Colangite biliar primária (CBP)

(Cirrose biliar primária)

PorTae Hoon Lee, MD, Icahn School of Medicine at Mount Sinai
Revisado/Corrigido: jan 2022
Visão Educação para o paciente

Colangite biliar primária (CBP; antes conhecida como cirrose biliar primária) é uma doença hepática autoimune caracterizada pela destruição progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos, provocando colestase, cirrose e insuficiência hepática. Os pacientes geralmente são assintomáticos ao diagnóstico, mas podem apresentar sinais de fadiga ou sintomas de colestase (p. ex., prurido e esteatorreia) ou de cirrose (p. ex., hipertensão portal e ascite). Exames laboratoriais revelam colestase, aumento de imunoglobulina M (IgM) e, tipicamente, anticorpos antimitocondriais séricos positivos. A biópsia hepática pode ser necessária para confirmar o diagnóstico e fazer o estadiamento da doença. O tratamento é feito com a utilização de ácido ursodesoxicólico, ácido obeticólico, colestiramina (para o prurido), complementação das vitaminas lipossolúveis e, nos casos avançados, transplante hepático.

Etiologia da colangite biliar primária

A cirrose biliar primária é a doença colestática crônica mais comum em adultos. Mais de 95% dos casos ocorrem em mulheres entre 35 e 70 anos de idade. A doença tem um padrão de herança familiar. Predisposição genética, talvez envolvendo o cromossomo X, provavelmente contribui. Alteração na regulação imunitária pode ser herdada.

Um mecanismo autoimune pode estar envolvido, uma vez que há formação de anticorpos contra membranas internas de mitocôndrias em > 95% dos casos. Esses anticorpos antimitocondriais (AMA, antimitochondrial antibodies) não são citotóxicos e não estão envolvidos com danos aos ductos biliares.

A CBP está associada a outras doenças autoimunes, como esclerose sistêmica, Síndrome de Sjögren, Síndrome CREST (também conhecida como limitada esclerodermia) e tireoidite autoimune.

As células T atacam os pequenos ductos biliares. As células epiteliais dos ductos biliares são alvos diretos dos linfócitos T CD4 e CD8. O gatilho para o ataque imunológicia aos ductos biliares ainda não é conhecido. A exposição a antígenos, como nas infecções (bacterianas ou virais) ou agentes tóxicos, pode ser o evento inicial. Esses antígenos podem ser estruturalmente similares a proteínas endógenas (mimetizam a molécula), assim, a reação imunológiciasubsequente pode ser autoimune e autoperpetuada. Destruição e perda de ductos provocam diminuição na formação e na secreção da bile (colestase). Substâncias tóxicas como ácidos biliares podem causar lesão principalmente nos hepatócitos. Colestase crônica também pode provocar inflamação celular hepática e fibrose nas áreas periportais. Por fim, pode haver diminuição da inflamação hepática e a fibrose progride para cirrose.

A CBP negativa para AMA é caracterizada por autoanticorpos, como anticorpo antinuclear, anticorpo antimúsculo liso ou ambos, e tem uma evolução clínica e resposta ao tratamento semelhantes às da CBP. No entanto, AMA está ausente.

Sinais e sintomas da colangite biliar primária

Cerca de metade dos pacientes não apresenta sintomas ao diagnóstico. Sinais e sintomas podem aparecer em qualquer estágio da doença e incluir fadiga ou refletir a colestase (e a má absorção com hipovitaminose e osteoporose consequentes), disfunção hepatocelular, ou cirrose.

Os sintomas geralmente desenvolvem-se de maneira insidiosa. Prurido, fadiga e secura de boca e olhos são os sintomas iniciais em > 50% dos pacientes e podem preceder outros sintomas em meses ou anos. Outras manifestações iniciais incluem desconforto no hipocôndrio direito (10%); hepatomegalia (25%); esplenomegalia (15%); hiperpigmentação (25%); xantelasmas (10%) e icterícia (10%). Por fim, todas as características e complicações da cirrose podem ocorrer. A neuropatia periférica e outras alterações autoimunes associadas à cirrose biliar primária podem se desenvolver.

Diagnóstico da colangite biliar primária

  • Exames de sangue do fígado: colestase com fosfatase alcalina elevada

  • Anticorpos antimitocondriais (AMA) ou autoanticorpos específicos contra CBP (p. ex., sp100 ou gp210) positivos

  • Biópsia hepática: colangite destrutiva não supurativa e destruição dos ductos biliares interlobulares

Confirma-se o diagnóstico se 2 dos 3 critérios anteriores estiverem presentes.

Em pacientes assintomáticos, a cirrose biliar primária é detectada de maneira incidental por anormalidades nos testes hepáticos, tipicamente elevação da fosfatase alcalina e gamaglutamil transferase (GGT). Suspeita-se de colangite biliar primária em mulheres de meia-idade com sintomas clássicos (p. ex., prurido inexplicado, fadiga, desconforto no hipocôndrio direito, icterícia) ou exames laboratoriais sugerindo doença hepática colestática: aumento nos níveis séricos de fosfatase alcalina (geralmente mais de 1,5 vezes o intervalo normal) e GGT com aumento mínimo nas aminotransferases [aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), geralmente menos de 5 vezes os intervalos normais]. Bilirrubina sérica está geralmente normal nos estágios iniciais; elevações indicam progressão da doença e prognóstico reservado.

Se há suspeita de colangite biliar primária, deve-se realizar exames hepáticos e testes para mensurar a IgM sérica (aumentada na CBP) e deve-se fazer AMA. O ensaio imunoenzimático (ELISA) tem sensibilidade de 95% e especificidade de 98% para colangite biliar primária; resultados falso-positivos podem ocorrer na hepatite autoimune (tipo 1). Outros autoanticorpos [p. ex., anticorpos antinucleares (AANs), anticorpos antimúsculo liso, fator reumatoide] podem estar presentes. A obstrução biliar extra-hepática deve ser excluída. Em geral, primeiro realiza-se ultrassonografia, mas, em última análise, a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) e, algumas vezes, a coloangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) são necessárias. É necessária biópsia do fígado para confirmar CBP negativo para AMA. A biópsia hepática ajuda a excluir outros diagnósticos colestáticos (doença hepática induzida por fármacos, sarcoidose, CBP, obstrução biliar, hepatite autoimune) ou doenças hepáticas coexistentes (hepatite autoimune ou esteato-hepatite não alcoólica). A biópsia hepática pode diagnosticar lesões patognomônicas nos ductos biliares, mesmo em estágios iniciais. Com a progressão, a colangite biliar primária torna-se morfologicamente indiferenciável de outras formas de cirrose. A biópsia hepática também pode auxiliar na classificação da colangite biliar primária.

Alguns pacientes com CBP têm características que se sobrepõem à hepatite autoimune (ALT mais de 5 vezes o intervalo normal, IgG mais de 2 vezes o intervalo normal, anticorpo anti-músculo liso positivo e hepatite de interface moderada a grave na biópsia hepática).

Prognóstico da colangite biliar primária (CBP)

A CBP geralmente progride para estágios terminais em cerca de 15 a 20 anos, apesar da taxa de progressão variar. Pode não alterar a qualidade de vida do paciente durante muitos anos. Pacientes que são assintomáticos no diagnóstico tendem a desenvolver sintomas após 2 a 7 anos, mas podem permanecer assintomáticos por 10 a 15 anos. Uma vez desenvolvidos os sintomas, a média de expectativa de vida é de 10 anos. Preditores de rápida progressão incluem:

  • Piora rápida dos sintomas

  • Alterações histológicas avançadas

  • Pacientes idosos

  • Presença de edema

  • Presença de doenças autoimunes associadas

  • Anormalidades na bilirrubina, albumina, tempo de protrombina ou razão normalizada internacional (RNI)

O prognóstico é melhor quando ocorre desaparecimento do prurido, redução dos xantomas, desenvolvimento de icterícia e decréscimo do colesterol sérico.

Tratamento da colangite biliar primária

  • Conter ou reverter a lesão hepática

  • Tratamento das complicações (colestase crônica ou falência hepática)

  • Às vezes, transplante de fígado

O consumo de álcool e de fármacos hepatotóxicos deve ser totalmente suspenso. O ácido ursodesoxicólico (13-15 mg/kg, via oral], uma vez ao dia) pode diminuir o dano hepático, prolongar a sobrevida e retardar a necessidade de transplante hepático. Cerca de 40% dos pacientes não apresentam melhora bioquímica após 12 meses (fosfatase alcalina inferior a 1,5 a 2 vezes o intervalo normal e normalização da bilirrubina total); eles podem ter doença avançada e requerer transplante de fígado em poucos anos. Utiliza-se ácido obeticólico em adição ao ácido ursodesoxicólico para pacientes que não respondem adequadamente ou como um único agente se os pacientes não conseguem tolerar o ácido ursodesoxicólico. Se o paciente tem cirrose descompensada, um evento prévio de descompensação ou cirrose compensada com evidências de hipertensão portal, o ácido obeticólico é contraindicado porque pode causar insuficiência hepática.

O prurido pode ser controlado com a colestiramina, em dosagem de 4-16 g ao dia. Esse fármaco liga-se aos sais biliares por ligações aniônicas e pode agravar a má absorção de gorduras. Se a colestiramina for ingerida por longo período, suplementos de vitaminas lipossolúveis devem ser considerados. A colestiramina pode diminuir a absorção do ácido ursodesoxicólico; portanto, esses fármacos não devem ser ingeridas simultaneamente. A colestiramina também pode diminuir a absorção de vários fármacos; se os pacientes estiverem tomando qualquer fármaco que possa afetá-los, eles devem ser orientados a não tomar o fármaco 1 hora antes ou 4 horas depois de tomar colestiramina. O prurido pode ser um dos efeitos colaterais comuns do ácido obeticólico, resultando na interrupção do tratamento.

Alguns pacientes com prurido respondem ao ácido ursodesoxicólico e à luz ultravioleta; outros podem justificar o teste com rifampicina, naltrexona, sertralina, fenobarbital ou anti-histamínicos.

Pacientes com má absorção de gorduras por causa de deficiência de sais biliares devem ser tratados com suplementos de vitaminas A, D, E e K. Para osteoporose, exercícios físicos com peso, bisfosfonatos ou raloxifeno podem ser necessários em acréscimo à suplementação de cálcio e vitamina D. Em estágios avançados, hipertensão portal ou complicações da cirrose exigem tratamento.

O transplante hepático tem excelentes resultados. A indicação geral é a doença hepática descompensada (sangramento varicoso não controlado, ascite refratária, prurido intratável e encefalopatia hepática). Taxas de sobrevida após transplante hepático são > 90% em 1 ano, > 80% em 5 anos e > 65% em 10 anos. Anticorpos antimitocondriais tendem a persistir após o transplante. A colangite biliar primária recorre em 15% dos pacientes nos primeiros anos e em > 30% em 10 anos. Colangite biliar primária recorrente após transplante hepático parece ter um curso benigno. A cirrose raramente ocorre.

CBP negativo para AMA tem resposta ao tratamento semelhante à do ácido ursodesoxicólico.

Pontos-chave

  • Colangite biliar primária é uma doença hepática crônica, colestática e progressiva causada por um ataque autoimune nos pequenos canais biliares e ocorre quase exclusivamente em mulheres de 35 a 70 anos.

  • Colangite biliar primária normalmente progride para um estágio terminal ao longo de 15 a 20 anos.

  • Suspeitar de colangite biliar primária se os pacientes têm níveis séricos inexplicavelmente elevados de fosfatase alcalina e gamaglutamil transpeptidase, mas aminotransferases minimamente anormais, sobretudo se têm sintomas constitucionais ou manifestações de colestase (p. ex., prurido, osteoporose, deficiência de vitamina D).

  • Medir os anticorpos IgM e antimitocondriais e fazer testes de imagem (para descartar obstrução biliar extra-hepática). Considerar biópsia hepática.

  • Parar o uso de hepatotoxinas (incluindo álcool) e tratar com ácido ursodesoxicólico, o que pode atrasar a necessidade de transplante. O ácido obeticólico é o tratamento de segunda linha, mas é contraindicado em caso de cirrose descompensada.

  • O transplante é indicado para doença hepática descompensada (sangramento varicoso não controlado, ascite refratária, prurido intratável e encefalopatia hepática).

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