(Ver também Princípios gerais da intoxicação.)
Muitas preparações de livre comércio comumente usadas contêm ferro. Dentre as prescritas, as mais comuns são
Para crianças, as drágeas de ferro podem se assemelhar a balas. Em boa parte das ingestões letais entre as crianças, multivitaminas de uso pré-natal são a fonte de ferro. Geralmente, multivitaminas mastigáveis com ferro para crianças têm pequenas quantidades, de modo que raramente ocorrem intoxicações.
Fisiopatologia
O ferro é tóxico para os sistemas gastrintestinal, cardiovascular e nervoso central. Mecanismos específicos não são evidentes, mas o excesso de ferro livre é inserido em processos enzimáticos, interferindo na fosforilação oxidativa e causando acidose metabólica. O ferro também catalisa a formação de radicais livres, age como oxidante e, quando a ligação à proteína plasmática está saturada, combina-se com água, formando hidróxido férrico e íons H+ livres e compondo a acidose metabólica. Surge coagulopatia precocemente devido à interferência na cascata da coagulação e tardiamente devido ao dano hepático.
A toxicidade depende da quantidade de ferro puro ingerida. Até 20 mg/kg de ferro puro não é tóxico; 20 a 60 mg/kg, leve a moderadamente tóxico e > 60 mg/kg pode causar graves sintomas e morbidades.
Sinais e sintomas
Os sintomas da intoxicação por ferro ocorrem em 5 estágios ( Estágios da intoxicação por ferro); entretanto, os sintomas e sua progressão variam significantemente. Em geral, a gravidade dos sintomas do estágio 1 reflete a total gravidade da intoxicação; os sintomas do estágio tardio se desenvolvem somente se o estágio 1 for moderado a grave. Se não se desenvolverem sintomas nas primeiras 6 h após a ingestão, o risco de grave toxicidade é mínimo. Se houver choque e coma nas primeiras 6 h, a taxa de mortalidade é e cerca de 10%.
Estágios da intoxicação por ferro
Diagnóstico
A intoxicação por ferro deve ser pensada como ingestão mista (por que o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastrenterite hemorrágica grave. Deve-se avaliar crianças que frequentemente convivem com irmãos, amigos e crianças pequenas que ingeriram ferro.
Recomenda-se radiografia abdominal para confirmar a suspeita, pois detecta drágeas ou concreções de ferro, porém não identifica drágeas dissolvidas ou mastigadas, preparações de ferro líquido e em multivitaminas. Dosam-se ferro sérico, eletrólitos e pH em 3 a 4 h após a ingestão. A toxicidade é confirmada se a ingestão for acompanhada por:
Estes níveis de ferro podem indicar toxicidade; contudo, isoladamente, não prognosticam toxicidade com precisão. A capacidade total de ligação do ferro é frequentemente imprecisa e não auxilia a diagnosticar intoxicações graves, não sendo recomendável. A abordagem mais fiel é mensurar seriadamente os níveis de ferro, HCO3 e pH (com cálculo da diferença de ânions); estes achados são avaliados em conjunto e os resultados são correlacionados com o estado clínico do paciente. Por exemplo, a toxicidade é sugerida por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica, piora dos sintomas ou, mais tipicamente, combinações destes achados.
Tratamento
Havendo ferro visível a radiografias abdominais, procede-se irrigação de todo intestino com polietilenoglicol, 1 a 2 l/h, em adultos, ou 25 a 40 mL/kg/h, em crianças; o procedimento é realizado até quando forem encontradas drágeas radiopacas a radiografia abdominal. A administração por sonda nasogástrica pode ser necessária para fornecer esses grandes volumes e deve-se proteger as vias respiratórias; pode ser necessário proceder à entubação orotraqueal (ver Entubação traqueal). Em geral, a lavagem gástrica não é de muito auxílio, pois os vômitos tendem a esvaziar o estômago mais eficazmente. O carvão ativado não absorve o ferro e deve ser usado somente se outras toxinas também foram ingeridas.
Todos os pacientes com mais que uma leve gastrenterite são hospitalizados. Quando há grave toxicidade (acidose metabólica, choque, grave gastrenterite ou nível sérico de ferro > 500 μg/dL), eles são tratados com deferoxamina IV para quelar o ferro sérico livre. Deferoxamina é infundida em doses acima de 15 mg/kg/h IV tituladas até que ocorra hipotensão. Pelo fato da deferoxamina e da intoxicação por ferro diminuírem a pressão arterial, os pacientes sob este tratamento devem ser hidratados.
Pontos-chave
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Toxidade do ferro, como algumas outras hepatotoxinas, pode causar gastrenterite aguda seguida por uma fase quiescente e, depois, choque e insuficiência hepática.
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Suspeitar de intoxicação por ferro em ingestões mistas (porque o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastrenterite hemorrágica grave.
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Suspeitar que a toxicidade é grave por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica, piora dos sintomas ou combinações desses achados.
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Fazer irrigação intestinal até a radiografia abdominal mostrar ausência de produtos de ferro radiopacos.
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Administrar deferoxamina IV para tratar intoxicação grave (p. ex., acidose metabólica, choque, gastroenterite grave, nível sérico de ferro > 500 μg/dL).