São disfunções musculares progressivas hereditárias, em razão de defeitos em um ou mais genes necessários para a função e estrutura musculares normais. As distrofias de Duchenne e de Becker são a segunda forma mais prevalente de distrofia muscular (depois da distrofia fácio-escapulo-umeral). São causadas por mutações do gene da distrofina, o maior gene humano conhecido, no locus Xp21.2. Na distrofia de Duchenne, essa mutação acarreta ausência grave (< 5%) da distrofina, uma proteína na membrana da célula muscular. Na distrofia de Becker, a mutação resulta em produção anormal de distrofina ou insuficiência de distrofina.
A distrofia de Duchenne e a distrofia de Becker juntas afetam 5/1000 pessoas; a maioria tem a distrofia de Duchenne. Mulheres portadoras podem ter níveis elevados assintomáticos de CK e possibilidade de hipertrofia da panturrilha.
Sinais e sintomas
Distrofia de Duchenne
Manifesta-se caracteristicamente entre 2 e 3 anos de idade. A fraqueza afeta os músculos proximais, e no início, em geral, os membros inferiores. Crianças frequentemente andam nas pontas dos pés e têm marcha anserina e hiperlordose lombar. Elas têm dificuldade de correr, saltar, subir escadas e levantar do chão. As crianças caem com frequência, muitas vezes causando fraturas nos membros superiores ou inferiores (em cerca de 20% dos pacientes). A progressão da fraqueza é constante, desenvolvendo-se contratura em flexão dos membros e escoliose em praticamente todas as crianças. Surge firme pseudo-hipertrofia (grandes grupos musculares são substituídos por gordura e tecido fibroso, principalmente panturrilhas). Aos 12 anos, a maioria das crianças precisa de cadeira de rodas e morre por complicações respiratórias aos 20 anos.
As consequências do envolvimento do miocárdio incluem miocardiopatia dilatada, anormalidades de condução e arritmias. Essas complicações ocorrem em cerca de um terço dos pacientes com 14 anos de idade e em todos os pacientes com mais de 18 anos de idade; entretanto, como esses pacientes não são capazes de fazer exercícios, o envolvimento cardíaco é geralmente assintomático até o final da doença. Cerca de um terço manifesta leve inteligência deficiente, porém progressiva, o que afeta mais a habilidade verbal do que o desempenho de atuação.
Distrofia de Becker
Diagnóstico
A suspeita diagnóstica baseia-se em quadro clínico, idade do acometimento e história familiar sugestiva de herança recessiva ligada ao X. A eletromiografia mostra alterações miopáticas (potenciais de unidades motoras rapidamente recrutados, de curta duração e de baixa amplitude). Quando feita, a biópsia muscular mostra necrose e variação acentuado no tamanho da fibra muscular não segregada pela unidade motora. Níveis de CK estão elevados em até 100 vezes o normal.
A análise das mutações do DNA de leucócitos no sangue periférico é o principal teste confirmatório; é capaz de identificar anomalias no gene distrofina (deleções em cerca de 70% dos pacientes com distrofia de Duchenne e 85% dos pacientes com distrofia de Becker; duplicações em cerca de 10% de ambos os grupos).
Se o teste genético não confirma o diagnóstico, deve-se fazer análise da distrofina por imunocoloração das amostras da biópsia muscular. A distrofina é indetectável em pacientes com distrofia de Duchenne. Em pacientes com distrofia de Becker, a distrofina costuma ser anormal (peso molecular mais baixo) ou está presente em baixa concentração.
Os pacientes com distrofia de Duchenne devem ser submetidos à avaliação básica da função cardíaca com ECG e ecocardiografia no momento do diagnóstico ou aos 6 anos de idade.
A averiguação de portadores e o diagnóstico pré-natal são possíveis usando-se estudos convencionais (p. ex., genealogia, avaliações da CK, determinação do sexo fetal) combinados à análise do DNA recombinante e distrofina do tecido muscular.
Tratamento
Não existe tratamento específico. Incentiva-se exercício ativo leve (submáximo) pelo maior tempo possível para evitar atrofia por desuso ou complicações decorrentes da inatividade. Os exercícios passivos podem alongar o período de ambulação. O objetivo das intervenções ortopédicas deve ser manter a função e prevenir contraturas. A ortose tornozelo-pé usada durante o sono pode ajudar a prevenir contraturas por flexão. Aparelhos nas pernas podem ajudar temporariamente a preservar a ambulação ou a permanência de pé. Às vezes, é necessária a cirurgia corretiva, particularmente para escoliose. Obesidade deve ser evitada; as necessidades calóricas são provavelmente menores do que o normal por causa da atividade física reduzida.
A insuficiência respiratória pode ser tratada com suporte ventilatório não invasivo (p. ex., máscara nasal — Estado asmático (EA)). A traqueostomia eletiva tem ganhado aceitação, permitindo à criança com distrofia de Duchenne viver até os 20 anos.
Para crianças com miocardiopatia dilatada, um inibidor da ECA e/ou um betabloqueador pode ajudar a prevenir ou desacelerar a progressão.
Na distrofia de Duchenne, considera-se prednisona ou deflazacorte diariamente para pacientes > 5 anos de idade que não estão mais ganhando, ou estão perdendo, habilidades motoras. O efeito desses fármacos ocorre tão cedo quanto 10 dias após o início da terapia; o pico da eficácia ocorre em 3 meses e persiste por 6 meses. O uso a longo prazo melhora a força, atrasa a idade em que perde-se a deambulação em 1,4 a 2,5 anos, melhora os testes funcionais cronometrados (mensuração da rapidez com que a criança completa uma tarefa funcional, como caminhar ou levantar-se do chão), melhora a função pulmonar, reduz complicações ortopédicas (p. ex., a necessidade de cirurgia para escoliose), estabiliza a função cardíaca (p. ex atrasa o início da miocardiopatia até aos 18 anos de idade) e aumenta a sobrevida em 5 a 15 anos (1). Prednisona em dias alternados não é eficaz. Ganho de peso e fácies cushingoides são efeitos adversos comuns após 6 a 18 meses. O risco de fraturas vertebrais por compressão e fraturas de ossos longos também é maior. Deflazacorte pode estar associado a maior risco de catarata do que a prednisona.
O uso de prednisona ou deflazacorte para a distrofia de Becker ainda não foi estudado de maneira adequada.
A terapia gênica ainda não está disponível. Indica-se aconselhamento genético.
Referência sobre o tratamento
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1. Gloss D, Moxley RT 3rd, Ashwal S, Oskoui M: Practice guideline update summary: Corticosteroid treatment of Duchenne muscular dystrophy: Report of the Guideline Development Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology 86:465–472, 2016. doi: 10.1212/WNL.0000000000002337.
Pontos-chave
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As distrofias de Becker e Duchenne são doenças recessivas ligada ao X que causam queda nos níveis de distrofina, uma proteína nas membranas das células musculares.
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Pacientes têm fraqueza progressiva significativa que causa incapacidade grave, incluindo dificuldade para caminhar, quedas frequentes, miocardiopatia dilatada e morte prematura devido à insuficiência respiratória.
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Exercícios ativos e passivos são úteis, juntamente com talas de membro inferior e órteses tornozelo-pé.
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Na distrofia de Duchenne, prednisona ou deflazacorte diário pode melhorar a força e massa musculares, melhorar a função pulmonar e ajudar a atrasar o início da miocardiopatia, embora efeitos adversos sejam comuns.
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Um inibidor da ECA e/ou um betabloqueador pode ajudar a prevenir ou desacelerar a progressão da miocardiopatia.
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Suporte ventilatório (não invasivo e, mais tarde, invasivo) pode ajudar a prolongar a vida.