Segurança de medicamentos na gestação

PorRavindu Gunatilake, MD, Valley Perinatal Services;
Avinash S. Patil, MD, University of Arizona College of Medicine
Revisado/Corrigido: out 2023
Visão Educação para o paciente

Medicações podem ser necessárias para várias indicações durante a gestação. Os medicamentos mais comumente utilizados na gestação são antieméticos, antiácidos, anti-histamínicos, analgésicos, antimicrobianos, tranquilizantes, hipnóticos, diuréticos, antidepressivos e tranquilizantes. Uso abusivo de substâncias e uso indevido também são comuns. Apesar desta tendência, ainda faltam diretrizes sólidas baseadas em evidências para o uso seguro de medicamentos durante a gravidez.

Informações regulatórias sobre a segurança de medicamentos durante a gestação

Até a década de 2010, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA classificava os medicamentos vendidos sem receita (OTC) e prescritos em 5 categorias de segurança para uso durante a gravidez (A, B, C, D, X). Contudo, poucos estudos bem controlados dos fármacos terapêuticos foram realizados em gestantes. A maioria das informações sobre a segurança dos fármacos na gestação deriva de estudos com animais, estudos não controlados em seres humanos e vigilância pós-marketing. Consequentemente, o sistema de classificação da FDA levou a confusões e dificuldades para aplicar as informações disponíveis às decisões clínicas. Em Dezembro de 2014, a FDA respondeu exigindo que as categorias de gestação A, B, C, D, e X fossem removidas dos rótulos de todos os fármacos.

Em vez de categorias, a FDA agora exige que o rótulo forneça informações sobre o fármaco específico em um formato consistente [chamado the final rule (a regra final) ou Pregnancy and Lactation Labeling (Drugs) Final Rule (PLLR)].

As informações exigidas pela FDA têm 3 subseções:

  • Gestação: informações relevantes para o uso do fármaco em gestantes (p. ex., dosagem, riscos fetais) e informações sobre se a presença de um registro que coleta e mantém os dados sobre a maneira como as gestantes são afetadas pelo fármaco

  • Lactação: informações sobre como utilizar o fármaco durante a amamentação (p. ex., a quantidade de fármaco no leite materno, os efeitos potenciais sobre a criança amamentada)

  • Mulheres e homens com potencial reprodutivo: informações sobre testes de gestação, contracepção e infertilidade no que se refere ao fármaco

Cada uma das subseções de gestação e aleitamento incluem 3 subtítulos (resumo do risco, considerações clínicas e dados) que fornecem mais detalhes. A “final rule" (regra final) não se aplica a fármacos de venda livre.

Transferência e metabolismo de fármacos durante a gestação

Durante a gestação, com frequência medicamentos são necessários para o tratamento de determinadas doenças. Em geral, quando o potencial benefício supera os riscos conhecidos, os medicamentos podem ser considerados para o tratamento de doenças durante a gestação.

Nem todos os medicamentos ou outras substâncias que estão na circulação materna atravessam a placenta (transferência) chegando ao feto. Alguns fármacos que atravessam a placenta podem ter um efeito tóxico direto ou um efeito teratogênico. Fármacos que não atravessam a placenta ainda podem prejudicar o feto ao

  • Constringir os vasos placentários e, assim, comprometer as trocas gasosas e de nutrientes

  • Produzir hipertonia uterina grave que resulta em lesão anóxica

  • Alterar a fisiologia materna (p. ex., causando hipotensão)

Para uma lista de alguns medicamentos com efeitos adversos durante a gestação, ver tabela Segurança de medicamentos selecionados na gravidez.

Os fármacos difundem-se pela placenta da mesma forma que atravessam outras barreiras epiteliais (ver Absorção). A forma e a velocidade com que um fármaco atravessa a placenta dependem do peso da molécula, da extensão de sua ligação a outra substância (p. ex., proteína ligadora), da área disponível para troca através do vilo placentário e da quantidade do fármaco metabolizada pela placenta. A maioria dos fármacos com peso molecular < de 500 dáltons atravessa prontamente a placenta e entra na circulação fetal. Substâncias com alto peso molecular (p. ex., fármacos ligados às proteínas) geralmente não atravessam a placenta. Uma exceção é a imunoglobulina G, que pode ser utilizada para tratar doenças como trombocitopenia aloimune fetal ou hemacromatose fetal. Em geral, o equilíbrio entre o sangue materno e os tecidos fetais leva pelo menos 30 a 60 minutos; mas alguns fármacos não alcançam concentrações semelhantes na circulação materna e fetal.

O efeito de um fármaco sobre o feto é, em grande parte, determinado pela idade fetal na exposição, permeabilidade placentária, fatores maternos, potência e dosagem do fármaco.

A idade fetal afeta o tipo de efeito do fármaco:

  • Antes do 20º dia após a fecundação: fármacos dados nesse período normalmente têm um efeito tudo-ou-nada, matando o embrião ou não lhe causando nenhuma alteração. A teratogênese é improvável durante esse estágio.

  • Durante a organogênese (entre 20 e 56 dias depois da fecundação): maior probabilidade de ocorrer teratogênese. Os fármacos que alcançam o embrião durante esse estágio podem causar aborto espontâneo, defeito anatômico macroscópico subletal (efeito teratogênico verdadeiro), embriopatia oculta (defeito metabólico sutil ou funcional permanente que pode se manifestar mais tarde na vida) ou maior risco de câncer na infância (p. ex., quando a mãe recebe iodo radioativo para tratar câncer de tireoide); ou outros fármacos podem não ter um efeito mensurável.

  • Após organogênese (no segundo e terceiro trimestres): a teratogênese é improvável, mas os fármacos podem alterar o crescimento e a função dos órgãos e tecidos fetais formados normalmente. À medida que o metabolismo placentário aumenta, as doses precisam ser mais altas para que ocorram efeitos adversos fetais.

Fatores maternos incluem aqueles que afetam a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos fármacos. Por exemplo, náuseas e vômitos podem diminuir a absorção de um fármaco oral.

A taxa geral de defeitos congênitos estruturais importantes nos Estados Unidos é de aproximadamente 3% (1); a maioria das malformações resulta de causas genéticas, ambientais, multifatoriais ou desconhecidas. É difícil determinar a taxa geral de malformações congênitas causadas por fármacos terapêuticos. Como exemplo, em um estudo com 5504 casos de defeitos congênitos, apenas 20% tinham uma causa definida e < 1% dos casos com causas conhecidas foram decorrentes de medicamentos (2).

Tabela

Vacinas durante a gestação

As imunizações são tão efetivas nas gestantes quanto nas mulheres não grávidas.

A vacina contra influenza é recomendada para todas as gestantes durante a época de influenza.

Recomenda-se a vacina contra tétano-difteria-coqueluche (Tdap) para todas as gestantes durante o terceiro trimestre.

O CDC recomenda a vacina contra a covid-19 a todas as pessoas com 5 anos ou mais, incluindo gestantes, lactantes, mulheres que estão tentando engravidar ou que possam engravidar no futuro. Evidências sobre a segurança e eficácia da vacinação contra a covid-19 durante a gestação têm aumentado. Esses dados sugerem que os benefícios de receber uma vacina contra a covid-19 superam quaisquer riscos conhecidos ou potenciais de vacinação durante a gestação. (Ver também CDC: COVID-19 Vaccines While Pregnant or Breastfeeding.)

Em agosto de 2023, a Food and Drug Administration dos EUA aprovou o uso de uma vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR) em gestantes entre 32 e 36 semanas de gestação, com um aviso para evitar o uso antes de 32 semanas. Ensaios clínicos descobriram aumento nas taxas de parto pré-termo, pré-eclâmpsia em gestantes e baixo peso ao nascer e icterícia em recém-nascidos após a administração pré-natal da vacina contra VSR versus placebo; estudos adicionais são necessários para avaliar esses riscos potenciais (3).

Outras vacinas devem ser reservadas para situações nas quais a mulher ou o feto estejam expostos a um risco significativo de determinadas infecções perigosas e os efeitos adversos da vacina sejam baixos. As vacinas contra cólera, hepatite A, hepatite B, sarampo, caxumba, peste, poliomielite, raiva, febre tifoide e febre amarela podem ser administradas durante a gestação se o risco de infecção é substancial.

As vacinas com vírus vivos não devem ser administradas às mulheres que estão ou podem estar grávidas. A vacina contra rubeola, uma vacina de vírus vivos atenuados, pode causar infecção subclínica na placenta e no feto. Entretanto, nenhum defeito nos neonatos tem sido atribuído à vacina e as mulheres inadvertidamente vacinadas durante o início da gestação não precisam ser aconselhadas a interromper a gestação somente por causa do risco teórico da vacina. A vacina contra varicela de vírus vivo atenuado com potencial para infectar o feto; o risco é maior entre a 13ª e a 22ª semana de gestação. Essa vacina é contraindicada durante a gestação.

Antivirais durante a gestação

Alguns antivirais (p. ex., zidovudina e ritonavir contra infecção pelo HIV) têm sido utilizados com segurança durante a gestação por muitos anos. No entanto, alguns antivirais podem impor riscos significativos ao feto.

A gravidez está associada a um risco aumentado de covid-19 grave. Para gestantes com covid-19 precoce leve a moderada, a United States National Institutes of Health (NIH) recomenda o uso de nirmatrelvir-ritonavir (4) ou remdesivir (5), se indicado. The American College of Obstetricians and Gynecologists aconselha que o uso de nirmatrelvir-ritonavir pode ser considerado, particularmente para pacientes com pelo menos um fator de risco adicional para doença grave. Para gestantes hospitalizadas por covid-19, o NIH recomenda o uso de baricitinibe ou tocilizumabe, se indicado.

Os antivirais contra influenza devem ser iniciados o mais rápido possível, sem esperar os resultados dos testes para confirmar o diagnóstico, porque o tratamento introduzido dentro de 48 horas após o início da doença é mais eficaz. No entanto, o tratamento em qualquer ponto durante a infecção reduz o risco de complicações graves. Não foram realizados ensaios clínicos controlados do zanamivir e do oseltamivir em gestantes; entretanto, muitos estudos observacionais indicam que seu uso durante a gestação não aumenta o risco de efeitos adversos. Há poucos dados sobre a segurança do peramivir durante a gestação e nenhum dado sobre o uso do baloxavir em gestantes. Profissionais de saúde devem informar as gestantes sobre quais são os sinais e sintomas da influenza e aconselhá-las a procurar tratamento assim que os sintomas começarem.

Aciclovir (oral e tópico) parece ser seguro durante a gestação.

Antidepressivos durante a gestação

Antidepressivos, especialmente inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), são comumente utilizados durante a gestação porque a prevalência de depressão clínica durante a gestação é alta (7 a 12% em uma revisão) (6). Alterações fisiológicas e psicossociais durante a gestação podem afetar a depressão (possivelmente agravando-a) e, possivelmente, reduzindo a resposta a antidepressivos. Idealmente, uma equipe multidisciplinar que inclui um obstetra e especialista em psiquiatria deve controlar a depressão durante a gestação.

Mulheres grávidas que tomam antidepressivos devem ser perguntadas sobre os sintomas depressivos em cada consulta pré-natal, e testes fetais apropriados devem ser feitos. Estes podem incluir:

  • Uma avaliação detalhada da anatomia fetal durante o segundo trimestre

  • Se uma mulher grávida toma paroxetina, ecocardiografia para avaliar o coração do feto porque em alguns estudos, a paroxetina parece aumentar o risco de anomalias cardíacas congênitas

Para reduzir o risco de sintomas de abstinência no neonato, os médicos devem considerar reduzir a dose de todos os antidepressivos para a menor dose eficaz durante o terceiro trimestre de gestação. Mas os benefícios da redução gradual devem ser cuidadosamente comparados com o risco de recorrência dos sintomas e depressão pós-parto. A depressão pós-parto é comum, muitas vezes não reconhecida, e deve ser tratada imediatamente. Consultas periódicas a um psiquiatra e/ou assistentes sociais podem ser úteis.

Referências

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Update on overall prevalence of major birth defects--Atlanta, Georgia, 1978-2005. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 57(1):1-5, 2008.

  2. 2. Feldkamp ML, Carey JC, Byrne JLB, Krikov S, Botto LD: Etiology and clinical presentation of birth defects: population based study. BMJ 357:j2249, 2017. Publicado em 30 de maio de 2017. doi:10.1136/bmj.j2249

  3. 3. U.S. Food and Drug Administration (FDA): FDA Approves First Vaccine for Pregnant Individuals to Prevent RSV in Infants. FDA News Release, August 21, 2023.

  4. 4. Garneau WM, Jones-Beatty K, Ufua MO, et al: Analysis of clinical outcomes of pregnant patients treated with nirmatrelvir and ritonavir for acute SARS-CoV-2 infection. JAMA Netw Open 5(11):e2244141, 2022. Publicado em 1º de novembro de 2022. doi:10.1001/jamanetworkopen.2022.44141

  5. 5. Liggins GC, Howie RN: A controlled trial of antepartum glucocorticoid treatment for prevention of the respiratory distress syndrome in premature infants. Pediatrics 50(4):515-525, 1972.

  6. 6. Bennett HA, Einarson A, Taddio A, et al: Prevalence of depression during pregnancy: systematic review [published correction appears in Obstet Gynecol 103(6):1344, 2004]. Obstet Gynecol 103(4):698-709, 2004. doi:10.1097/01.AOG.0000116689.75396.5f

Informações adicionais

  1. The FDA's Content and Format of Labeling for Human Prescription Drug and Biological Products; Requirements for Pregnancy and Lactation Labeling: este documento discute a mudança na rotulagem relacionada com a gestação, e elimina as categorias de gravidez (A, B, C, D, X) e as substitui por informações mais úteis e detalhadas. O novo rótulo requer um resumo dos riscos do uso de fármacos durante a gestação e lactação, dados que corroboram esse resumo e informações relevantes para ajudar os profissionais de saúde a tomar decisões sobre a prescrição e aconselhar as mulheres sobre o uso de fármacos durante a gestação e a lactação.

  2. Teratogen Information System: esse site fornece recursos para ajudar os médicos a determinar os riscos de medicamentos [e de exposições ambientais (p. ex., vacinas, infecções)] durante a gestação. Fornece informações especializadas sobre > 1.700 fármacos (incluindo 200 dos fármacos mais frequentemente prescritos). Resume-se a literatura clínica e experimental e, com base nessas informações, atribui-se o risco teratogênico. É necessária inscrição.

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