Depois de ser engolido, injetado, inalado ou absorvido pela pele, pela mucosa sob a língua ou pela mucosa interna da bochecha, a maior parte dos medicamentos entra na corrente sanguínea e circula por todo o corpo. (Consulte também Definição de farmacodinâmica.) Alguns medicamentos são administrados diretamente na área onde sua ação é necessária. Por exemplo, colírios são colocados diretamente nos olhos. Os medicamentos, então, interagem com as células ou tecidos nos quais eles produzem seus efeitos desejados (locais alvo). Essa interação é chamada de seletividade.
A seletividade é o grau em que um medicamento age em um dado local em relação a outros locais.
Medicamentos relativamente não seletivos afetam muitos tecidos ou órgãos diferentes. Por exemplo, a atropina, um medicamento administrado para relaxar os músculos do trato digestivo, também pode relaxar os músculos dos olhos e do trato respiratório.
Medicamentos relativamente seletivos, por exemplo, medicamentos anti‑inflamatórios não esteroides (AINEs), como aspirina e ibuprofeno (consulte Analgésicos não opioides), têm como alvo qualquer região onde uma inflamação esteja presente.
Medicamentos altamente seletivos afetam apenas um único órgão ou sistema. Por exemplo, a digoxina, um medicamento administrado no tratamento da insuficiência cardíaca, afeta principalmente o coração, aumentando sua eficácia de batimentos. A ação dos soníferos é direcionada a determinadas células nervosas do cérebro.
Como os medicamentos sabem onde devem exercer seus efeitos? A resposta tem relação com o modo como eles interagem com células ou substâncias, como enzimas.
Receptores nas células
A maioria das células apresenta muitos tipos de receptores diferentes em sua superfície. Um receptor é uma molécula com uma estrutura tridimensional específica que permite que apenas substâncias que se encaixam perfeitamente se liguem a ele, como uma chave se encaixa em sua fechadura.
Os receptores permitem que substâncias naturais (produzidas no corpo) exteriores às células influenciem a atividade celular. Exemplos de tais substâncias incluem neurotransmissores (substâncias químicas que conduzem mensagens celulares no sistema nervoso) e hormônios (substâncias químicas liberadas na corrente sanguínea por um órgão com intuito de agir em outro órgão). Essa influência pode ser para estimular ou inibir um processo no interior da célula. Os medicamentos tendem a imitar a ação dessas substâncias naturais e, portanto, utilizam os receptores da mesma forma. Por exemplo, a morfina e analgésicos relacionados agem ou afetam os mesmos receptores cerebrais utilizados pelas endorfinas, substâncias produzidas pelo corpo para ajudar a controlar a dor.
Alguns medicamentos ligam-se apenas a um tipo de receptor. Outros atuam como uma chave mestra e podem se ligar a diversos tipos de receptores pelo corpo. A seletividade de um medicamento geralmente pode ser explicada por seu grau de seletividade aos receptores.
A Perfect Fit
Agonistas e antagonistas
Os medicamentos que têm receptores-alvo se classificam como agonistas ou antagonistas. Os medicamentos agonistas ativam ou estimulam seus receptores específicos, desencadeando uma resposta que aumenta ou diminui a atividade da célula. Medicamentos antagonistas bloqueiam o acesso ou a ligação de agonistas naturais do corpo, geralmente neurotransmissores, a seus receptores e, assim, inibem ou reduzem as respostas celulares a agonistas naturais.
Medicamentos agonistas e antagonistas podem ser utilizados simultaneamente em pessoas com asma. Por exemplo, o albuterol pode ser administrado com o ipratrópio. O albuterol, um agonista, une-se a receptores específicos (adrenérgicos) nas células do trato respiratório, provocando o relaxamento das células do músculo liso e, portanto, um aumento do calibre das vias respiratórias (broncodilatação). O ipratrópio, um antagonista, liga-se a outro tipo de receptores (colinérgicos), bloqueando a união da acetilcolina, um neurotransmissor que provoca a contração das células do músculo liso e, consequentemente, o estreitamento das vias respiratórias (broncoconstrição). Ambos os medicamentos dilatam as vias aéreas (e facilitam a respiração), porém, de formas diferentes.
Os betabloqueadores, como o propranolol, constituem um grupo de antagonistas muito utilizado. Esses medicamentos são utilizados no tratamento da hipertensão arterial, angina (dor torácica provocada por um suprimento de sangue inadequado para o músculo cardíaco), certas arritmias cardíacas e para prevenir enxaquecas. Eles bloqueiam ou reduzem a estimulação cardíaca produzida pelos neurotransmissores agonistas epinefrina (adrenalina) e norepinefrina (noradrenalina), que são liberados durante o estresse. Antagonistas, como os betabloqueadores, apresentam maior eficácia quando a concentração do agonista é elevada em uma parte específica do corpo. Da mesma forma que uma operação de trânsito detém mais veículos no horário de pico no final da tarde do que de madrugada, os betabloqueadores administrados em doses que têm pouco efeito na função normal do coração podem ter um efeito muito maior quando se produzem descargas repentinas de hormônios liberados em situações de estresse e, desse modo, eles protegem o coração de uma estimulação excessiva.
Targets in The Body: Cell Receptors
Certas substâncias naturais presentes no organismo, como os neurotransmissores e os hormônios, localizam como alvos os receptores específicos situados na superfície das células. Quando essas substâncias se unem ao receptor de uma célula, estimulam esse receptor para que este realize sua função, que é produzir ou inibir uma ação específica na célula. Os medicamentos também podem ter esses receptores como alvo e se unirem a eles. Alguns medicamentos atuam como agonistas, estimulando o receptor da mesma forma que as substâncias naturais do corpo fazem. Outros atuam como antagonistas, bloqueando a ação da substância natural no receptor. Cada tipo de receptor tem muitos subtipos e os medicamentos podem atuar sobre vários tipos de receptores. |
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Tipo de receptor |
Agonista natural do corpo |
Ação resultante |
Medicamentos que têm o receptor como alvo |
Adrenérgicos |
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Alfa 1 |
Epinefrina e norepinefrina |
Reações de “lutar ou fugir”: Constrição dos vasos sanguíneos da pele, trato digestivo e trato urinário Quebra da glicose no fígado (liberando energia) Diminuição da atividade do estômago e dos intestinos Contração da musculatura lisa nos órgãos genitais e urinários |
Agonistas: Metoxamina e fenilefrina Antagonistas: Doxazosina, prazosina, tansulosina e terazosina |
Alfa 2 |
Epinefrina e norepinefrina |
Uma diminuição na secreção da insulina, na aglutinação de plaquetas, na constrição dos vasos sanguíneos da pele e dos intestinos e na liberação da norepinefrina a partir dos nervos |
Agonistas: Clonidina Antagonistas: Ioimbina |
Beta 1 |
Epinefrina e norepinefrina |
Aumento da frequência cardíaca, na força de contração do coração e na secreção de renina (um hormônio envolvido no controle da pressão arterial) |
Agonistas: Dobutamina e isoproterenol Antagonistas: Betabloqueadores (usados para tratar hipertensão e doenças do coração), como atenolol e metoprolol |
Beta 2 |
Epinefrina e norepinefrina |
Dilatação da musculatura lisa dos vasos sanguíneos, vias respiratórias, trato digestivo e trato urinário Quebra do glicogênio na musculatura esquelética (liberação de glicose para energia) |
Agonistas: Albuterol, isoetarina e terbutalina Antagonistas: Propranolol |
Colinérgicos |
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Muscarínicos |
Acetilcolina |
Diminuição na frequência cardíaca e na força da contração do coração Constrição das vias aéreas Dilatação dos vasos sanguíneos em todo o corpo Aumento da atividade estomacal, intestinal e da bexiga, bem como das glândulas salivares, lacrimais e sudoríparas |
Agonistas: Betanecol e carbacol Antagonistas: Atropina, ipratrópio e escopolamina |
Nicotínicos |
Acetilcolina |
Contração da musculatura esquelética |
Agonistas: Nenhum utilizado comumente Antagonistas: Atracúrio, pancurônio e tubocurarina |
Histaminérgicos |
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H1 |
Histamina |
Produção de uma resposta alérgica Contração dos músculos das vias respiratórias e do trato digestivo Dilatação dos pequenos vasos sanguíneos Sonolência (sedação) |
Agonistas: Nenhum utilizado comumente Antagonistas: Cetirizina, clorfeniramina, clemastina, difenidramina, fexofenadina e loratadina |
H2 |
Histamina |
Estimulação de secreções estomacais |
Agonistas: Nenhum utilizado comumente Antagonistas: Cimetidina, famotidina e nizatidina |
Serotoninérgicos |
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Serotonina |
Constrição dos vasos sanguíneos no cérebro Estimulação da atividade (motilidade) no trato digestivo Contração dos vasos sanguíneos Efeitos sobre o sono, memória, percepção sensorial, regulação da temperatura, humor, apetite e secreção hormonal |
Agonista parcial: Buspirona Agonistas*: Sumatriptana e zolmitriptana Antagonistas: Metisergida e ondansetrona |
Dopaminérgicos |
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Dopamina |
Envolvida nos movimentos, humor, pensamento, aprendizado e busca por recompensa Também aumenta o fluxo sanguíneo para os rins, o que permite um aumento da excreção urinária |
Agonistas: Pramipexol e ropinirol Antagonistas: Olanzapina e risperidona |
*Os antidepressivos chamados de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) agem aumentando os efeitos da serotonina, mas não são agonistas (eles não agem sobre o receptor da serotonina). |
Enzimas
Em vez dos receptores, alguns medicamentos têm como alvo enzimas, que estão encarregadas de regular a velocidade em que se produzem as reações químicas. Os medicamentos direcionados para as enzimas classificam-se como inibidores ou ativadores (indutores). Por exemplo, a lovastatina, um medicamento que reduz o colesterol, inibe uma enzima chamada HMG-CoA redutase, que é fundamental para a produção de colesterol pelo organismo. Um efeito colateral do antibiótico rifampicina é a ativação das enzimas implicadas no metabolismo dos contraceptivos orais. Quando mulheres tomando um contraceptivo oral também tomam rifampicina, o contraceptivo é metabolizado (ou seja, segmentado em componentes inativos) e eliminado do corpo com mais rapidez do que o habitual e, por isso, pode ser ineficaz.
Interações químicas
Alguns medicamentos produzem efeitos sem alterar a função de uma célula e sem se ligar a um receptor. Por exemplo, a maioria dos antiácidos diminuem o ácido gástrico por meio de simples reações químicas. Os antiácidos são bases que quimicamente interagem com ácidos para neutralizar o ácido gástrico.