As plaquetas são fragmentos de células que funcionam no sistema de coagulação. A trombopoietina ajuda a controlar o número de plaquetas circulantes estimulando a medula óssea a produzir megacariócitos que, por sua vez, liberam plaquetas de seu citoplasma. A trombopoietina é produzida no fígado em uma velocidade constante e seu nível na circulação é determinado pela extensão da eliminação das plaquetas circulantes e, possivelmente, pelos megacariócitos na medula óssea. As plaquetas circulam por 7 a 10 dias. Cerca de um terço das plaquetas é sempre sequestrado transitoriamente pelo baço.
A contagem de plaquetas é, em geral, 140.000 a 440.000/mcL. No entanto, a contagem pode variar levemente de acordo com a fase do ciclo menstrual, podendo reduzir durante a gestação (trombocitopenia gestacional) e aumentar em resposta às citocinas inflamatórias (trombocitose secundária ou reativa). Com o tempo, as plaquetas são destruídas pela apoptose, um processo independente do baço.
Distúrbios das plaquetas incluem
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Aumento anormal nas plaquetas (trombocitemia e trombocitose reativa)
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Diminuição nas plaquetas (trombocitopenia)
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Disfunção plaquetária
Qualquer dessas condições, mesmo com aumento de plaquetas, pode causar formação defeituosa dos tampões hemostáticos e sangramento.
O risco de sangramento é inversamente proporcional à contagem e à função das plaquetas (ver tabela Contagem de plaquetas e risco de sangramento). Quando a função plaquetária é comprometida (p. ex., como resultado da uremia ou do uso de aspirina), o risco de sangramento aumenta.
Contagem de plaquetas e risco de sangramento
Etiologia
Trombocitemia e trombocitose
A trombocitemia essencial é uma neoplasia mieloproliferativa (anteriormente doença mieloproliferativa) que envolve a produção excessiva de plaquetas decorrente da anomalia clonal de uma célula-tronco hematopoiética. Não há correlação entre a contagem de plaquetas e o risco de trombose, mas alguns pacientes com trombocitose extrema (i. e., > 1.000.000/mcL) desenvolvem sangramento por causa da perda dos multímeros de fator de von Willebrand de alto peso molecular.
A trombocitose reativa é a produção exacerbada de plaquetas em resposta a outra doença. Existem muitas causas, como infecções agudas, doenças inflamatórias (p. ex.,artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal, tuberculose e sarcoidose), deficiência de ferro e certas neoplasias. A trombocitose reativa normalmente não está associada a maior risco de trombose ou sangramento.
Trombocitopenia
Pode-se classificar as causas da trombocitopenia por mecanismo (ver tabela Classificação da trombocitemia) e incluem
Classificação da trombocitopenia
Causa |
Condições |
Megacariócitos diminuídos ou ausentes na medula |
Fármacos mielossupressores (p. ex., hidroxiureia, interferon alfa-2b, fármacos quimioterápicos) Hemoglobinúria paroxística noturna (alguns pacientes) |
Produção reduzida de plaquetas apesar da presença de megacariócitos na medula |
Trombocitopenia induzida por álcool Uso de bortezomibe Síndromes mielodisplásicas (algumas) |
Sequestro de plaquetas no baço aumentado |
Cirrose com esplenomegalia congestiva Mielofibrose com metaplasia mieloide |
Destruição imunológicias |
Doenças do tecido conjuntivo Trombocitopenia associada ao HIV Doenças linfoproliferativas Trombocitopenia neonatal aloimune Púrpura pós-transfusão Sarcoidose |
Destruição não imunológicia |
Certas infecções sistêmicas (p. ex., hepatite, mononucleose infecciosa, infecção por citomegalovírus ou dengue) Gestação (trombocitopenia gestacional) Trombocitopenia na síndrome do desconforto respiratório agudo |
Diluição |
Substituição maciça dos eritrócitos ou transfusão (a maioria das transfusões de hemácias utiliza eritrócitos armazenados sem muitas plaquetas viáveis) |
Grande número de fármacos pode provocar trombocitopenia, tipicamente por ter ativado a destruição imunológicia.
No geral, as causas específicas mais comuns de trombocitopenia incluem
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Gestação (trombocitopenia gestacional)
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Fármacos que causam a destruição de plaquetas por mediação imunitária [comumente heparina, sulfametoxazol/trimetoprima, raramente quinina (coquetel purpura)]
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Fármacos que causam mielossupressão dependente de dose (p. ex., quimioterápicos e etanol)
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Infecção sistêmica
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Doenças imunitárias [p. ex., trombocitopenia imunitária (TPI)]
Disfunção plaquetária
Pode surgir de defeito intrínseco das plaquetas ou de fator extrínseco que altera a função plaquetária normal. A disfunção pode ser hereditária ou adquirida. As doenças hereditários da função plaquetária são a doença de von Willebrand, a doença hemorrágica hereditária mais comum, e as doenças plaquetárias hereditárias intrínsecas, bem menos comuns. A disfunção plaquetária adquirida costuma ser causada por alguma doença (p. ex., insuficiência renal), bem como por ácido acetilsalicílico e outros fármacos.
Sinais e sintomas
Os distúrbios das plaquetas resultam em um padrão típico de sangramento:
Sangramentos gastrointestinais intensos e sangramento no sistema nervoso central podem ser potencialmente fatais. Mas sangramento nos tecidos (p. ex., hematomas viscerais profundos ou hemartroses) raramente ocorre com trombocitopenia, em vez disso, os pacientes têm sangramento imediato e superficial após uma lesão. Sangramento nos tecidos (muitas vezes só ocorrendo um dia após o trauma) sugere um distúrbio da coagulação (p. ex., hemofilia).
Diagnóstico
Suspeita-se dos distúrbios das plaquetas em pacientes com petéquias e sangramento na mucosa. Obtêm-se hemograma com contagem de plaquetas, estudos de coagulação e esfregaço do sangue periférico. Plaquetas excessivas e trombocitopenia são diagnosticadas com base na contagem plaquetária; os estudos de coagulação são normais, a menos que haja coagulopatia simultânea. Em pacientes com hemograma, contagem plaquetária e relação normalizada internacional (INR) e PTT normais, há suspeita de disfunção plaquetária.
Trombocitopenia
O exame do sangue periférico é importante em pacientes com trombocitopenia porque as contagens automáticas de plaquetas às vezes mostram pseudotrombocitopenia decorrente da agregação plaquetária causada pela reação ao agente do ácido etilenodiamina tetra-acético (EDTA) presente em alguns tubos de coleta de sangue. Além disso, é possível visualizar os esquistócitos, o que pode indicar púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítico-urêmica (SHU) ou coagulação intravascular disseminada (CID — ver tabela Achados do sangue periférico nas doenças trombocitopênicas).
O aspirado de medula óssea é indicado se o exame direto mostrar outras alterações além da trombocitopenia, como eritrócitos nucleados ou leucócitos anômalos ou imaturos. O aspirado de medula óssea revela o número e a aparência dos megacariócitos, sendo o exame definitivo para muitas doenças que causam insuficiência da medula óssea. Se a medula óssea estiver normal, mas o baço aumentado, o sequestro esplênico elevado consistirá provavelmente na causa da trombocitopenia. Se a medula óssea está normal e não há esplenomegalia, a destruição plaquetária excessiva é provavelmente a causa.
No entanto, número e aparência normais de megacariócitos nem sempre indicam produção normal das plaquetas. Por exemplo, entre os pacientes com trombocitopenia imunitária (TCI), a produção plaquetária pode estar diminuída apesar de sua aparência normal e do aumento do número de megacariócitos. Na verdade, biopsia da medula óssea raramente é necessária em pacientes com as características típicas da trombocitopenia imunitária.
Às vezes, a fração imatura das plaquetas no sangue periférico é uma medida útil em pacientes com trombocitopenia, uma vez que é elevada quando a medula óssea produz plaquetas e não aumenta quando a produção plaquetária é reduzida, semelhante à contagem de reticulócitos na anemia.
A medição dos anticorpos antiplaquetários geralmente não é clinicamente útil. O teste para HIV é feito em pacientes com risco de infecção por HIV.
Achados no sangue periférico em distúrbios trombocitopênicos
Eritrócitos e leucócitos normais |
Trombocitopenia induzida por fármacos Trombocitopenia relacionada ao HIV Púrpura pós-transfusão |
Fragmentação de eritrócitos (esquizócitos) |
Câncer metastático Pré-eclâmpsia com CID |
Anormalidades dos leucócitos |
Leucócitos polimorfonucleares hipersegmentados em anemias megaloblásticas Células imaturas ou aumento de linfócitos maduros na leucemia Granulócitos acentuadamente diminuídos na anemia aplásica |
Plaquetas gigantes frequentes (aproximando-se do tamanho dos eritrócitos) |
Distúrbios da adesão plaquetária (p. ex., síndrome de Bernard-Soulier, doença de von Willebrand) Doenças relacionadas com a miosina, cadeia pesada 9, gene não muscular (MYH9) Outras trombocitopenias congênitas |
Anormalidades em eritrócitos, eritrócitos nucleados e granulócitos imaturos |
Mielodisplasia |
Agregação plaquetária |
Pseudotrombocitopenia |
Suspeita de disfunção plaquetária
Para os pacientes com disfunção plaquetária, suspeitar de origem farmacológica se os sinais e sintomas só tiverem iniciado após os pacientes começarem a tomar um fármaco potencialmente antiplaquetário (p. ex., clopidogrel ou ticagrelor). A disfunção plaquetária farmacológica pode ser grave, mas raramente são necessários exames especializados.
Suspeita-se de uma causa hereditária se houver longo história de vida com hematoma fácil; sangramento após extrações de dentes, cirurgia, parto, circuncisão; ou menstruações intensas. No caso de suspeita de causa hereditária, obtêm-se antígeno do fator de von Willebrand (FVW) e estudos da atividade do FCW são rotineiramente feitos.
Em alguns pacientes com suspeita de disfunção, testes de agregação plaquetária podem identificar um defeito na forma como as plaquetas respondem aos vários agonistas plaquetários [ adenosina difosfato (ADP), colágeno, trombina] e, portanto, demonstram o tipo de defeito plaquetário.
A disfunção plaquetária ocasionada por distúrbios sistêmicos é tipicamente leve e de pequena importância clínica. Nesses pacientes, o distúrbio sistêmico causativo é de preocupação clínica e testes hematológicos não são necessários.
Tratamento
Em pacientes com trombocitopenia ou disfunção plaquetária, não devem ser administrados fármacos que possam causar maior insuficiência na função plaquetária, em especial ácido acetilsalicílico e outros AINEs. Os pacientes que já estão usando esses fármacos devem considerar fármacos alternativos, como paracetamol, ou simplesmente devem descontinuar seu uso.
Os pacientes podem precisar fazer transfusão de plaquetas, mas isso só é feito em alguns casos. As transfusões profiláticas são utilizadas como segunda opção, pois podem perder sua eficácia com o uso repetido pelo desenvolvimento de aloanticorpos plaquetários.
Na disfunção plaquetária ou trombocitopenia causada pela produção reduzida, reservam-se as transfusões ou antifibrinolíticos (p. ex., ácido aminocaproico, ácido tranexâmico) a pacientes com
Na trombocitopenia provocada pela destruição de plaquetas, as transfusões são reservadas às situações de risco de vida ou ao sangramento do sistema nervoso central.