O tecido nervoso é flexível e suscetível à compressão. Vários tipos de anomalias craniocervicais podem causar ou contribuir para a compressão da parte cervical da medula espinal ou do tronco encefálico; algumas anormalidades e suas consequências clínicas estão incluídas a seguir:
A fusão do atlas (C1) com o osso occipital: compressão da medula espinal quando o diâmetro anteroposterior do forame magno atrás do processo odontoide tem < 19 mm
Invaginação basilar (abaulamento superior dos côndilos occipitais): protusão do processo odontoide através do forame magno, normalmente encurtando o pescoço e causando compressão que pode afetar o cerebelo, o tronco encefálico, os nervos cranianos inferiores e a medula espinal
Subluxação ou luxação atlantoaxial Subluxação atlantoaxial Subluxação atlantoaxial é falta de alinhamento entre a 1ª e 2ª vértebra cervical, o que pode ocorrer apenas com flexão cervical. (Ver também Avaliação da dor cervical e lombar e Anomalias da... leia mais (deslocamento do atlas, geralmente anteriormente em relação ao eixo, mas às vezes posteriormente, lateralmente, verticalmente ou rotacionalmente): compressão da medula espinal aguda ou crônica
Malformação de Klippel-Feil (fusão das vértebras cervicais superiores ou do atlas com o occipúcio): deformidade e movimento limitado do pescoço geralmente sem consequências neurológicas, mas às vezes com compressão da medula cervical após um pequeno trauma
Platibasia (achatamento da base do crânio de modo que o ângulo formado pela intersecção entre os planos clival e da fossa anterior seja > 135°), observada em radiografias em incidência lateral do crânio: pescoço curto e geralmente assintomática, a menos que seja acompanhado de invaginação basilar
Etiologia das anomalias da junção craniocervical
As anomalias da junção craniocervical, da quais há muitas, podem ser congênitas ou adquiridas.
Congênito
Anormalidades congênitas Visão geral das anomalias neurológicas congênitas As anomalias cerebrais congênitas causam um espectro de déficits neurológicos; embora alguns possam ser quase imperceptíveis, outros podem ser fatais. Algumas das mais graves anomalias neurológicas... leia mais podem ser anormalidades estruturais específicas ou distúrbios sistêmicos ou gerais que afetam ao crescimento e o desenvolvimento esquelético. Muitos pacientes têm múltiplas anormalidades.
As anomalias ósseas estruturais são:
Assimilação do atlas (fusão congênita do atlas com o osso occipital)
Hipoplasia do atlas
Invaginação basilar
Malformação congênita de Klippel-Feil (p. ex., na síndrome de Turner Síndrome de Turner Na síndrome de Turner, as meninas nascem com um dos dois cromossomos X parciais ou completamente ausentes. O diagnóstico baseia-se em achados clínicos e é confirmado por análise citogenética... leia mais ou de Noonan), geralmente associada a anomalias atlanto-occipitais
Os odontoideum (osso anômalo que substitui total ou parcialmente o processo odontoide)
Platybasia Etiologia A hidrocefalia consiste no acúmulo de quantidades excessivas de líquido cefalorraquidiano que provocam o alargamento do ventrículo cerebral e/ou aumento da pressão intracraniana. As manifestações... leia mais , frequentemente com invaginação basilar, malformações de Chiari (descida das tonsilas ou do verme do cerebelo para a região cervical do canal vertebral) e outras anomalias
As doenças sistêmicas que afetam o crescimento esquelético e desenvolvimento e envolvem a junção craniocervical incluem as seguintes:
Acondroplasia Osteocondrodisplasias (nanismo osteocondrodisplásico) As osteocondrodisplasias envolvem crescimento anômalo dos ossos ou das cartilagens, levando, com frequência, a mau desenvolvimento do esqueleto, membros curtos e baixa estatura. O diagnóstico... leia mais (deficiência de crescimento ósseo epifisário, que resulta em ossos curtos e malformados), o forame magno às vezes estreita-se ou funde-se com o atlas, comprimindo assim a medula espinal ou o tronco encefálico.
Síndrome de Down Síndrome de Down (trissomia do 21) É uma anomalia no cromossomo 21 que pode causar deficiência intelectual, microcefalia, baixa estatura e face característica. O diagnóstico é sugerido por anomalias física e anormalidades no... leia mais , síndrome de Morquio Mucopolissacaridoses (MPS) (mucopolissacaridose IV) ou osteogênese imperfeita Osteogênese imperfeita A osteogênese imperfeita é uma doença hereditária do colágeno que causa fragilidade óssea difusa anormal, às vezes acompanhada de surdez neurossensorial, escleróticas azuladas, dentinogênese... leia mais podem causar subluxação ou deslocamento atlantoaxial.
Adquirida
As causas adquiridas incluem lesões ou doenças.
As lesões podem envolver ossos, ligamentos, ou ambos, e geralmente são causadas por acidentes com veículos ou bicicletas e quedas, principalmente durante mergulhos; algumas dessas lesões são imediatamente fatais.
Artrite reumatoide Artrite reumatoide Artrite reumatoide é uma doença crônica autoimune sistêmica que envolve principalmente as articulações. A artrite reumatoide produz lesões mediadas por citocinas, quimiocinas e metaloproteases... leia mais (a causa patológica mais comum) e doença de Paget Doença óssea de Paget A doença óssea de Paget é um distúrbio crônico do esqueleto adulto em que a renovação óssea é acelerada em áreas localizadas. A matriz normal é substituída por osso mole e aumentado. A doença... leia mais na parte cervical da coluna vertebral podem causar deslocamento ou subluxação atlantoaxial, invaginação basilar ou platibasia.
Tumores metastáticos que afetam os ossos Tumores ósseos metastáticos Qualquer câncer pode criar metástase ao osso, porém as metástases de carcinomas são mais comuns, particularmente aquelas que crescem nas seguinte áreas: Mama Pulmão Próstata Rim leia mais podem causar deslocamento ou subluxação atalantoaxial.
Tumores de crescimento lento na junção craniocervical (p. ex., meningioma Meningiomas Os meningiomas são tumores das meninges que podem comprimir os tecidos cerebrais adjacentes. Os sintomas dependem da localização do tumor. O diagnóstico é feito por RM com contraste. O tratamento... leia mais , cordoma Cordoma Os tumores ósseos malignos primários são muito menos comuns que os tumores metastáticos, principalmente em adultos. Tumores ósseos malignos primários incluem mieloma múltiplo, osteossarcoma... leia mais ) podem comprimir o tronco encefálico ou a medula espinal.
Sintomas e sinais das anomalias da junção craniocervical
Os sinais e sintomas das anomalias da junção craniocervical podem ocorrer após pequena lesão cervical ou espontaneamente e podem variar quanto à progressão. A apresentação varia com o grau de compressão e as estruturas afetadas.
As manifestações mais comuns
Sinais e sintomas de compressão da medula espinal
A dor cervical muitas vezes propaga-se para os membros superiores e pode ser acompanhada de cefaleia (geralmente cefaleia occipital que se irradia para o vértice do crânio); é atribuída à compressão da raiz de C2 e do nervo occipital maior e à disfunção musculoesquelética local. A dor cervical e a cefaleia geralmente pioram com os movimentos da cabeça e podem ser deflagradas por tosse ou inclinação da cabeça para a frente. Quando os pacientes com malformação de Chiari apresentam hidrocefalia, a posição ereta pode agravar a hidrocefalia e resultar em cefaleia.
A compressão da medula espinal Compressão da medula vertebral Várias lesões podem comprimir a medula espinal causando deficits segmentares sensoriais, motores, reflexos e de esfíncteres. O diagnóstico é por RM. O tratamento direciona-se ao alívio da compressão... leia mais envolve a porção cervical da medula espinal. Os deficits incluem
Paresia espástica nos membros superiores, pernas, ou em ambos, causada por compressão dos tratos motores
Comumente, sentidos de posição articular e vibração prejudicados (função da coluna posterior)
Sensação de formigamento, que desce pelo dorso até as pernas, com flexão do pescoço (sinal de Lhermitte)
Incomumente, sensibilidades dolorosa e térmica prejudicadas (função do trato espinotalâmico) em um padrão de “meia e luva”
O aspecto do pescoço e a amplitude de movimentos, ou ambos, podem ser afetados por algumas anomalias (p. ex., platibasia, invaginação basilar, malformação de Klippel-Feil). O pescoço pode ser curto, apresentar uma prega cervical (que se estende aproximadamente do esternocleidomastoideo ao ombro), ou estar em posição anormal (p. ex., torcicolo na malformação de Klippel-Feil). Pode haver limitação na amplitude de movimentos.
Compressão encefálica (p. ex., em decorrência de platibasia, invaginação basilar ou tumores craniocervicais) pode causar deficits no tronco encefálico, pares cranianos e cerebelares. Os deficits no tronco encefálico e nos nervos cranianos incluem
Oftalmoplegia internuclear Oftalmoplegia internuclear Caracteriza-se a oftalmoplegia internuclear pela paralisia da adução do olho ipsilateral no olhar horizontal, mas não durante a convergência. Pode ser unilateral ou bilateral. (Ver também Visão... leia mais (fraqueza ipsilateral da adução do olho mais nistagmo horizontal contralateral no olho que abduz com olhar lateral)
Nistagmo com batimento para baixo (componente de batimento para baixo rápido)
Rouquidão
Disartria
Disfagia
Os deficits cerebelares Distúrbios cerebelares Os distúrbios cerebelares têm inúmeras causas, incluindo malformações congênitas, ataxias hereditárias e doenças adquiridas. Os sintomas variam de acordo com a causa, mas tipicamente abrangem... leia mais geralmente prejudicam a coordenação.
A isquemia vertebrobasilar pode ser desencadeada pela mudança da posição da cabeça. Os sintomas podem incluir
Síncope intermitente
Crises de queda (quedas repentinas não provocadas)
Vertigem
Confusão ou consciência alterada
Fraqueza
Distúrbio visual
Siringomielia Siringe da medula vertebral ou tronco encefálico Siringe é uma cavidade preenchida por líquido dentro da medula espinal (siringomielia) ou no tronco encefálico (siringobulbia). Os fatores predisponentes incluem anormalidades da junção craniocervical... leia mais (cavidade na região central da medula espinal) é comum em pacientes com malformação de Chiari. Pode causar
Fraqueza flácida segmentar e atrofia, que aparece primeiro ou mais grave na porção distal dos membros superiores
Perda da sensibilidade térmica e álgica em uma distribuição semelhante a uma capa no pescoço e na região proximal dos membros superiores
Mas a sensibilidade tátil é preservada.
Diagnóstico das anomalias da junção craniocervical
RM ou TC do cérebro e da porção superior da medula espinal
Há suspeita de anomalia craniocervical quando os pacientes apresentam dor no pescoço ou na região occipital e associados a deficits neurológicos referentes à porção inferior do tronco encefálico, à porção cervical superior da medula espinal ou ao cerebelo. Em geral, os distúrbios da porção cervical inferior da medula espinal podem ser caracterizados clinicamente (com base no nível da disfunção medular) e por exames de imagem neurológica.
Neuroimagem
Quando há suspeita de anomalia craniocervical, realiza-se RM ou TC da porção superior da medula espinal e do cérebro, em particular da fossa posterior do crânio e da junção craniocervical. Deficits agudos ou de progressão súbita constituem uma emergência, necessitando de imagens imediatas. RM sagital é a que melhor identifica lesões neurais associadas (p. ex., medula, ponte, cerebelo, medula espinal e anomalias vasculares; siringomielia) e lesões de tecidos moles. A TC permite a visualização de estruturas ósseas de modo mais nítido que a RM e pode ser mais facilmente realizada em uma emergência.
Se RM e TC não estiverem disponíveis, realizam-se radiografias (vista lateral do crânio mostrando os processos espinhosos das vértebras cervicais, incidências anteroposteriores e incidências oblíquas dos processos espinhosos das vértebras cervicais).
Se a RM não estiver disponível ou não for conclusiva e a TC não for conclusiva, fazer mielografia por TC (TC após injeção intratecal de contraste radiopaco). Se a RM ou a TC sugerirem anomalias vasculares, realiza-se a angiorressonância magnética ou a angiografia vertebral.
Tratamento das anomalias da junção craniocervical
Redução e imobilização
Algumas vezes descompressão cirúrgica, fixação ou ambos
Quando há compressão de estruturas neurais, o tratamento consiste em redução (tração ou alterações na posição da cabeça para realinhar a junção craniocervical e, consequentemente, interromper a compressão neural). Após a redução, a cabeça e o pescoço são imobilizados. A compressão medular aguda ou subitamente progressiva requer redução emergencial.
Para a maioria dos pacientes, a redução envolve tração com um halo craniano e peso de até 4 kg. A redução com tração pode levar de 5 a 6 dias. Se a redução for alcançada, o pescoço é imobilizado com um halo-colete por 8 a 12 semanas; em seguida, radiografias devem ser obtidas para confirmar a estabilidade.
Se a redução não aliviar a compressão neural, há necessidade de descompressão cirúrgica por meio de acesso ventral ou dorsal. Se a instabilidade persistir após a descompressão, há necessidade de fixação posterior (estabilização). Para algumas anormalidades (p. ex., decorrentes de artrite reumatoide), a simples imobilização externa raramente tem sucesso; quando não tiver sucesso, portanto, há necessidade de fixação posterior ou descompressão anterior e estabilização.
Diferentes métodos de instrumentação (p. ex., placas ou hastes com pinos) podem ser utilizados para estabilização temporária até que haja fusão dos ossos e a estabilidade seja permanente. Em geral, todas as áreas instáveis devem ser fundidas.
Doenças ósseas
A radioterapia e o colete cervical muitas vezes ajudam os pacientes com tumores ósseos metastáticos Tratamento Qualquer câncer pode criar metástase ao osso, porém as metástases de carcinomas são mais comuns, particularmente aquelas que crescem nas seguinte áreas: Mama Pulmão Próstata Rim leia mais .
Bisfosfonatos ou calcitonina podem ajudar pacientes com doença de Paget Tratamento A doença óssea de Paget é um distúrbio crônico do esqueleto adulto em que a renovação óssea é acelerada em áreas localizadas. A matriz normal é substituída por osso mole e aumentado. A doença... leia mais . A calcitonina é relativamente segura; pode ser utilizada se os pacientes não tolerarem bisfosfonatos ou se a depuração de creatinina for considerada muito baixa para o uso de bisfosfonatos.
Pontos-chave
Anomalias da junção craniocervical são anormalidades congênitas ou adquiridas do osso occipital, do forame magno ou das duas primeiras vértebras que diminuem o espaço para a porção inferior do tronco encefálico e parte cervical da coluna vertebral.
Suspeitar de anomalia na junção craniocervical se os pacientes apresentarem dor no pescoço ou na região occipital e deficits neurológicos referentes à porção inferior do tronco encefálico, à porção cervical superior da coluna ou ao cerebelo.
Diagnosticar anomalias craniocervicais utilizando RM ou TC do cérebro e da porção superior da medula espinal.
Reduzir e imobilizar as estruturas neurais comprimidas.
Tratar a maioria dos pacientes com tração, imobilização ou, se a redução não for bem-sucedida, cirurgia.