(Ver também Visão geral da função adrenal.)
A doença de Addison se desenvolve em cerca de 4/100.000 anualmente. Ocorre em todas as faixas etárias, proporcionalmente em ambos os sexos, e tende a se tornar clinicamente aparente durante estresse metabólico, infecção ou trauma.
A crise suprarrenal (início de sintomas graves) pode ser precipitada por infecção aguda (causa comum, especialmente na sepse). Outras causas incluem trauma, cirurgia e perda de sódio decorrente de sudorese excessiva. Mesmo com tratamento, a doença de Addison pode causar um pequeno aumento na taxa de mortalidade. Não está claro se esse aumento ocorre por causa de crises adrenais não tratadas adequadamente ou complicações a longo prazo da supersubstituição inadvertida.
Etiologia
Cerca de 70% dos casos nos EUA decorrem de atrofia idiopática do córtex adrenal, provavelmente causada por processo autoimune. O restante resulta da destruição das glândulas adrenais por granuloma (p. ex., tuberculose, histoplasmose), tumor, amiloidose, hemorragia ou necrose inflamatória. Hipoadrenocorticismo pode resultar de fármacos que bloqueiam a síntese de corticoides (p. ex., cetoconazol e o anestésico etomidato).
A doença de Addison pode coexistir com diabetes melito ou hipotireoidismo na síndrome de deficiência poliglandular. Em crianças, a causa mais comum de insuficiência adrenal primária é a hiperplasia adrenal congênita, mas outras doenças genéticas são cada vez mais reconhecidas como causas.
Fisiopatologia
Ocorre deficiência tanto de mineralocorticoides como de glicocorticoides.
Deficiência de mineralocorticoides
Como os mineralocorticoides estimulam a reabsorção de sódio e a excreção de potássio, a deficiência resulta em aumento da excreção de sódio e diminuição da excreção de potássio, principalmente na urina, mas também no suor, na saliva e no trato gastrointestinal. O resultado é baixa concentração sérica de sódio (hiponatremia) e níveis altos de potássio (hiperpotassemia).
Perda de sal e água na urina causa desidratação grave, hipertonicidade plasmática, acidose, diminuição do volume circulatório, hipotensão e, com o tempo, colapso circulatório. Entretanto, quando a causa de insuficiência adrenal é produção inadequada do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), insuficiência adrenal secundária, as concentrações de eletrólitos costumam estar normais ou com discreta alteração, e os problemas circulatórios são menos graves.
Deficiência de glicocorticoides
Contribui para hipotensão e causa sensibilidade intensa à insulina, além de distúrbios no metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. Na ausência de cortisol, há formação insuficiente de carboidratos a partir de proteínas, resultando em hipoglicemia e diminuição do glicogênio hepático. A seguir, ocorre fraqueza, decorrente, em parte, da disfunção neuromuscular. Diminui a resistência a infecções, traumas e outros estresses. A fraqueza do miocárdio e a desidratação reduzem o débito cardíaco, podendo ocorrer insuficiência circulatória.
A diminuição do cortisol no sangue resulta em aumento da produção de ACTH pela hipófise e aumento da betalipotrofina no sangue, que possui atividade estimulante de melanócitos e, juntamente com o ACTH, produz hiperpigmentação de pele e mucosas, característica da doença de Addison. Assim, a insuficiência adrenal secundária à insuficiência da hipófise não causa hiperpigmentação.
Sinais e sintomas
Fraqueza, fadiga e hipotensão ortostática são sinais e sintomas iniciais da doença de Addison.
A hiperpigmentação caracteriza-se por bronzeamento difuso das áreas expostas do corpo e, em menor grau, das não expostas, em especial nos pontos de pressão (proeminências ósseas), pregas cutâneas, cicatrizes e superfícies extensoras. Sardas negras são comuns na testa, na face, no pescoço e nos ombros. Ocorre pigmentação preto-azulada das aréolas e mucosas dos lábios, da boca, do reto e da vagina.
Em geral, há anorexia, náuseas, vômitos e diarreia. Diminuição da tolerância ao frio e hipometabolismo podem ser observados. Tontura e síncope podem ocorrer.
O início gradual e a natureza não específica dos sintomas muitas vezes conduzem ao diagnóstico incorreto de neurose. Perda ponderal, desidratação e hipotensão são características dos estágios avançados da doença de Addison.
Crise adrenal
A crise adrenal é caracterizada por
A temperatura corporal pode ser baixa, embora seja comum febre alta, em particular quando a crise é precipitada por uma infecção aguda.
Vários pacientes com perda parcial da função adrenal (reserva adrenocortical limitada) parecem bem, mas apresentam crise adrenal quando submetidos a estresse fisiológico (p. ex., cirurgia, infecção, queimaduras e doenças críticas). Choque e febre podem ser os únicos sinais.
Diagnóstico
Os sinais e sintomas clínicos sugerem a insuficiência adrenal. Às vezes, só se considera o diagnóstico ao descobrir alterações características de eletrólitos séricos, incluindo sódio baixo [< 135 mEq/L (< 135 mmol/L)], potássio alto [> 5 mEq/L (> 5 mmol/L)], bicarbonato baixo [< 20 mEq/L (15 a 20 mmol/L)] e BUN (nitrogênio ureico sanguíneo) elevado (ver tabela Resultados de testes que sugerem doença de Addison).
Resultados de testes que sugerem doença de Addison
Diagnóstico diferencial
Hiperpigmentação pode resultar de carcinoma broncogênico, ingestão de metais pesados (p. ex., ferro, prata), doenças de pele crônicas ou hemocromatose. A síndrome de Peutz-Jeghers caracteriza-se por pigmentação das mucosas bucal e retal. Com frequência, hiperpigmentação ocorre com vitiligo, que pode indicar doença de Addison, embora outras doenças possam causar essa associação.
Fraqueza resultante de doença de Addison diminui com o repouso, ao contrário do que ocorre em doenças neuropsiquiátricas, nas quais costuma ser mais intensa pela manhã do que após atividades. A maioria das miopatias que causam fraqueza podem ser diferenciada por sua distribuição, ausência de pigmentação anormal e achados laboratoriais característicos.
Pacientes com insuficiência adrenal desenvolvem hipoglicemia após jejum em decorrência da diminuição da gliconeogênese. Por outro lado, pacientes com hipoglicemia decorrente de secreção excessiva de insulina podem ter crises em qualquer momento, usualmente têm aumento do apetite com ganho de peso e apresentam função adrenal normal.
Baixos níveis séricos de sódio devido à doença de Addison devem ser diferenciados daqueles dos pacientes edematosos com doença cardíaca ou hepática (particularmente pacientes que tomam diuréticos), a hiponatremia dilucional da síndroma de secreção inapropriada de ADH e nefrite com perda de sal. Diferentemente daqueles com a doença de Addison, é improvável que esses pacientes tenham hiperpigmentação, hiperpotassemia e BUN elevado.
Exames
Testes laboratoriais, iniciados com cortisol sérico e níveis plasmáticos de ACTH pela manhã, confirmam a insuficiência adrenal (ver tabela Teste sérico confirmatório para doença de Addison). Elevadas concentrações de ACTH (≥ 50 pg/mL [≥ 11 pmol/L]), com cortisol baixo (< 5 mcg/dL [< 138 nmol/L]), são diagnósticas, em particular nos pacientes sob estresse intenso ou choque. Níveis baixos de ACTH (< 5 pg/mL [< 1.1 pmol/L]) e cortisol sugerem insuficiência adrenal secundária. É importante notar que os níveis de ACTH dentro do intervalo normal são inapropriados quando os níveis de cortisol são muito baixos.
Se as concentrações de ACTH e cortisol forem limítrofes e houver suspeita clínica de insuficiência adrenal — em particular em um paciente que será submetido a uma grande cirurgia —, realizam-se exames provocativos. Se houver pouco tempo disponível (p. ex., cirurgia de emergência), o paciente deve receber empiricamente hidrocortisona (p. ex., 100 mg, IV ou IM) e o teste provocativo deve ser realizado subsequentemente.
Teste provocativo
A doença de Addison é diagnosticada demonstrando-se a incapacidade do ACTH exógeno de elevar o cortisol plasmático. Diagnostica-se insuficiência suprarrenal secundária por teste de estímulo prolongado ao ACTH, teste de estímulo de glucagon ou teste de tolerância à insulina. Nos testes de estimulação com glucagon, os níveis plasmáticos de ACTH e cortisol não aumentam em resposta ao glucagon em pacientes com insuficiência adrenal secundária. Não se recomenda o teste de tolerância à insulina em pacientes com suspeita de insuficiência adrenal grave.
O teste de estímulo com ACTH é realizado pela injeção de cosintropina (ACTH sintético), 250 mcg, IV ou IM seguida da mensuração dos níveis de cortisol plasmático. Alguns especialistas acreditam que, na suspeita de insuficiência adrenal secundária, deve-se realizar um teste de estímulo com baixas doses de ACTH utilizando 1 mcg, IV em vez da dose padrão de 250 mcg, pois esses pacientes podem reagir normalmente a doses altas. Pacientes que utilizam suplementos de glicocorticoides ou espironolactona não devem tomar as medicações no dia do teste.
Os níveis séricos normais de cortisol na pré-injeção variam um pouco dependendo da análise laboratorial, mas tipicamente variam de 5 a 25 mcg/dL (138 a 690 nmol/L) e dobram em 30 a 90 minutos, chegando pelo menos a 20 mcg/dL (552 nmol/L). Pacientes com doença de Addison apresentam valores baixos ou baixo-normais na pré-injeção que não se elevam acima do valor de pico de 15 a 18 mcg/dL (414 a 497 nmol/L) em 30 minutos. Mas os valores normais precisos dependem da análise específica de cortisol utilizada e o intervalo normal de cada laboratório deve ser verificado.
Teste sérico confirmatório para doença de Addison
Uma resposta normal à cosintropina pode ocorrer na insuficiência adrenal secundária. Entretanto, como a insuficiência hipofisária pode causar atrofia da adrenal (e, assim, incapacidade de responder ao ACTH), o paciente pode necessitar de uma dose de ACTH de ação prolongada, 1 mg IM uma vez ao dia, por 3 dias, antes do teste de estímulo com ACTH, se houver suspeita de distúrbio da hipófise.
Um teste de estímulo prolongado com ACTH (amostras por 24 horas) pode ser utilizado para diagnosticar insuficiência adrenal secundária (ou terciária, i. e., hipotalâmica). Cosintropina 1 mg IM é administrada, e o cortisol é dosado em intervalos durante 24 horas, tipicamente em 1, 6, 12 e 24 h. Os resultados na primeira hora são semelhantes tanto para o teste curto (o de amostras colhidas até 1 h) quanto para o prolongado, mas na doença de Addison não há elevação adicional além dos 60 minutos. Na insuficiência adrenal secundária ou terciária, as concentrações de cortisol continuam a se elevar por ≥ 24 horas. Apenas nos casos de atrofia adrenal prolongada, o estímulo anterior com ACTH é necessário. O teste curto simples costuma ser feito inicialmente, em razão de uma resposta normal tornar desnecessárias mais avaliações.
Se houver suspeita de crise adrenal, a confirmação da doença de Addison por estímulo com ACTH pode ser postergada até que o paciente tenha se recuperado. Se for realizado teste de estímulo com ACTH, concentrações elevadas de ACTH juntamente com concentrações baixas de cortisol confirmam o diagnóstico.
Teste para etiologia
Nas sociedades ocidentais, considera-se que a causa seja autoimune, a menos que haja evidências contrárias. Pode-se avaliar a presença de autoanticorpos adrenais.
Deve-se proceder a radiografia de tórax para avaliar quanto a tuberculose; em caso de dúvida, TC de adrenal pode ser útil. Em pacientes com doenças autoimunes, as adrenais estão atrofiadas; em pacientes com tuberculose ou outras doenças granulomatosas, as adrenais estão aumentadas (inicialmente) com calcificações frequentes. Hiperplasia adrenal bilateral, especialmente em crianças e adultos jovens, sugere defeito enzimático genético.
Tratamento
Normalmente, o cortisol é secretado em nível máximo pela manhã e mínimo à noite. Assim, a hidrocortisona (semelhante ao cortisol) é dada em 2 a 3 tomadas, sendo a dose tópica diária total de 15 a 30 mg. Um regime consiste em administrar metade pela manhã, e o restante da dose no almoço e no início da noite (p. ex., 10 mg, 5 mg, 5 mg). Outros administram dois terços pela manhã e um terço no início da noite. Doses um pouco antes de dormir geralmente devem ser evitadas porque podem causar insônia. Alternativamente, pode-se utilizar prednisona (5 mg VO pela manhã e 2,5 mg VO no início da noite). Além disso, fludrocortisona (0,1 a 0,2 mg VO uma vez ao dia) é recomendada para substituir a aldosterona. A maneira mais fácil de ajustar a dose de fludrocortisona é certificar-se de que o nível de renina está no intervalo normal e que a pressão arterial e o nível sérico de potássio estão normais.
A hidratação normal e a ausência de hipotensão ortostática são evidências de reposição hídrica adequada. Em alguns pacientes, a fludrocortisona causa hipertensão, que é tratada com redução da dosagem ou iniciando-se um anti-hipertensivo não diurético. Alguns médicos tendem a administrar pouca hidrocortisona, para evitar a utilização de anti-hipertensivos.
Doenças intercorrentes (p. ex., infecções) são potencialmente graves e devem ser tratadas com vigor; a dosagem de hidrocortisona do paciente deve ser dobrada durante a doença. Se náuseas e vômitos impedirem o tratamento oral, será necessária terapia parenteral. Os pacientes devem ser instruídos quando tomar suplementos de prednisona ou hidrocortisona e orientados sobre a autoadministração de hidrocortisona parenteral em situações de emergência. Uma seringa pré-carregada com 100 mg de hidrocortisona deve estar disponível para o paciente. Um bracelete ou cartão na carteira que indique o diagnóstico do paciente e a dose de corticoide pode ser útil em caso de crise adrenal que impossibilite o paciente de se comunicar.
Quando a perda de sal é grave, como ocorre em climas muito quentes, a dose de fludrocortisona pode ser aumentada.
Na coexistência de diabetes melito e doença de Addison, a dose de hidrocortisona não deve ser > 30 mg/dia; de outra maneira, será necessário mais insulina.
Tratamento da crise adrenal
Deve-se instituir o tratamento logo após suspeita de crise adrenal. (Atenção:na crise adrenal, postergar o início do tratamento com corticoides, em particular se houver hipoglicemia e hipotensão, pode ser fatal.) Se o paciente está muito enfermo, deve-se adiar o teste de estímulo do ACTH até o paciente se recuperar.
Hidrocortisona, 100 mg, é injetada IV em 30 segundos, repetindo-se a cada 6 a 8 horas nas primeiras 24 horas. A expansão imediata do volume intravascular é realizada fornecendo infusão de 1 L de dextrose a 5% em solução fisiológica a 0,9% por 1 a 2 horas. Solução fisiológica a 0,9% adicional é administrada IV até a correção da hipotensão, desidratação e hiponatremia. O potássio sérico pode diminuir durante a reidratação e deve ser reposto. Não é necessária administração de mineralocorticoides quando se administram altas doses de hidrocortisona. Quando a doença for menos grave, pode-se administrar hidrocortisona 50 ou 100 mg IM a cada 6 horas. A restauração da pressão arterial e a melhora geral devem ocorrer cerca de 1 hora após a dose inicial de hidrocortisona. Agentes inotrópicos podem ser necessários até a obtenção dos efeitos da hidrocortisona.
Uma dose total de 150 mg de hidrocortisona costuma ser suficiente durante o 2º período de 24 horas se o paciente melhorar de forma significativa, e 75 mg são administrados no 3º dia. As doses orais de manutenção de hidrocortisona (15 a 30 mg) e fludrocortisona (0,1 mg) são administradas diariamente em seguida, como descrito anteriormente. A recuperação depende do tratamento da causa subjacente (p. ex., infecção, trauma, estresse metabólico) e do tratamento adequado com hidrocortisona.
Para pacientes com função adrenal residual que apresentam crise adrenal sob estresse, o tratamento com hidrocortisona é o mesmo, mas as necessidades de líquidos são muito menores.
Tratamento das complicações
Febre > 40,6° C ocasionalmente acompanha o processo de reidratação. Exceto na presença de queda da pressão arterial, antipiréticos (p. ex., aspirina, 650 mg) podem ser administrados, por via oral, com cautela. As complicações do tratamento com corticoides podem incluir reações psicóticas. Se ocorrerem reações psicóticas, pode-se então reduzir a dose de hidrocortisona para a menor concentração capaz de manter a pressão arterial e a boa função cardiovascular. Drogas antipsicóticas podem ser necessárias temporariamente, mas sua utilização não deve ser prolongada.
Pontos-chave
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Doença de Addison é insuficiência adrenal primária.
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Fraqueza, fadiga e hiperpigmentação (manchas generalizadas ou manchas pretas focais envolvendo a pele e mucosas) são típicas.
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Ocorrem baixo nível sérico de sódio, potássio sérico elevado e alto nível de BUN (nitrogênio ureico sanguíneo).
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Normalmente, o ACTH no plasma é elevado e os níveis séricos de cortisol são baixos.
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Doses de reposição de hidrocortisona e fludrocortisona são dadas; as doses devem ser aumentadas durante doença intercorrente.