Visão geral das anomalias cardiovasculares congênitas

PorLee B. Beerman, MD, Children's Hospital of Pittsburgh of the University of Pittsburgh School of Medicine
Revisado/Corrigido: abr 2023
Visão Educação para o paciente

Cardiopatia congênita é a anomalia congênita mais comum e ocorre em quase 1% dos nascidos vivos (1). Entre as alterações congênitas, a cardiopatia congênita é a principal causa de mortalidade de lactentes.

As cardiopatias congênitas mais comuns diagnosticadas na infância são os defeitos do septo ventricular, musculares e perimembranosos, seguidas por defeitos do septo atrial secundum, com uma prevalência total de 48,4 em 10.000 nascidos vivos (2, 3, 4). A cardiopatia congênita cianótica mais comum é a tetralogia de Fallot, que é duas vezes mais prevalente do que a transposição das grandes artérias (4,7 versus 2,3/10.000 nascimentos). Em geral, valvas aórticas bivalvulares são os defeitos congênitos mais comuns, com prevalência relatada entre 0,5% e 2,0%.

Referências gerais

  1. 1. Reller MD, Strickland MJ, Riehle-Colarusso T, et al: Prevalence of congenital heart defects in metropolitan Atlanta, 1998–2005. J Pediatr 153(6):807–813, 2008.

  2. 2. Freeze SL, Landis BJ, Ware SM, Helm BM: Bicuspid aortic valve: a review with recommendations for genetic counseling. J Genet Couns  25(6):1171–1178, 2016.

  3. 3. van der Linde D, Konings EEM, Slager MA, et al: Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis.  J Am Coll Cardiol 58(21):2241–2247, 2011. doi: 10.1016/j.jacc.2011.08.025

  4. 4. Daubeney PEF, Rigby ML, Niwa K, Gatzoulis MA (eds): Pediatric Heart Disease: A Practical Guide. Wiley-Blackwell 2012.

Etiologia das cardiopatias congênitas

Fatores ambientais e genéticos contribuem para o desenvolvimento da cardiopatia congênita.

Os fatores ambientais comuns incluem doença materna (p. ex., diabetes, rubeola, lúpus eritematoso sistêmico) ou ingestão materna de agentes teratogênicos (p. ex., lítio, isotretinoína, anticonvulsivantes). A idade materna é um fator de risco conhecido para certas doenças genéticas, sobretudo síndrome de Down, que podem incluir cardiopatias. Não está claro se a idade materna é um fator de risco independente para cardiopatias congênitas. A idade paterna também pode ser um fator de risco (1).

Certas anormalidades cromossômicas numéricas (aneuploidias), como a trissomia do 21 (síndrome de Down), trissomia do 18, trissomia do 13 e monossomia do X (síndrome de Turner) estão fortemente associadas a cardiopatias congênitas. No entanto, essas anomalias representam apenas de 5 a 6% dos pacientes com cardiopatias congênitas.

Muitos outros casos envolvem deleções subcromossômicas (microdeleções), duplicações subcromossômicas ou mutações em um único gene. Muitas vezes, essas mutações causam síndromes congênitas que afetam vários órgãos além do coração. Exemplos incluem a síndrome de DiGeorge (microdeleção em 22q11.2) e a síndrome de Williams (às vezes conhecida como Williams-Beuren) (microdeleção em 7p11.23). Defeitos de um único gene que causam síndromes associadas às cardiopatias congênitas incluem mutações na fibrilina-1 (síndrome de Marfan), TXB5 (síndrome de Holt-Oram) e PTPN11 (síndrome de Noonan). Defeitos de um único gene também pode causar defeitos cardíacos congênitos isolados (isto é, não sindrômicos).

Nenhuma etiologia genética identificável é detectada em cerca de 72% dos pacientes com doença cardíaca congênita (2, 3, 4).

O risco de recorrência da cardiopatia congênita em uma família varia com base na causa. O risco é desprezível em mutações de novo, 2 a 5% na doenças cardíacas congênitas multifatorial não sindrômica, e 50% quando uma mutação autossômica dominante é a causa. A identificação de uma valva aórtica bivalvular em um indivíduo merece triagem familiar em vista da prevalência familiar notificada de 9% (5). É importante identificar os fatores genéticos porque mais pacientes com cardiopatias congênitas estão sobrevivendo até a idade adulta e potencialmente estabelecendo famílias.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Materna-Kiryluk A, Wiśniewska K, Badura-Stronka M, et al: Parental age as a risk factor for isolated congenital malformations in a Polish population. Paediatr Perinat Epidemiol 23(1):29-40, 2009. doi: 10.1111/j.1365-3016. 2008.00979.x

  2. 2. Russell MW, Chung WK, Kaltman JR, Miller TA: Advances in the understanding of the genetic determinants of congenital heart disease and their impact on clinical outcomes. J Am Heart Assoc 7(6):e006906, 2018. doi:10.1161/JAHA.117.006906

  3. 3. van der Linde D, Konings EEM, Slager MA, et al: Birth prevalence of congenital heart disease worldwide: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol  58(21):2241–2247, 2011. doi: 10.1016/j.jacc.2011.08.025

  4. 4. Pierpont ME, Brueckner M, Chung WK, et al: Genetic Basis for Congenital Heart Disease: Revisited: A Scientific Statement From the American Heart Association [published correction appears in Circulation 2018 Nov 20;138(21):e713]. Circulation 138(21):e653–e711, 2018. doi:10.1161/CIR.0000000000000606

  5. 5. Freeze SL, Landis BJ, Ware SM, Helm BM: Bicuspid aortic valve: a review with recommendations for genetic counseling. J Genet Couns 25(6):1171–1178, 2016.

Circulação fetal normal

A circulação fetal é marcada por

  • Derivação de sangue da direita para a esquerda ao redor de pulmões não ventilados através do canal arterial persistente (conectando artéria pulmonar e aorta) e forame oval (conectando átrios direito e esquerdo)

A derivação é estimulada pela elevada resistência das arteríolas pulmonares e pela relativa baixa resistência ao fluxo sanguíneo na circulação sistêmica (incluindo a placenta). Cerca de 90 a 95% do rendimento do coração direito passa ao largo dos pulmões e vai direto para a circulação sistêmica. O canal arterial fetal permanece aberto por causa da baixa PaO2 sistêmica (cerca de 25 mmHg), juntamente com as prostaglandinas produzidas no local. O forame oval é mantido aberto pelas diferenças das pressões atriais: a pressão no átrio esquerdo é relativamente baixa porque pouco sangue retorna dos pulmões, mas a pressão no átrio direito é relativamente elevada porque grande volume de sangue retorna da placenta.

Circulação normal no feto

No feto, o sangue que entra no lado direito do coração já foi oxigenado pela placenta. Como os pulmões não são ventilados, apenas uma pequena quantidade de sangue precisa passar pela artéria pulmonar. A maior parte do sangue do lado direito do coração contorna os pulmões através do

  • Forame oval

  • Canal arterial

Normalmente, essas duas estruturas se fecham logo após o nascimento.

Alterações perinatais

Ocorrem alterações profundas após algumas poucas respirações, resultando em

  • Fluxo sanguíneo pulmonar aumentado

  • Fechamento funcional do forame oval

A resistência das arteríolas pulmonares cai agudamente como resultado da vasodilatação causada por expansão pulmonar, aumento da PaO2 e redução da PaCO2. A tensão elástica dos arcos costais e da parede torácica diminui a pressão intersticial pulmonar, levando ao aumento do fluxo sanguíneo através dos capilares pulmonares. O aumento do retorno venoso dos pulmões eleva a pressão do átrio esquerdo, reduzindo assim o diferencial da pressão entre átrio esquerdo e direito; esse efeito contribui para o fechamento funcional do forame oval.

Uma vez estabelecido o fluxo pulmonar, aumenta o retorno venoso dos pulmões, elevando a pressão no átrio esquerdo. A respiração aumenta a PaO2, que comprime as artérias umbilicais. O fluxo sanguíneo placentário é reduzido ou cessa, reduzindo o retorno sanguíneo para o átrio direito. Portanto, a pressão atrial direita diminui e a pressão do átrio esquerdo aumenta; como resultado, os 2 componentes fetais do septo interatrial (septo primeiro e septo segundo) se fecham, interrompendo o fluxo através do forame oval. Na maioria das pessoas, os 2 septos com o tempo se fundem e o forame oval deixa de existir. No entanto, em 25% dos adultos, o forame oval pode permanecer patente, com desvio mínimo ou nenhum shunt residual (1).

Logo após o nascimento, ocorre um quadro inverso ao fetal, ou seja, a resistência sistêmica torna-se maior do que a pulmonar. Portanto, a direção do fluxo sanguíneo torna-se invertida no canal arterial persistente, criando uma derivação do sangue da esquerda para a direita (chamada de circulação transicional). Esse estado dura do momento do nascimento (quando o fluxo sanguíneo pulmonar aumenta e ocorre a oclusão funcional do forame oval) até cerca de 24 a 72 horas de vida, quando então o canal arterial se contrai. O sangue que entra no ducto e nos vasa vasorum da aorta tem elevada PO2, o que, ao lado das alterações metabólicas das prostaglandinas, ocasiona a contração e o fechamento do canal arterial. Uma vez fechado esse ducto, começa a circulação do tipo adulto. Nesse momento, os 2 ventrículos bombeiam em série e não há maiores derivações entre as circulações pulmonar e sistêmica.

Durante os dias logo após o nascimento, o recém-nascido sob estresse pode reverter a circulação para o tipo fetal. Asfixia com hipóxia e hipercapnia provocam contração das arteríolas pulmonares e o canal arterial se dilata, revertendo o processo descrito anteriormente, resultando no derivação da direita para a esquerda através do canal arterial agora patente, do forame oval reaberto ou de ambos. Consequentemente, o recém-nascido torna-se gravemente hipoxêmico, uma doença conhecida como hipertensão pulmonar persistente ou circulação fetal persistente (embora não haja circulação umbilical). O tratamento tem por objetivo reverter as condições que provocam vasoconstrição pulmonar.

Referência sobre circulação fetal normal

  1. 1. Koutroulou I, Tsivgoulis G, Tsalikakis D, et al: Epidemiology of Patent Foramen Ovale in General Population and in Stroke Patients: A Narrative Review. Front Neurol 11:281, 2020. Publicado em 28 de abril de 2020. doi:10.3389/fneur.2020.00281

Fisiopatologia das anomalias cardíacas congênitas

As anomalias cardíacas congênitas são classificadas (ver tabela Classificação das anomalias cardíacas congênitas) como

  • Cianótica

  • Acianóticas (derivações da esquerda para a direita ou lesões obstrutivas)

As consequências fisiológicas das cardiopatias congênitas variam significativamente, envolvendo desde sopro assintomático ou discrepância entre pulsos até cianose grave e insuficiência cardíaca ou colapso circulatório.

Tabela

Anomalias cardíacas cianóticas

  • Quantidades variadas de sangue venoso desoxigenado são derivadas do coração esquerdo (derivação da direita para a esquerda), reduzindo a saturação de oxigênio arterial sistêmico.

A cianose aparece quando a hemoglobina (Hb) desoxigenada é > 5 g/dL (> 50 g/L). As complicações da cianose persistente incluem policitemia, baqueteamento dos dedos, tromboembolia (incluindo infarto), distúrbios hemorrágicos, abscesso cerebral e hiperuricemia. Na tetralogia de Fallot não corrigida, o lactente pode apresentar crises hipercianóticas ou outros defeitos congênitos complexos com estenose subpulmonar dinâmica e defeito ventricular.

Dependendo da anomalia, o fluxo sanguíneo pulmonar pode estar reduzido, normal ou elevado (muitas vezes resultando em insuficiência cardíaca, além de cianose), manifestando-se com cianose de gravidade variável. Os sopros são audíveis, variáveis e não específicos.

Derivações da esquerda para a direita

  • São as derivações do sangue oxigenado, do coração esquerdo (átrio esquerdo ou ventrículo esquerdo) ou da aorta, para o coração direito (átrio direito ou ventrículo direito) ou para a artéria pulmonar, através de uma abertura ou comunicação entre os 2 lados.

Logo após o nascimento, a resistência vascular pulmonar é elevada e o fluxo através dessa comunicação pode ser mínimo ou bidirecional. Nas primeiras 24 a 48 horas de vida, porém, a resistência vascular pulmonar cai progressivamente quando o sangue flui cada vez mais da esquerda para a direita. O fluxo de sangue adicional do lado direito aumenta o fluxo sanguíneo pulmonar e a pressão da artéria pulmonar para variados graus. Quanto maior o aumento, mais graves são os sintomas; geralmente uma pequena derivacão da esquerda para a direita não causa sinais ou sintomas.

As derivações de alta pressão (aquelas no nível ventricular ou das grandes artérias) tornam-se evidentes vários dias a algumas semanas após o nascimento; as derivações de baixa pressão (defeitos do septo atrial) tornam-se evidentes muito mais tarde. Se não tratada, fluxo sanguíneo pulmonar e pressão arterial pulmonar elevados pode levar à doença vascular pulmonar e, com o tempo, à síndrome de Eisenmenger. Grande derivação da esquerda para a direita [p. ex., grande defeito do septo ventricular (DSV) e persistência do canal arterial (PCA)] causam fluxo sanguíneo pulmonar excessivo e sobrecarga de volume, que podem provocar sinais de insuficiência cardíaca e, durante a infância, muitas vezes resultam em má evolução ponderal. Grande derivação da esquerda para a direita também leva à menor complacência pulmonar e resistência maior nas vias respiratórias. Esses fatores aumentam a probabilidade de hospitalização em lactentes com vírus sincicial respiratório ou outras infecções do trato respiratório superior ou inferior.

Lesões obstrutivas

  • O fluxo sanguíneo é obstruído, provocando gradiente pressórico através da obstrução.

O resultado é sobrecarga de pressão proximal à obstrução, que pode causar hipertrofia ventricular e insuficiência cardíaca. A manifestação mais óbvia é sopro cardíaco, resultado da turbulência provocada pelo fluxo através do ponto obstruído (estenótico). Exemplos são estenose aórtica congênita, que corresponde por 3 a 6% das cardiopatias congênitas, e a estenose pulmonar congênita, que corresponde por 8 a 12% (1, 2).

Insuficiência cardíaca

Algumas cardiopatias congênitas (p. ex., valva aórtica bicúspide, estenose aórtica leve) não alteram a hemodinâmica de modo significativo. Outras anomalias causam sobrecarga pressórica ou de volume, às vezes acarretando insuficiência cardíaca. A insuficiência cardíaca ocorre quando o débito cardíaco é insuficiente para suprir as necessidades metabólicas do organismo ou quando o coração não consegue tratar o retorno venoso de forma adequada, causando congestão pulmonar (na insuficiência ventricular esquerda), edema primário em tecidos e vísceras abdominais dependentes (na insuficiência ventricular direita), ou ambos. Insuficiência cardíaca em lactentes e crianças tem muitas outras causas, além das cardiopatias congênitas (ver tabela Causas comuns da insuficiência cardíaca em crianças).

Tabela

Cardiopatias congênitas dependentes de ducto

O canal arterial é uma conexão normal entre a artéria pulmonar e a aorta necessária para a circulação fetal apropriada. Ao nascimento, a elevação da PaO2 e o declínio na concentração da prostaglandina causam o fechamento do canal arterial quase sempre nas primeiras 10 a 15 horas de vida.

Algumas cardiopatias congênitas dependem de o ducto permanecer aberto para manter o fluxo sanguíneo sistêmico (p. ex., síndrome do coração esquerdo hipoplásico, estenose aórtica grave, coarctação da aorta) ou fluxo sanguíneo pulmonar (lesões cianóticas como atresia pulmonar ou na tetralogia de Fallot grave). Manter o ducto arterial aberto com infusão de prostaglandina exógena é, portanto, vital nesses distúrbios antes do reparo definitivo (geralmente cirurgia).

Referências sobre fisiopatologia

  1. 1. Daubeney PEF, Rigby ML, Niwa K, Gatzoulis MA (eds): Pediatric Heart Disease: A Practical Guide. Wiley-Blackwell 2012.

  2. 2. Hoffman JI, Kaplan S: The incidence of congenital heart disease. J Am Coll Cardiol 39(12):1890-1900, 2002. doi:10.1016/s0735-1097(02)01886-7

Sinais e sintomas de cardiopatia congênita

As manifestações das cardiopatias congênitas variam, mas geralmente incluem

  • Sopros

  • Cianose

  • Insuficiência cardíaca

  • Pulsos diminuídos ou não palpáveis

Outras anormalidades no exame físico podem incluir choque circulatório, má perfusão, 2ª bulha cardíaca anormal (B2 — única ou amplamente dividida), clique sistólico, galope ou ritmo anormalmente lento, rápido ou irregular.

Sopros

A maioria das derivações da esquerda para a direita e das lesões obstrutivas produz sopro sistólico. Sopros sistólicos e frêmitos são mais audíveis na superfície mais próxima ao seu ponto de origem, ajudando a diagnosticar a localização. A elevação do fluxo através da valva pulmonar ou aórtica produz sopro mesossistólico crescendo-decrescendo (ejeção sistólica). Fluxo regurgitante na valva atrioventricular ou o fluxo através de defeito do septo ventricular muscular causa sopro holossistólico (pansistólico) que encobre o primeiro som do coração (S1) à medida que sua intensidade aumenta.

A persistência do canal arterial geralmente produz sopro contínuo que não é interrompido pela B2 porque o sangue flui através dos ductos durante a sístole e a diástole. Esse sopro é bitonal, com o som mais pronunciado durante a sístole (ao passar por pressão mais elevada) do que durante a diástole.

Cianose

A cianose central é caracterizada pela pigmentação azulada dos lábios e língua e/ou leito ungueal; ela ocorre quando há aumento da hemoglobina desoxigenada (pelo menos 5 g/dL [50 g/L]) e implica em baixo nível de oxigênio (normalmente saturação de oxigênio < 85%). Cianose perioral e acrocianose (cianose das mãos e dos pés) sem cianose dos lábios ou leito ungueal são causadas por vasoconstrição periférica, em vez de hipoxemia e são um achado comum e normal em recém-nascidos. Crianças mais velhas com cianose de longa duração muitas vezes desenvolvem baqueteamento dos leitos ungueais.

Insuficiência cardíaca

Nos lactentes, sinais ou sintomas de insuficiência cardíaca incluem

  • Taquicardia

  • Taquipneia

  • Dispneia durante a alimentação

  • Diaforese, especialmente durante a alimentação

  • Agitação, irritabilidade

  • Hepatomegalia

  • Má evolução ponderal

A dispneia durante a alimentação provoca ingestão inadequada e deficit de crescimento, que podem piorar com a maior demanda metabólica na insuficiência cardíaca e infecções frequentes do trato respiratório. Em comparação com adultos e crianças maiores, a maioria dos lactentes não tem veias cervicais dilatadas e edema; entretanto, ocasionalmente eles podem apresentar edema na região periorbital. A hepatomegalia é uma característica particularmente proeminente da insuficiência cardíaca em lactentes por causa da distensibilidade da cápsula hepática nessa idade. O quadro das crianças maiores com insuficiência cardíaca é semelhante ao dos adultos.

Outras manifestações das cardiopatias

Nos neonatos, o choque circulatório pode ser a primeira manifestação de certas anomalias (p. ex., síndrome do coração esquerdo hipoplásico, estenose extrema da aorta, arco aórtico interrompido, coarctação da aorta). Os neonatos têm aparência extremamente enferma com membranas de mucosa pálidas ou cianóticas, extremidades frias, pulsos fracos, baixa pressão arterial e resposta reduzida aos estímulos.

A dor torácica em crianças geralmente é de origem não cardíaca. Em lactentes, a dor torácica pode se manifestar com irritabilidade acentuada inexplicável, especialmente durante ou após a amamentação, e pode ser causada por origem anômala da artéria coronária esquerda da artéria pulmonar. Em crianças maiores e adolescentes, a dor torácica de etiologia cardíaca está quase sempre associada ao esforço e pode ser causada por uma anomalia coronariana, uma pericardite, miocardite, miocardiopatia hipertrófica, ou uma estenose aórtica grave.

Síncope, normalmente sem sintomas de alerta e muitas vezes em associação a esforços, pode ocorrer com certas anomalias, incluindo cardiomiopatia (hipertrófica ou dilatada), origem anômala de uma artéria coronária ou síndromes congênitas de arritmia [p. ex., síndrome do QT longo, taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC), síndrome de Brugada]. Atletas em idade colegial são mais comumente afetados.

Diagnóstico das cardiopatias congênitas

  • Triagem por oximetria de pulso

  • Exame físico cardíaco

  • Radiografia de tórax e ECG

  • Ecocardiografia

  • Ocasionalmente, angiografia cardíaca com ressonância magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC), cateterismo cardíaco com angiocardiografia

Quando presentes, sopros cardíacos, cianose, pulsos anormais ou manifestações de insuficiência cardíaca sugerem cardiopatia congênita. Em neonatos com esses achados, realiza-se uma ecocardiografia para confirmar o diagnóstico da cardiopatia congênita. Se a única anormalidade é a cianose, também deve-se descartar metemoglobinemia.

Embora a ecocardiografia tipicamente seja diagnóstica, em casos selecionados, angiografia cardíaca por RM ou TC pode esclarecer detalhes anatômicos importantes. Cateterismo cardíaco com angiocardiografia é ocasionalmente necessário para confirmar o diagnóstico ou avaliar a gravidade da anomalia; no entanto, geralmente é feito apenas para fins terapêuticos.

Triagem neonatal para cardiopatia congênita

Manifestações da cardiopatia congênita podem ser sutis ou ausentes em recém-nascidos, e falha ou atraso para detectar uma cardiopatia congênita grave, particularmente em 10 a 15% dos recém-nascidos que requerem tratamento médico cirúrgico ou internação nas primeiras horas de vida, pode levar à mortalidade ou morbidade neonatal significativa. Assim, recomenda-se triagem universal para cardiopatia congênita grave utilizando oximetria de pulso para todos os neonatos antes da alta hospitalar (1). A triagem é feita quando os recém-nascidos têm ≥ 24 horas de idade e é considerada positiva se ≥ 1 dos seguintes está presente:

  • Qualquer medição da saturação de oxigênio é < 90%.

  • As medições da saturação de oxigênio da mão direita e do pé direito são < 95% em 3 medições separadas feitas em intervalos de 1 hora.

  • Há > 3% de diferença absoluta entre a saturação de oxigênio na mão direita (pré-ductal) e no pé direito (pós-ductal) em 3 medições separadas e pareadas feitas em intervalos de 1 hora.

Todos os recém-nascidos com resultado de triagem positivo devem passar por avaliação abrangente à procura de cardiopatias congênitas e outras causas de hipoxemia (p. ex., várias doenças respiratórias, depressão do sistema nervoso central, sepse), tipicamente incluindo radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiografia e, muitas vezes, exame de sangue. A sensibilidade da triagem por oximetria de pulso é ligeiramente > 75%; as lesões por cardiopatias congênitas que mais frequentemente passam despercebidas são as lesões cardíacas obstrutivas esquerdas (p. ex., coarctação da aorta).

Referência sobre triagem neonatal

  1. 1. Martin GR, Ewer AK, Gaviglio A, et al: Updated Strategies for Pulse Oximetry Screening for Critical Congenital Heart Disease. Pediatrics 146(1):e20191650, 2020. doi:10.1542/peds.2019-1650

Tratamento da cardiopatia congênita

  • Estabilização clínica da insuficiência cardíaca (p. ex., com diuréticos, inibidores da ECA, betabloqueadores, digoxina, espironolactona, restrição de sal e, em casos selecionados, suplementação de oxigênio ou prostaglandina E1)

  • Reparação cirúrgica ou intervenção transcatéter

O tratamento da insuficiência cardíaca varia muito e depende da etiologia. A terapia definitiva geralmente requer a correção do problema de base.

Após a estabilização clínica dos sintomas da insuficiência cardíaca graves ou cianose, a maioria das crianças exige reparação cirúrgica ou transcateterismo; as exceções são certos defeitos do septo ventricular com probabilidade de se tornarem menores ou fechar com o tempo ou disfunção valvar leve. Procedimentos transcateterismo incluem

Insuficiência cardíaca em neonatos

Insuficiência cardíaca grave ou cianose na primeira semana de vida é emergência médica. Deve-se assegurar acesso vascular seguro, preferentemente pelo catéter na veia umbilical.

Quando há suspeita ou confirmação de doença cardíaca congênita grave, deve-se administrar infusão IV de prostaglandina E1 a 0,05 a 0,1 mcg/kg/min. Manter o ducto aberto é importante porque a maioria das manifestações das lesões cardíacas nessa idade são dependentes do ducto, seja para o fluxo sanguíneo sistêmico (p. ex., síndrome do coração esquerdo hipoplásico, estenose aórtica crítica, coarctação da aorta) ou pelo fluxo sanguíneo pulmonar (lesões cianóticas como na estenose pulmonar crítica, na atresia pulmonar ou na tetralogia de Fallot grave).

A ventilação mecânica é frequentemente necessária para neonatos gravemente enfermos. Deve-se administrar oxigênio suplementar criteriosamente ou mesmo não fazê-lo porque a suplementação de oxigênio pode diminuir a resistência vascular pulmonar, que é danoso para lactentes com certas cardiopatias (p. ex., síndrome do coração esquerdo hipoplásico).

Outras terapias para insuficiência cardíaca neonatal incluem fármacos inotrópicos, diuréticos e fármacos para reduzir a pós-carga. Os diuréticos furosemida são administrados na dose de 1 mg/kg intravenoso (IV) (bolus) com titulação baseada na diurese. Infusões de dopamina ou dobutamina inotrópicas podem dar suporte à pressão arterial, mas têm a desvantagem de aumentar a frequência cardíaca e a pós-carga, aumentando assim o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Não são utilizados com frequência em recém-nascidos com cardiopatia congênita. A milrinona, frequentemente utilizada no pós-operatório de pacientes com cardiopatia congênita, é tanto um inotrópico positivo como um vasodilatador. Dopamina, dobutamina e milrinona podem aumentar o risco de arritmias. Nitroprussiato, um vasodilatador puro, pode ser utilizado para hipertensão pós-operatória. Inicia-se com 0,3 a 0,5 mcg/kg/min, titulando para o efeito desejado (dose de manutenção usual é cerca de 3 mcg/kg/min).

Insuficiência cardíaca em lactentes e crianças

As terapias costumam incluir um diurético (p. ex., furosemida 0,5 a 1 mg/kg IV ou 1 a 3 mg/kg por via oral a cada 8 a 24 horas, escalonada para mais, se necessário), inibidor da ECA (p. ex., captopril 0,1 a 0,3 mg/kg por via oral 3 vezes ao dia). Diurético poupador de potássio (p. ex., espironolactona 1 mg/kg por via oral uma ou duas vezes ao dia, ou até 2 mg/kg/dose, se necessário) pode ser útil, particularmente se doses altas de furosemida forem necessárias. Betabloqueadores (p. ex., carvedilol, metoprolol) são muitas vezes acrescentados para crianças com insuficiência cardíaca congestiva crônica. Novos medicamentos utilizados em adultos para insuficiência cardíaca, como sacubitril/valsartan e inibidores do cotransportador de sódio-glicose-2 (SGLT-2), podem ser úteis, mas os dados relativos ao seu uso na população pediátrica são limitados (1).

Digoxina é utilizada com menos frequência do que anteriormente, mas ainda pode ser utilizada em crianças com insuficiência cardíaca que têm grandes derivações esquerda-direita, no pós-operatório de certos pacientes com cardiopatia congênita (a dose varia de acordo com a idade; ver tabela Dosagem de digoxina oral em crianças). Notadamente, a digoxina mostrou reduzir a mortalidade em pacientes com ventrículo único após o procedimento de Norwood e antes do segundo tempo da cirurgia (2). O uso da digoxina como um fármaco de primeira linha no tratamento da taquicardia supraventricular neonatal diminuiu porque resulta em maior mortalidade do que o tratamento com propranolol (3). Entretanto, se a síndrome de Wolff-Parkinson-White não está presente, pode ser útil como agente primário se o propranolol for ineficaz ou como um segundo agente combinado com propranolol ou outros fármacos antiarrítmicos.

Tabela

A suplementação de oxigênio pode diminuir a hipoxemia e aliviar a dificuldade respiratória na insuficiência cardíaca; quando possível, a fração inspirada de oxigênio (FiO2) deve ser mantida < 40% para minimizar o risco de dano epitelial pulmonar. Deve-se utilizar a suplementação de oxigênio com cautela, se absolutamente necessária, em pacientes com lesões de derivação da esquerda para a direita ou doença cardíaca obstrutiva esquerda porque pode exacerbar a circulação pulmonar excessiva.

Em geral, recomenda-se uma dieta saudável, incluindo restrição de sal, embora as modificações dietéticas possam depender da doença e das manifestações específicas. A insuficiência cardíaca aumenta as demandas metabólicas e a dispneia associada dificulta a alimentação. Em crianças com doença cardíaca congênita crítica, particularmente aquelas com lesões obstrutivas do coração esquerdo, a alimentação poderá ser mantida para minimizar o risco de enterocolite necrosante. Em lactentes com insuficiência cardíaca decorrente de lesões por derivações da esquerda para a direita, recomenda-se o aumento do teor calórico nas refeições; essas refeições elevam o suprimento calórico com menos risco de sobrecarga de volume. Algumas crianças exigem alimentação por sonda para manter o crescimento. Se essas medidas não resultarem em aumento de peso, está indicada a correção cirúrgica da anomalia.

Profilaxia da endocardite

As diretrizes da American Heart Association para a prevenção da endocardite (4) afirmam que a profilaxia com antibióticos é necessária para crianças com cardiopatia congênita que têm os seguintes:

  • Cardiopatia congênita cianótica não reparada (incluindo crianças com derivações paliativas)

  • Cardiopatia congênita completamente reparada durante os primeiros 6 meses após a cirurgia, se foi utilizado dispositivo ou material protético

  • Cardiopatia congênita reparada com defeitos residuais adjacentes ao local da via protética ou dispositivo protético

  • Valva mecânica ou bioprostética

  • Episódio prévio de endocardite

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Loss KL, Shaddy RE, Kantor PF: Recent and Upcoming Drug Therapies for Pediatric Heart Failure. Front Pediatr 9:681224, 2021. Publicado em 11 de novembro de 2021. doi:10.3389/fped.2021.681224

  2. 2.  Oster ME, Kelleman M, McCracken C, et al: Association of digoxin with interstage mortality: Results from the Pediatric Heart Network Single Ventricle Reconstruction Trial Public Use Dataset. J Am Heart Assoc 5(1): e002566., 2016.

  3. 3. Bolin EH, Lang SM, Tang X, et al: Propranolol versus digoxin in the neonate for supraventricular tachycardia (from the Pediatric Health Information System). Am J Cardiol 119(10): 1605–1610, 2017.

  4. 4. Baltimore RS, Gewitz M, Baddour LM, et al: Infective Endocarditis in Childhood: 2015 Update: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation 132(15):1487–1515, 2015. doi:10.1161/CIR.0000000000000298

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. American Heart Association: Common Heart Defects: fornece uma visão geral de defeitos cardíacos congênitos comuns para pais e cuidadores

  2. American Heart Association: Infective Endocarditis: fornece uma visão geral da endocardite infecciosa, incluindo o uso profilático de antibióticos, para pacientes e cuidadores

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