O trato urinário é um local comum para anomalias congênitas de importância variada. Muitas anomalias são assintomáticas e diagnosticadas por ultrassonografia pré-natal ou são parte de uma avaliação de rotina a procura de outras anomalias congênitas. Outras anomalias são diagnosticadas secundárias a obstruções do trato urinário, infecções do trato urinário ou traumas.
(Ver também Displasia renal cística congênita.)
Doença renal policística autossômica recessiva
A incidência da doença renal policística autossômica recessiva é cerca de 1/10.000 a 1/20.000 nascimentos; é causada por uma mutação no gene PKHD1, localizado no cromossomo 6p21. Por outro lado, a doença renal policística autossômica dominante é muito mais comum, ocorrendo em cerca de 1/500 a 1/1.000 nascimentos. Os sintomas da doença renal policística autossômica dominante geralmente só aparecem na idade adulta. Raramente, os sintomas se manifestam na infância na forma mais agressiva. O diagnóstico em crianças pode ser mais precoce quando um cisto é casualmente encontrado ou por meio da história familiar.
A doença renal policística autossômica recessiva afeta
Os rins costumam estar bem aumentados e contêm pequenos cistos; insuficiência renal é comum na infância.
O fígado é aumentado e apresenta fibrose periportal, proliferação do duto biliar e cistos espalhados; o restante do parênquima hepático é normal. A fibrose provoca hipertensão portal até a idade de 5 a 10 anos, mas a função hepática é normal ou minimamente diminuída.
Gravidade e progressão da doença são variáveis. Doença grave pode se manifestar no período pré-natal ou logo após o nascimento, ou durante a infância com sintomas renais associados; a forma menos grave aparece entre as crianças maiores ou adolescentes com problemas hepáticos.
Os recém-nascidos afetados têm abdome volumoso e rins muito grandes, firmes, lisos e simétricos. Os neonatos gravemente afetados, muitas vezes, apresentam hipoplasia pulmonar secundária aos efeitos, intraútero, da disfunção renal e do oligoidrâmnio.
Crianças entre 5 e 10 anos podem exibir sinais de hipertensão portal, como varizes esofágicas e gástricas e hiperesplenismo. Se a doença se manifesta na adolescência, a nefromegalia é menos acentuada, a insuficiência renal pode ser leve ou moderada e os principais sintomas são os relacionados à hipertensão portal.
O diagnóstico da doença renal policística autossômica recessiva pode ser difícil, especialmente se não houver história familiar. A ultrassonografia pode mostrar cistos renais ou hepáticos e o diagnóstico definitivo depende da biópsia. O ultrassom realizado no final da gestação permite que se faça o diagnóstico in utero. Se a ultrassonografia pós-natal não for definitiva, RM ou TC podem ser diagnósticas. Se necessário, exames genéticos a procura de PKHD1 podem ser feitos quando os critérios clínicos não são atendidos.
Muitos recém-nascidos morrem nos primeiros dias ou semanas de vida, por insuficiência pulmonar. A maioria que sobrevive desenvolve insuficiência renal progressiva, com frequência, necessitando de reposição terapêutica renal. A experiência com transplante renal, com ou sem transplante hepático, é limitada. Quando realiza-se o transplante, é necessário controlar o hiperesplenismo para evitar a leucopenia induzida pelo hiperesplenismo, que aumentaria o risco de infecção sistêmica. A hipertensão portal pode ser tratada com derivação portocava ou esplenorrenal, que reduz a morbidade, mas não a mortalidade.
Anomalias por duplicação
Os sistemas coletores supranumerários podem ser uni ou bilaterais e podem envolver a pelve renal, ureteres (pelve renal acessória, pelve e ureter duplos ou triplos), cálice ou orifício ureteral. Rins duplex têm uma única unidade renal com mais de um sistema coletor. Essa anomalia difere de rins fundidos, que envolvem a fusão de duas unidades de parênquima renal mantendo os respectivos sistemas de coleta individuais. Algumas anomalias por duplicação apresentam ectopia ureteral com ou sem ureterocele e/ou refluxo vesicoureteral (RVU).
A abordagem depende da anatomia e da função de cada segmento drenado separadamente. A cirurgia pode ser necessária para corrigir obstrução ou RVU.
Anomalias por fusão
Nesta fusão anômala, os rins ligam-se, mas os ureteres entram, separadamente, de cada lado da bexiga. Essas anomalias aumentam o risco de obstrução na junção ureteropélvica, refluxo vesicoureteral, displasia renal cística congênita e lesão por traumatismo abdominal anterior.
O rim “em ferradura” é a anomalia por fusão mais comum e ocorre quando o parênquima renal, de cada lado da coluna vertebral, liga-se pelo polo (quase sempre inferior) correspondente, com um istmo do parênquima renal ou tecido fibroso na linha média. Os ureteres dispõem-se medial e anteriormente sobre o istmo e geralmente drenam bem. Se houver obstrução, ela é secundária à inserção elevada dos ureteres na pelve renal. A pieloplastia alivia a obstrução e pode ser realizada sem ressecção do istmo.
A ectopia por fusão renal cruzada é 2ª anomalia por fusão mais comum. O parênquima renal (representando ambos os rins) está em um dos lados da coluna vertebral. Um dos ureteres cruza a linha média e entra na bexiga no lado oposto ao do rim fundido. Quando há obstrução da junção ureteropélvica, o tratamento de escolha é a pieloplastia.
O rim pélvico ligado (rim “em panqueca”) é mais raro. Um rim pélvico único é servido por dois sistemas coletores e ureteres. Se houver obstrução, é necessária a reconstrução.
Má rotação
Rim displásico multicístico (RDMC)
Nessa condição, há uma unidade renal não funcionante que consiste em cistos não comunicantes com interposição de tecido sólido composto de fibrose, túbulos primitivos e focos de cartilagem. Em geral, também há atresia ureteral. O rim contralateral costuma estar normal, mas até 10% dos pacientes podem ter refluxo vesicoureteral ou obstrução da junção ureteropélvica. Frequentemente, o rim involui de modo progressivo e, com o tempo, não é mais visível na ultrassonografia. Desenvolvimento de tumores, infecções e/ou hipertensão é raro.
A maioria dos especialistas recomenda observação para monitorar a involução. Pode-se considerar nefrectomia na presença de tecido sólido, aumento progressivo ou raramente hipertensão ou cisto roto que causa dor.
Agenesia renal
A agenesia renal bilateral como parte de uma síndrome de oligoidrâmnio, hipoplasia pulmonar e anomalias faciais e de extremidades (síndrome de Potter clássica) é fatal em minutos ou horas. Morte fetal é comum.
A agenesia renal unilateral corresponde a cerca de 5% das anomalias renais. Muitos casos resultam da involução intrauterina completa de um rim displásico multicístico. Em geral, é acompanhada por agenesia ureteral com ausência do trígono ipsolateral e do orifício ureteral. No entanto, a glândula adrenal ipsolateral não é afetada. Não é necessário nenhum tratamento; a hipertrofia compensatória do rim solitário mantém função renal normal. Como os rins compartilham uma origem embriológica comum com os ductos deferentes e o útero, meninos podem ter agenesia do canal deferente e as meninas podem ter anomalias uterinas.
Displasia renal
Na displasia renal (diagnóstico histológico) há desenvolvimento anormal de vasculatura renal, túbulos, ductos coletores ou sistema de drenagem. O diagnóstico da displasia renal é por biópsia.
Se a displasia é segmentar, geralmente o tratamento da displasia renal não é necessário. Se displasia for extensa, podem ser necessários cuidados nefrológicos para tratamento da disfunção renal, incluindo o transplante renal.
Ectopia renal
Ectopia renal (localização renal anormal) geralmente ocorre quando um rim não consegue ascender da sua origem na pelve verdadeira; uma exceção rara ocorre com um rim que ascende superiormente (para o tórax). A ectopia pélvica aumenta a incidência de obstrução na junção ureteropélvica, refluxo vesicoureteral e displasia renal multicística.
Obstrução e refluxo grave podem ser corrigidos cirurgicamente quando houver indicação (se causar hipertensão, infecções recorrentes ou retardo de crescimento renal).
Hipoplasia renal
A hipoplasia costuma ocorrer porque a ramificação de brotamentos ureterais leva a um rim pequeno e subdesenvolvido, com néfrons histologicamente normais. Se a hipoplasia for segmentar, pode ocorrer hipertensão e ablação cirúrgica pode ser necessária. Deve-se avaliar se o paciente apresenta refluxo vesicoureteral.