reação de abstinência moderada a grave for esperada.